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Fintechs Negras Importam: Algoritmos Inclusivos e Justiça Racial

Publicado 20.05.2022, 09:52

Os negros têm uma longa história de exclusão nos sistemas financeiros tradicionais. Os bancos dos EUA, por exemplo, rejeitam os pedidos de empréstimos de pessoas negras com muito mais frequência do que acontece com clientes brancos. Da mesma forma, um outro estudo com microempreendedores brasileiros sugere que aqueles empreendimentos negros que tiveram solicitação de crédito concedida, obtiveram valores menores e juros mais altos do que os obtidos por brancos.

De forma geral, a literatura conecta as fintechs à transformação dos serviços financeiros na direção de sua democratização, contribuindo para a inclusão financeira e, indiretamente, levando maior justiça social neste setor com largo histórico de segregação. Esta visão tende a gerar expectativas de que as barreiras raciais nos canais tradicionais de distribuição de empréstimos possam ser superadas com a chegada das fintechs ao mercado.

Entretanto, embora as fintechs possam, de fato, ampliar a base de clientes oferecendo serviços financeiros em plataformas digitais, elas não necessariamente reduzem a exclusão financeira baseada em raça. O fato de fintechs “bem-intencionadas” estarem reproduzindo desigualdades em formatos digitais e, com isso, levando taxas de juros mais altas para tomadores de empréstimos negros, se deve ao fato dos desenvolvedores dessas fintechs estarem reproduzindo modelos de score de crédito tradicionalmente usados no setor financeiro. Ao reproduzir uma lógica estabelecida, dificilmente conseguirão atingir o objetivo de inclusão financeira racial, que é um fenômeno baseado em construções multifacetadas e conceitos abstratos.

Um exemplo de como esta reprodução da lógica estabelecida acontece está no uso de CEPs e outras informações geográficas em modelos de escoragem de crédito. Nesses modelos, regiões historicamente segregadas são mal pontuadas e reduzem o acesso ao crédito de quem vive nelas. Pessoas que vivem em regiões pobres tendem a ser mal avaliadas em seu score de crédito exatamente porque moram em regiões pobres, onde fatalmente os negros são maioria. Ao usar para o desenvolvimento de seus modelos elementos preditivos construídos em torno desse tipo de informação, essas fintechs podem indiretamente discriminar com base na raça. Ferramentas digitais apenas reproduzem as desigualdades e preconceitos existentes no mundo ao seu redor.

Algoritmos são criados por pessoas e incorporam escolhas humanas que representam as respectivas experiências de vida de seus criadores, reproduzindo assim vieses implícitos. Assim como a comunidade negra está sub-representada na força de trabalho da indústria de tecnologia, o universo das fintechs é também caracterizado por uma presença muito limitada de empreendedores e profissionais negros. É difícil imaginar que um ambiente empresarial dominado por jovens brancos, como é o caso das fintechs, possa desenvolver a sensibilidade necessária para captar os elementos incorporados numa estrutura de preconceito arraigada na sociedade. Ainda que possam ter as melhores intenções, jovens brancos que nunca sofreram discriminação terão dificuldade de entender as sutilezas deste processo secularizado.

As práticas de exclusão em um ambiente só serão verdadeiramente eliminadas quando os excluídos tiverem papel protagonista neste mesmo ambiente e não por meio de qualquer comportamento paternalista por parte dos não excluídos. Em outras palavras, a construção de algoritmos que sejam inclusivos para a comunidade negra ocorrerá concomitantemente com mais negros assumindo papel de liderança no universo das fintechs.

Como qualquer outro tipo de organização, as fintechs também compreendem estruturas raciais e podem, com isso, potencializar ou diminuir a agência dos grupos raciais que a compõem. Portanto, suposições, valores e experiências dos tomadores de decisão em fintechs são elementos importantes a serem observados. Da mesma forma que a inserção de grupos específicos impactam a lógica institucional de uma empresa, a origem dos desenvolvedores influencia a materialidade dos artefatos digitais criados por eles.

Embora ainda sejam raras as evidências de como as fintechs estão trabalhando de fato para mitigar a exclusão racial, já é possível encontrar sinais de que esta situação pode estar mudando. Iniciativas da própria comunidade negra começam a se movimentar para ampliar a consciência sobre a importância de considerar a questão racial no universo financeiro, em particular no acesso a crédito. Entre essas iniciativas estão o Movimento Black Money e o Olabi, que promovem inovação social, tecnologia e diversidade para inserção e autonomia da comunidade negra na era digital.

Em paralelo a essas iniciativas originárias no próprio movimento negro, o Google (NASDAQ:GOOGL) criou o Black Founders Fund uma iniciativa de investimento em startups lideradas por empreendedores negros e negras no Brasil. Entre os diversos empreendimentos digitais apoiados nesta iniciativa, três são fintechs de protagonismo negro: Akintech, Banco Afro e Conta Black.

É só um começo, mas é um sinal de que há um caminho a ser seguido. Este caminho passa pela formação de mão de obra qualificada dentro da comunidade negra, pelo suporte técnico e financeiro para startups de protagonismo negro, particularmente fintechs, e também pela articulação dos mercados ligados ao consumo de produtos típicos da comunidade negra, que são os beneficiários da democratização racial do crédito. Essas iniciativas têm o poder de ampliar a diversidade racial no ecossistema de fintechs e irão apoiar empreendimentos negros com potencial de crescimento.

Democracia racial se faz com liberdade, mas, principalmente, com diversidade em todos os níveis do ambiente econômico e social.

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