*Com Marcos Gambi
Os biomas do Brasil seguem sendo desmatados, em diferentes escalas, seja em conversões legais ou ilegais. Para frear este avanço, é necessário oferecer modelos de negócios alternativos, que sejam atrativos e duradouros em relação a conversão de novas áreas para os proprietários rurais, mantendo-os em atividades rurais lícitas, rentáveis e mais resilientes às mudanças do clima.
Os sistemas agroflorestais (SAFs) e o extrativismo de Produtos Florestais Não Madeireiros (PFNM) são soluções para diversificar a renda dos produtores, conciliando a conservação e restauração de biomas com a produção de alimentos e ressonando com a abordagem da bioeconomia. O que esse extrativismo significa na prática? Uma alternativa eficaz para coletar recursos da floresta que não envolvem a exploração de madeira, como frutos, sementes, castanhas, entre outros. Esses produtos são retirados de forma sustentável, permitindo que a floresta continue intacta.
Os SAFs podem ser implementados para a restauração das áreas já abertas, com potencial de gerar 5 a 10 vezes mais renda por hectare do que modelos produtivos tradicionais, criando empregos e potencializando a economia local, mostrou um artigo escrito pelos cientistas brasileiros Ismael Nobre e Carlos Nobre (2019). Os SAFs também são atrativos para a restauração de déficits de Reserva Legal, podendo acelerar o cumprimento da legislação e a recuperação de áreas, por propiciarem fluxos de caixa positivos.
Em paralelo, o extrativismo de PFNM permite monetizar a vegetação em pé, apoiando na conservação de áreas de vegetação nativa, o que pode contribuir com a manutenção de áreas de excedente de Reserva Legal, que poderiam ser convertidas legalmente.
O financiamento mais barato para os produtores rurais é o público. No entanto, apenas 15% dos pequenos produtores conseguem cumprir todos os requisitos para acessá-lo, revelou as pesquisadores Climate Policy Initiative da PUC-Rio (2023). Embora essas linhas sejam muito importantes para destravar projetos, ainda são insuficientes para cobrir a demanda de crédito.
O financiamento privado, ofertado por empresas de insumos, off-takers, bancos comerciais e cooperativas de crédito, em geral, possui taxas de juros acima do CDI mais 4% ao ano. Essas linhas dificilmente atendem às características da bioeconomia, que requer taxas mais baixas, empréstimos com tickets menores e prazos mais longos para amortização, além de tolerância para garantias alternativas.
Há um histórico limitado de financiamento privado para a bioeconomia, que dificulta o dimensionamento correto de riscos e retornos dessas operações. Contudo, existem diversas arquiteturas financeiras disponíveis para destravar a participação do capital privado em financiamentos da bioeconomia, como as ofertas no mercado de capitais (por exemplo, o CRAs, FIDCs e FIAGROs) e outros produtos de empréstimo agrícola.
Atualmente, para viabilizar esse tipo de estrutura é necessária a participação de um provedor de capital catalítico para reduzir a percepção de risco dos investidores comerciais e tornar o crédito mais adaptado às necessidades dos produtores, considerando taxas, prazos e outras condições. Para melhorar as taxas de adimplência, estes produtos mistos (do inglês, blended finance) também podem oferecer serviços de apoio, como assistência técnica e gerencial.
Modelos de negócios da bioeconomia. Essas arquiteturas financeiras podem aterrissar em diferentes modelos de negócios adequados para os diferentes atores da bioeconomia. Aos pequenos agricultores e empreendimentos de povos indígenas e comunidades tradicionais, diferentes fontes de capital podem ser usadas para múltiplos propósitos, considerando o nível de maturidade dos produtores. Por exemplo, quando há necessidade de assistência técnica, recursos filantrópicos ou públicos são determinantes para a sustentabilidade financeira do produtor.
Para os produtores com sustentabilidade financeira, os mecanismos financeiros privados e mistos podem acelerar a adoção de novos modelos produtivos como, por exemplo, unidades de processamento, agregando valor aos produtos. Já os médios e grandes agricultores, com maior capacidade de investimento, os SAFs e o extrativismo de PFNM podem acelerar o desenvolvimento regional, fortalecendo serviços de abastecimento e logística.
Exemplos dessas arquiteturas financeiras estão na publicação lançada pela iniciativa IFACC. O material articula o papel do financiamento para promoção de SAFs e PFNM como usos do solo sustentáveis alinhados às necessidades de desenvolvimento do Brasil. Além disso, esses modelos se conectam com a estratégia do IFACC de apoiar instituições financeiras a desenvolverem soluções para financiar a produção de alimentos, sem conversão adicional de vegetação nativa.
Existem diversos atores trabalhando nessa agenda. Cada um tem um papel importante a desempenhar na busca por modelos produtivos mais sustentáveis. Para isso, é necessária uma combinação de ações:
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Instituições Financeiras de Desenvolvimento, Governos, Organizações Multilaterais e Fundações Privadas mobilizem recursos para financiamento catalítico;
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Bancos comerciais, gestores de ativos e empresas da cadeia de valor alinhem suas estratégias para a concepção de novos produtos financeiros adaptados às necessidades dos agricultores e melhor equilíbrio entre risco e retorno;
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Empresas e cooperativas de assistência técnica para que apoiem na implementação, comercialização e desenvolvimento de modelos de negócios escaláveis e financiáveis.
Felizmente, existe um impulso para aumentar o financiamento da bioeconomia no Brasil, resultando em mais mecanismos financeiros saindo do papel. Assim, será possível avançar em um histórico crescente, fortalecer as cadeias de valor, incentivar a expansão dos modelos produtivos e atender ao apetite de risco dos investidores, atraindo mais atenção e recursos num ciclo positivo.
*Natália Leite é especialista em finanças para a bioeconomia na The Nature Conservancy (TNC), Engenharia Ambiental pela POLI-USP e Mestra em Ciências Ambientais com ênfase em Economia Ambiental no PROCAM-USP.