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Finanças Comportamentais: Se Você Não Tem Dúvidas é Porque Você Está Mal Informado

Publicado 12.03.2021, 08:23
Atualizado 09.07.2023, 07:32

Esta emblemática frase, sem o termo “Finanças Comportamentais”, de autoria de um dos intelectuais mais satíricos do Brasil nos últimos 100 anos, o saudoso e implacável Millôr Fernandes, permanece atual e verdadeira. As razões são profundas e entrelaçadas entre si: a natureza da realidade e a nossa capacidade de julgamento e de tomada de decisões.

Esta questão do alcance da nossa compreensão sobre a realidade é um tema tratado há séculos pelas religiões, pela Filosofia e pela Ciência. Aqui neste artigo eu me limitarei à análise sob a ótica desta última, particularmente de uma das minhas áreas de pesquisa: Julgamento e Tomada de Decisão. E, ao final, apresentarei as suas principais consequências práticas em Finanças Comportamentais.

“Não é que as pessoas são burras. O mundo é que é duro.” (Richard Thaler, Nobel de Economia em 2017).

A DURA E COMPLEXA REALIDADE

Habitamos um mundo tão assombrosamente complexo que, não obstante o nosso admirável e crescente progresso científico, nem mesmo conseguimos dimensionar completamente esta complexidade em campos delimitados do conhecimento humano. Isto é verdadeiro não apenas para o “mundo natural”, mas também para o “mundo não natural”, ou seja, a “civilização” que criamos e desenvolvemos em ritmo crescentemente frenético.

Os exemplos são abundantes: na Economia, o comportamento dos agentes econômicos e a interação entre os mesmos ainda estão longe de serem compreendidos a ponto de permitir previsões amplas, específicas e precisas; na Cosmologia, cálculos indicam que o universo é 95,1% constituído pelas apenas recentemente descobertas e ainda incompreendidas energia e matéria escura, representando o universo “conhecido” (estrelas, planetas, etc.) menos de 5% do total; na Biologia, estimativas do total de espécies de seres vivos no nosso planeta beiram os 9 milhões, das quais pouco mais de 1,2 milhão já foram formalmente descritas; e o mesmo ocorre, em níveis variáveis, na Psicologia, na Química e em todas as demais áreas de estudo.

Quanto mais expandidas são as fronteiras da Ciência, mais evidente fica o quanto ainda há para ser desvendado. Parafraseando Sócrates: quanto mais sabemos, mais há para saber. Se isto é verdadeiro para a humanidade como um todo, é ainda mais para cada indivíduo. Muito mais.

A REALIDADE QUE PERCEBEMOS

O mundo não é o que pensamos que é. Cada um de nós possui em suas mentes, nas palavras de Kahneman (Nobel em Economia em 2002), um “modelo de mundo pessoal” que é uma versão incrivelmente simplificada e distorcida do mundo real. Assim como um mapa é uma representação muito limitada de uma região geográfica, mas neste caso com os consideráveis agravantes de que cada indivíduo possui o seu próprio “mapa” e de que estes deturpam, cada qual a seu modo, a “região” representada.

O “modelo de mundo” que construímos como espécie decorre de duas limitações da nossa fisiologia. A primeira delas se refere aos nossos cinco sentidos (visão, audição, paladar, olfato e tato). A visão humana, por exemplo, é limitada em termos de alcance, de resolução, de percepção de cores e luminosidade e em diversos outros aspectos, sendo superada em muitos deles pela visão de outros animais. O mesmo ocorre com os nossos demais sentidos, portanto restringindo e distorcendo a nossa percepção sobre a realidade que nos cerca.

Potencializando estes efeitos, há uma segunda limitação da nossa fisiologia: o nosso cérebro. Conforme já abordei em artigos anteriores, esta formidável obra da evolução por seleção natural apresenta limitações cognitivas, cujo estudo levou ao seminal e essencial conceito de “racionalidade limitada”, resultando no Nobel recebido por Herbert Simon em 1978.

Já o “modelo de mundo pessoal” torna-se único para cada indivíduo em função de um aspecto tratado no meu último artigo: a cognição e o comportamento humano são determinados por características inatas, originárias da “natureza” (“nature”), e por características adquiridas, originárias da “criação” (“nurture”). Como não há no mundo dois indivíduos com exatamente o mesmo genótipo e, simultaneamente, que tenham vivenciado ao longo das suas existências experiências totalmente iguais, a consequência prática e profunda é que cada indivíduo é realmente único na forma de perceber o mundo e de agir diante do mesmo.

FINANÇAS COMPORTAMENTAIS: CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS

As duas principais consequências em Finanças da compreensão simplificada, distorcida e única de cada ser humano sobre o mundo real são:

  1. Nenhuma decisão financeira é tomada de forma completamente conectada com a realidade. Há, inescapavelmente, sempre algum nível – na maioria das vezes, substancialmente elevado – de reducionismo e de distorção. O investimento em ações ilustra bem este fato, pois o investidor tipicamente confere um peso excessivo a alguns fatores – noticiário recente sobre a empresa e expectativa de mudanças na política macroeconômica, por exemplo – em detrimento de muitos outros tão ou mais relevantes: nível estrutural de governança da organização, peculiaridades do seu modelo de negócios, perspectivas futuras do seu segmento econômico, etc. Os decisores que possuem compreensões melhores da realidade, ainda que com algum grau significativo de limitação e de distorção, tendem a tomar decisões melhores.

  2. Em última instância, cada agente econômico julga e decide de forma única. Por mais que existam padrões de comportamento conhecidos – o que inclui os mais de 180 heurísticas e vieses decisórios, tais como “otimismo”, “efeito manada” e “aversão à perda”, já mapeados pela Ciência –, estes são probabilísticos e não determinísticos por serem condicionados pela individualidade de cada decisor. Um dos reflexos disto é a volatilidade dos mercados financeiros, resultante de comportamentos distintos dos investidores derivados dos seus diferentes “modelos de mundo pessoal” e de outros fatores relevantes, como, por exemplo, a assimetria de informações. Mesmo quando têm acesso à exatamente mesma informação, os agentes econômicos a interpretam de forma variável.

“A realidade é meramente uma ilusão, apesar de ser uma ilusão muito persistente.” (Albert Einstein).


* Ronaldo Deccax é Doutor em Administração com ênfase em Economia/Finanças Comportamentais, Mestre em Administração com ênfase em Estratégia, pesquisador e professor convidado no COPPEAD/UFRJ e consultor em Julgamento & Tomada de Decisão, Economia/Finanças Comportamentais, Negociação e Compras/Suprimentos. Ele pode ser contactado através do e-mail ronaldo.deccax@coppead.ufrj.br e no LinkedIn em linkedin.com/in/ronaldo-deccax-phd-169217.

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