Você já ouviu falar em “Declinismo”? Segundo a Wikipedia, trata-se da crença de que uma sociedade ou instituição está tendendo ao declínio. Particularmente, é a predisposição, possivelmente devido a vieses cognitivos, que nos leva a ver o passado de forma mais favorável e o futuro de forma negativa no longo prazo ou de modo permanente.
A crença pode ser originalmente atribuída ao trabalho de Edward Gibbon. O historiador inglês publicou, ao redor de 1780, o livro “Declínio e Queda do Império Romano”. Nele, Gibbon argumentou que Roma entrou em colapso devido à perda gradual da virtude cívica entre seus cidadãos, que se tornaram preguiçosos, mimados e inclinados a contratar mercenários estrangeiros para lidar com a defesa do estado. Ele acreditava que a razão deveria triunfar sobre a superstição para salvar as então superpotências da Europa de um destino semelhante ao do antigo Império.
Já no livro “O Declínio do Ocidente”, outro historiador, desta vez o alemão Oswald Spengler, alimentou os debates filosóficos e políticos ao longo do século XX. Além de dar ao Declinismo seu nome popular, o livro, lançado após a Primeira Guerra Mundial, de certo modo capturou o espírito pessimista da época. Spengler apontou que a história viu a ascensão e queda de várias civilizações, como a egípcia, a grega e a chinesa, entre outras. Ele alegou que entre apogeu e declínio, todas seguiram ciclos que abrangiam cerca de mil anos. Spengler acreditava que não apenas a Civilização Ocidental estaria também em declínio, mas que tal declínio era inevitável.
Se olharmos de modo objetivo estatísticas de educação, padrão de vida ou expectativa de vida, entre outras, fica claro que as sociedades do mundo estão melhorando ao longo das décadas. As novas gerações são mais educadas e têm acesso a melhores empregos. Foram feitos avanços significativos na questão da igualdade racial e nos direitos de praticamente todas as chamadas minorias ao longo do último século. No Brasil, uma criança nascida no final dos anos 1960 viveria em média até os 58 anos, enquanto que os bebês nascidos nos anos 2020 chegarão provavelmente nos 80 anos de idade na média. Entretanto, muitas pesquisas apontam pessimismo em relação ao futuro e nostalgia em relação ao passado. Por exemplo, mesmo com melhorias em diversos indicadores econômicos importantes, a maioria da população do Reino Unido decidiu por sair da Comunidade Europeia (Brexit).
Mas, se não está ancorado em dados reais, por que esse viés ocorre?
O declinismo pode ser visto como um subterfúgio emocional da mente que, em momentos tristes, tenta relembrar supostos momentos mais felizes. Outro viés psicológico, chamado de saliência da reminiscência, também ajuda na explicação. As pessoas com mais idade tendem a se lembrar melhor dos eventos ocorridos na juventude: geralmente dos 10 aos 30 anos. A energia da juventude aliada à sensação de vivenciar as coisas pela primeira vez marca de modo indelével a memória, tornando os acontecimentos mais recentes enfadonhos. Em artigo na revista The New Yorker, Adam Gopnick sugere que “a ideia de nosso declínio é emocionalmente magnética, porque a vida é um longo deslize, e o platô que acabou de passar é mais fácil de amar do que o que está chegando”. Não é a toa que quase todos amam as “velhas canções”.
Daniel Kahneman, o vencedor do Nobel por seus trabalhos sobre Economia Comportamental, falou do viés da confirmação. Nós buscamos provas e evidências para suportar aquilo no qual já acreditamos, muitas vezes de modo apenas intuitivo. Sem dúvida, esta maneira de nosso cérebro “ganhar tempo” ou mesmo buscar conforto psicológico também contribui para o declinismo, pois geralmente filtramos e interpretamos os dados ou fatos de maneira a apoiar a visão de um mundo em declínio.
O professor de políticas públicas da Universidade de Harvard, Joseph S. Nye, aponta com ironia que os “declinistas” são um dos mais importantes recursos renováveis dos Estados Unidos. A cada nova crise, surgem diversos especialistas proclamando o declínio do país, o iminente colapso do dólar e o final de uma era, para sempre. Entretanto, Nye lembra que recessões são cíclicas, embora algumas sejam mais profundas e durem mais do que outras. Mas que, em algum momento, “a maré muda”.
Talvez, o declinismo esteja ancorado em uma analogia com nossa biologia. Seres orgânicos, sem exceção, nascem, crescem, envelhecem e, finalmente, morrem. Mas pouco sabemos sobre o ciclo de vida de nações ou sociedades. O Império Romano Ocidental levou três séculos do apogeu até o colapso. Após perder as suas colônias na América, foi vaticinado que a Grã-Bretanha estaria reduzida à insignificância. Logo em seguida a Revolução Industrial ajudou a produzir o maior século britânico na História. Mas, então, Estados Unidos, Inglaterra ou mesmo o Brasil não estariam em declínio? Os países, sinceramente, não tenho como saber. Agora, que eu e você estamos declinando, disto, infelizmente, tenho certeza.
No Brasil, é interessante notar como as pessoas têm saudades de governos anteriores (provavelmente quando eram jovens e registraram mais momentos de felicidade na memória). “Viúvos” e “viúvas” da era Vargas, da ditadura militar, da primeira era do PT no poder etc. Não tenho dúvida que com o início do novo governo Lula, surgirá a saudade dos curtos anos de Bolsonaro. E depois que alguém substituir Lula no futuro, novamente ele será lembrado com saudade. O passado sempre foi melhor, o futuro sempre será incerto e associado com grandes riscos, principalmente a partir de um presente que quase sempre nos parece desapontador. Consciente deste viés, chega a ser engraçada a quantidade de variações encontradas nas redes sociais da previsão sombria: “A última decisão da Suprema Corte é apenas mais um exemplo de como nosso país está desmoronando nos dias de hoje”. De qual decisão estou falando? Pode escolher, qualquer uma funciona. E de qual país estou falando? Pode escolher também.
O mercado financeiro, muito influenciado pelas expectativas futuras da economia, também sofre no processo. A perspectiva individual trazida pelo declinismo pode levar as pessoas a serem excessivamente pessimistas e, portanto, não tomarem decisões que as ajudem racionalmente a se preparar para o futuro, seja financeiramente, seja em outras dimensões (como a saúde, por exemplo). Mas, talvez, a maior tragédia desse viés seja que nossa expectativa coletiva de declínio pode contribuir para uma profecia a ser realizada no mundo real. A sensação de que a sociedade está em declínio pode nos levar a desconfiar das autoridades. Isto foi constatado por um estudo que mostrou que as pessoas concordam com o populismo porque sentem que a elite política falhou com elas, por não ter o melhor interesse no coração. Embora algumas dúvidas e resistências contra a elite política sejam saudáveis, o declinismo muitas vezes nos deixa com a sensação de que não há esperança nem futuro. É precisamente aí que corremos o maior risco, como sociedade, de entregar nosso futuro a “falsos profetas” e toda espécie de charlatões. Já aconteceu naquele passado que achamos que foi melhor.
Podendo, melhor evitar. Afinal, um pouco de otimismo não faz mal a ninguém. Vai melhorar!