Não houve na história econômica brasileira algo que tenha impactado tanto quanto o Plano Real
O Plano Real não foi apenas um Plano Econômico para acabar com a hiperinflação brasileira, uma inflação que já batia, às vésperas de sua concepção, o inimaginável patamar de 50% ao mês; sim, ao mês, 50% ao mês.
Inegável argumentar que o principal objetivo era debelar a hiperinflação, mas o Plano era muito mais do que isso
Para começar, ele teve um enredo, e não foi um enredo simples, algo como 1 ministro da Fazenda e mais 2, 3 subordinados trabalhando em algo durante 2,3 semanas e pronto! Está produzido um Plano.
É isso que tenta mostrar o filme "Real, a história por trás do Plano", lançado oficialmente na segunda-feira, dia 20 de março, com previsão de ir aos cinemas brasileiros a partir do dia 18 de maio de 2017
O Filme já começa bem ao se basear no excelente livro do jornalista Guilherme Fiúza, "3.000 dias no bunker"
Visto o trailer, parece haver uma ênfase na figura de Gustavo Franco, o então excelente professor da PUC-RJ, que é chamado para fazer parte da equipe econômica que iria conceber o Plano, e que posteriormente iria ser formalizado como Presidente do Banco Central.
Gustavo Franco foi brilhante antes, durante e depois da gestação do Plano Real. Sua defesa incansável do Plano, e, principalmente de sua âncora cambial ao longo da Crise do México em 1994, da Crise da Ásia em 1997, da quebra do fundo LTCM e da Crise da Rússia em 1998, marcou o seu comportamento naquele período tenso da economia brasileira
As moedas de vários países emergentes foram atacadas em todas essas crises. No entanto, nenhum desses países havia passado por um quadro tão caótico em anos anteriores quanto o Brasil. Desvalorizar suas moedas diante de incessantes ataques poderia lhes custar sérios prejuízos. Mas qual o tamanho do prejuízo para um país que acabara de lançar um Plano cuja principal âncora era o dólar, que lutava para manter suas Reservas Internacionais em US$ 40-50 bilhões, nível certamente muito distante dos tempos atuais "pós Bolha de Commodities", com uma memória inflacionária recente e que se pendurava no único ativo que lhe dava um "norte", o dólar.
Gustavo Franco não estava errado em dizer que havia uma desvalorização em curso; as desvalorizações eram sutis, existiam dia após dia, semana após semana; era algo como um "câmbio flutuante sujo", o câmbio andava, mas cadenciado pela maior autoridade monetária, o "Banco Central de Gustavo Franco". Mas seriam suficientes diante da voracidade dos especuladores que insistiam em apostar que a "bola da vez" era o Brasil?
Gustavo Franco aguentou até onde conseguiu; até janeiro de 1999
Por outro lado, e aqui fica mais uma expectativa quanto ao filme quanto a sua contextualização, o Plano Real começou a ser gestado em 1984.
Em 1984, os economistas André Lara Resende e Pérsio Arida, então professores da PUC-RJ, escreveram "a 2 mãos" um paper cujo título era "Plano Larida", e que circulou no meio acadêmico. Ali, era o início do Plano Real, pois nele sugeria-se a convivência de 2 moedas em paralelo para o controle da inflação. Vejam vocês, que no longínquo ano de 1984 ainda não namorávamos com uma inflação sequer de 20% ao mês, muito menos 50% ao mês.
Quando convidados por Fernando Henrique Cardoso para fazerem parte da equipe econômica que produziria o Plano Real, Lara Resende e Arida levariam a criatividade intelectual do Plano original "Larida" a seu ponto máximo; não só o Brasil conviveria com 2 moedas, como 1 delas seria virtual, a chamada "URV" (Unidade Real de Valor), que posteriormente seria transformada no "nosso Real".
O Plano Real não se limitou a isso. A equipe econômica, com a liderança e o apoio de Fernando Henrique Cardoso, não mais como Ministro da Fazenda, e sim como Presidente da República, foi mais além; privatizou importantes setores da economia brasileira, como "Telecomunicações" , "Siderurgia", "Rodovias", privatizou a Vale (SA:VALE5), trouxe à toma esqueletos escondidos de bancos públicos estaduais, que não mais passaram a financiar governos deficitários, empurrando-os para novas rodadas de privatizações, e, entre tantas outras mudanças, imprimiu um colchão de regras e leis federais que limitavam os gastos públicos.
O Cinema brasileiro por anos produziu boas comédias, produziu um filme ímpar de "ação", o Tropa de Elite, produziu dezenas de filmes que procuravam refletir o período da ditadura sob as mais diversas óticas.
Entretanto, faltava um filme sobre o maior divisor de águas, não só para a Economia do país, mas uma quebra de paradigmas em várias direções.
Precisamos ser condescendentes com as estatais brasileiras, com os gastos públicos, com os bancos públicos, com o setor público? Dá para ser "bonzinho" com a inflação? 6%,7%, 8% de inflação ao ano não faz mal a ninguém? Ou temos que ter tolerância zero com a inflação?
Quem sabe o filme não nos traga bons fluidos e voltemos a encarar os problemas brasileiras sob outras perspectivas, mesmo com quase 25 anos de atraso.