Ser feliz ou ter razão?
Eu nunca entendi direito aquela história de "você quer ser feliz ou ter razão?"
Uma das grandes obsessões da minha vida sempre foi entender as coisas; compreender o que se passa.
Sob essa ótica, absolutamente compreensível eu ter virado analista.
E, também, absolutamente incompreensível essa dicotomia: eu fico extremamente feliz - não confundir alegria com bravata - quando minhas percepções se confirmam.
O chato do "eu te avisei"
Vinha há algum tempo alertando para potenciais dificuldades em Fundos de Recebíveis - os famigerados FIIs de Papel.
Eis que alguns eventos de inadimplência recentes - ainda que eventualmente sanados - acenderam (finalmente?) o alerta na cabeça de muita gente de que aqueles yields não eram oferecidos por força da generosidade dos emissores, mas porque o negócio tem risco.
Tinha alguns clientes de consultoria pesadamente expostos a esses ativos. Para minha alegria, a maioria reduziu ou zerou exposições a tempo.
Chutando cachorro morto?
Mas existe o outro lado da história.
Depois que as favas estavam contadas, começaram a se multiplicar os engenheiros de obra pronta.
E, nesse contexto, trataram de ressuscitar uma frase de um grande investidor brasileiro - aquele que, tendo feito aniversário recentemente, um monte de gente aproveitou para postar foto junto para descolar um engajamentozinho com a oportuna autopromoção.
Segundo ele, FIIs seriam conto do vigário.
Trago uma opinião.
De um lado, os FIIs...
Na maioria dos casos, Fundos Imobiliários são inferiores a Ações em geral - e, em prol de melhor comparabilidade, também especificamente frente a Ações pagadoras de dividendos - quando o objetivo é ganho de capital: o potencial de retorno de um FII é menor, e há razões muito claras para isto.
Primeiramente esclareço que estou falando de fundos de tijolo. Sobre os fundos de papel eu falo depois.
Assumindo que o portfólio do fundo esteja dado - ou seja, que os recursos captados já se encontram investidos em um ou mais imóveis -, o potencial de geração de receita está limitado ao preço do aluguel, cujos reajustes seguem inflação.
Ou seja: alugado o imóvel, receita vai crescer IGP-M ou IPCA. Qualquer potencial para além disso só pode ocorrer nas revisionais ou ao fim de cada contrato.
Segundamente, a legislação exige que pelo menos 95% dos resultados do fundo sejam distribuídos. Como consequência, inexiste a possibilidade de retenção de recursos para reinvestimento: a única maneira de expandir o portfólio é fazendo novas emissões de quotas com essa finalidade.
Terceiramente, a possibilidade de alavancagem financeira é limitada. Quando muito, é possível securitizar aluguéis futuros via CRI.
...do outro, as Ações
Empresas, por sua vez:
● Podem experimentar crescimento de faturamento superior à inflação, em função de incrementos de volumes de produtos ou serviços vendidos e/ou de reajustes de preços dos mesmos, dadas as circunstâncias de seus respectivos mercados de atuação;
● Podem reter parcelas substanciais de seus lucros para reinvestimento, expandindo seus negócios;
● Podem recorrer à emissão de dívida para financiar expansão e/ou otimizar suas estruturas de capital.
A consequência prática é: há maior espaço para geração de valor nas Empresas do que nos Fundos Imobiliários.
É conto ou não é?
Feitas essas considerações, façamos também justiça: se, por um lado, há desvantagens, por outro há pontos à favor dos fundos.
Para quem busca - por necessidade ou preferência - alta previsibilidade e recorrência de rendimentos, os FIIs são preferíveis às Empresas.
Da mesma forma que Empresas têm maior potencial, também estão expostas a mais intempéries.
(Não que os FIIs delas estejam imunes. Não estão!)
Além disso, são raras as Companhias brasileiras com políticas de distribuição de dividendos tão consistentes que seus acionistas possam, de fato, contar com o dividendo caindo no valor e dia certo sempre.
E, a depender do perfil de investidor e da fase na qual o mesmo se encontra, essas são características altamente desejáveis.
Da mesma forma que nem todo mundo quer investir em teses de alto crescimento (nas quais é igualmente alto o risco de execução dos projetos
futuros), nem todo mundo se vê suficientemente satisfeito com a relativa calmaria das ações "dividendeiras". Alguns precisam de ainda mais regularidade.
Ou seja: parece-me, antes de tudo, uma questão de adequação a perfil. E existe um perfil para o qual FIIs são preferíveis.
Joio vs. trigo
Além disso, o mercado é democrático em suas oportunidades.
Da mesma forma que é possível gerar retornos acima da média mediante a investigação de teses pontuais de Empresas cujas dinâmicas não são adequadamente compreendidas pelo coletivo, iguais oportunidades existem em fundos selecionados.
Aí é questão de gastar sola de sapato e pestana para entender o que está corretamente precificado e o que não está.
Entrando na conversa
Minha incursão em FIIs não foi planejada.
Tudo começou quando, em razão das demandas de consultoria, eu assinei um research para me basear nas alocações dos clientes que tinham ou queriam ter FIIs.
Para minha surpresa, alguns meses depois tal research simplesmente parou de atender clientes PF. Fiquei a ver navios... e com a obrigação de me atualizar sobre os fundos por conta própria, para seguir atendendo meus consulentes.
Confesso, de qualquer forma, que tem sido uma investigação interessante. E que, experimentalmente, me vejo em condições de começar a compartilhar.