Os rumores de que o Federal Reserve pode optar por um “tratamento de choque” quando começar a elevar os juros em março se tornaram tão comuns que o meio ponto percentual de alta já abertamente discutido não seria suficiente para deixar os investidores em choque.
Raphael Bostic, diretor do Fed de Atlanta, aumentou o coro, na semana passada, ao dizer, em uma entrevista ao Financial Times, que os dados econômicos podem forçar as autoridades monetárias a serem mais agressivas, colocando na mesa essa alta de meio ponto percentual.
“Todas as opções são postas sobre a mesa em cada reunião. Se os dados disserem que as coisas evoluíram de forma que um movimento de 50 pontos-base é necessário ou apropriado, eu apoiaria essa medida”.
Bostic disse ainda que ser mais agressivo seria realizar mais elevações de um quarto de ponto percentual do que os três previstos em seu cenário-base.
Cinco altas em vez de três?
Em algum momento, os investidores começarão a pensar que há algo por trás dessa tentativa de telegrafar a possibilidade de uma ação mais agressiva. Os dados do mercado agora indicam que pode haver cinco elevações neste ano nos incrementos normais de 25 pontos-base. Um aumento de meio ponto percentual de partida mostraria que o Fed está falando sério e possivelmente evitaria uma ação mais incisiva depois.
O presidente do banco central americano, Jerome Powell, confirmou as medidas amplamente esperadas em seu pronunciamento posterior à reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês). As compras de ativos terminarão em março, uma alta de juros é iminente e o Fed começará a reduzir seu portfólio de títulos em algum momento depois disso, seguindo um conjunto bem definido de princípios.
Não faltam argumentos de que o Fed está atrás da curva. Mohamed El-Erian parece competir com o ex-secretário do Tesouro, Larry Summers, para ver quem é o maior crítico da política monetária do Fed.
Em uma coluna na Bloomberg, na semana passada, o ex-executivo-chefe da Pimco comentou sobre as manifestações de Jerome Powell de que um aumento de juros ocorreria em março, seguido de outras medidas para tornar a política monetária menos acomodatícia:
“O Fed ficou dentro das expectativas, mas não do que eu penso ser necessário para um bem-estar econômico sustentável. Ele deveria ter parado de comprar ativos imediatamente e dado um claro sinal de aumentos de juros. Em vez disso, o banco central intensificou sua ação de 2021, tentando agradar os mercados financeiros e gerando desafios para a economia, para a política monetária e para sua própria credibilidade”.
Na sexta-feira saiu o núcleo de despesas com consumo pessoal, indicador favorito do Fed para a inflação e que exclui os preços de alimentos e energia, com uma leitura de 4,9% no ano até dezembro, nível mais alto desde 1983.
Esse é um dos dados que alimentaram a especulação de que pode haver uma elevação de juros maior. Dados separados mostraram que os custos com mão de obra em dezembro aumentaram 4% nos últimos 12 meses, maior aumento nos 20 anos desse indicador. Economistas acreditam que os custos salariais maiores podem aumentar os preços e criar uma espiral de alta nas expectativas inflacionárias.
Enquanto o Fed se defronta com esse problema, o Comitê Bancário do Senado ouvirá, na próxima semana, o depoimento de indicados ao conselho de governadores do Federal Reserve. O colunista conservador George Will criticou dois dos indicados em um artigo no Washington Post com o título “Biden propõe sobrecarregar ainda mais o Federal Reserve com dois ativistas políticos”.
Will critica a professora da Universidade Estadual de Michigan, Lisa Cook, por se concentrar em questões fora do escopo do Fed. Seus “trabalhos acadêmicos revisados por pares sobre política monetária são, para ser educado, superficiais”, afirmou. Quanto ao fato de a Casa Branca afirmar que ela é do conselho do Fed de Chicago, Will ressalta que sua indicação ao órgão ocorreu apenas duas semanas antes da sua nomeação como governadora.
A rusga de Will com Sarah Bloom Raskin, nomeada a vice-presidente de regulação do Fed, deve-se ao fato de que ela é uma explícita ativista do combate à mudança climática, negando capital para empresas de combustíveis fósseis. “O Senado deveria pedir que ambas expressassem suas abundantes paixões políticas através de instituições mais adequadas”, afirmou Will.
O colunista critica o Fed por ampliar o escopo da sua missão, na tentativa de distrair o público por ter falhado em sua função principal.
O Fed, em suma, está sendo tragado para dentro do vórtice da polarização no qual Washington está imerso. Longe de ser um guardião independente de uma economia estável, o banco central dos EUA está se tornando cada vez mais politizado. Tudo leva a crer que a letargia de Powell diante da inflação, enquanto aguardava sua renomeação como presidente, é apenas o começo.