Alguém finalmente usou a palavra "absurdo" para se referir à política de aumentos graduais de juros do Federal Reserve para combater a inflação, na medida em que o índice de preços ao consumidor (IPC) está prestes a cruzar a marca de 8% ano a ano.
Pode-se dizer o que quiser a respeito de Larry Summers, ex-secretário do Tesouro americano e atual diretor do Conselho Econômico Nacional que passa a maior parte do tempo em Harvard quando não está no cargo – menos que ele não seja um economista inteligente.
Depois de taxar de “altamente implausível” a projeção das autoridades monetárias de que o desemprego ficaria em 3,5% por três anos, algo não visto em cerca de 60 anos, ele disse o seguinte a respeito do aparente plano do Fed:
“Mas esse não é o absurdo central na previsão do Fed. O maior problema é a ideia de que um mercado de trabalho superapertado de alguma forma coincidiria com uma inflação em rápida desaceleração”.
Trata-se de algo difícil de acontecer até mesmo na tradição keynesiana seguida pelos economistas do Fed, ao tomar como base o mercado de trabalho para prever a inflação. Mas, em uma perspectiva monetarista, como escreve Summers no Washington Post, é preciso elevar os juros para reduzir a inflação.
Sem embargo, o plano do Fed de elevar os juros, de forma suave e gradual, em 25 pontos-base nas próximas reuniões do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês) resulta, na verdade, em um declínio dos juros reais, que corresponde à taxa nominal menos a inflação. Como escreve Summers:
“Os planos do Fomc sequer preveem o enfrentamento do crescente hiato inflacionário. É difícil conceber como os juros que, mesmo daqui a três anos, estarão cerca de dois pontos percentuais abaixo das atuais taxas de inflação, possam ser razoavelmente considerados como uma restrição suficiente”.
Antes mesmo da reunião do Fomc da semana passada, Summers já alertava que o Fed estava no caminho errado com seu plano de elevar os juros em apenas um quarto de ponto percentual.
“Acredito que o Fed não internalizou a magnitude dos seus erros no ano passado e está operando com um quadro inapropriado e perigoso e precisa tomar uma ação muito mais forte para respaldar a estabilidade de preços do que parece provável.”
As consequências, em sua visão, são anos de estagflação, com 5% de inflação e 5% de desemprego, terminando eventualmente em uma recessão. As taxas reais precisam chegar a 2 ou 3%, o que exigiria adotar taxas nominais de 5% ou mais, mesmo no melhor cenário, de acordo com Summers.
O chefe do Fed de St. Louis, James Bullard, discordou da votação do Fomc por um aumento de 0,25 ponto percentual na semana passada, defendendo que teria sido melhor fazer uma elevação de meio ponto percentual, em vista da alta taxa de inflação. Mesmo considerando o índice referencial conservador do Fed, o núcleo do índice de gastos com consumo pessoal, que exclui os custos com alimentos e energia, a inflação anual é de 5,2%, 320 pontos-base acima da meta de 2%.
Bullard defende uma taxa básica acima de 3% até o fim do ano para os fundos de overnight do Fed, em vez da taxa de 1,875% projetada pelo comitê em seu conjunto.
“A política monetária dos EUA tem sofrido, inadvertidamente, um afrouxamento ainda maior, porque a inflação aumentou bastante, ao passo que a taxa básica permaneceu muito baixa, puxando ainda mais para baixo os juros reais de curto prazo. O comitê terá que agir rapidamente para corrigir essa situação ou colocará em risco a credibilidade da meta da inflação”, disse Bullard em um comunicado explicando sua discordância.
Ele provavelmente deveria ter usado o tempo pretérito – o Fed já perdeu muita credibilidade.
Bullard acredita que a economia dos EUA seja forte o bastante para resistir a esse tipo de elevação de juros. No entanto, Bill Gross, ex-gestor de patrimônio da Pimco que fez fortuna para si e para muitos outros investidores operando juros no seu grande fundo de títulos, tem uma visão diferente. Em uma entrevista ao Financial Times, Gross explicou:
“Eu suspeito que não seja possível ultrapassar 2,5 a 3% sem gerar um estrago na economia novamente. Simplesmente nos acostumamos com juros cada vez menores e qualquer coisa muito mais alta prejudicaria o mercado imobiliário".
Até mesmo membros cautelosos do Fomc já estão projetando juros de overnight de 2,8% até o final de 2023, de forma que a previsão de Gross não lhes deixa muita margem de manobra.
Legado de Powell em risco?
O Senado dos EUA mostrou a que veio na semana passada, ao acabar com a nomeação de Sarah Bloom Raskin à vice-presidência de supervisão do Fed. O democrata da Virgínia Ocidental, Joe Manchin, opôs-se à sua confirmação devido à sua veemente defesa de que os bancos americanos deveriam retirar seu apoio a empresas de combustíveis fósseis. Como todos os republicanos também se opuseram, a única deserção democrata foi suficiente para desequilibrar a balança de 50-50 no Senado.
Muito embora Raskin – que já havia obtido duas vezes a aprovação do Senado para cargos no Fed e no Tesouro – tenha dito, em sua mais recente audiência de confirmação, que não implementaria essa visão em seu novo cargo, isso não foi suficiente para convencer a oposição.
Ironicamente, ao retirá-la de consideração, o Comitê Bancário do Senado liberou sua pauta para votar outras quatro indicações pendentes do Fed, inclusive a do presidente Jerome Powell para um segundo mandato.
É pouco provável que o Senado recuse a recondução de Powell, mas seu legado está em risco. Se Summers, Bullard e outros economistas congêneres estiverem certos, a história não seria nada afável com Powell.