Publicado originalmente em inglês em 03/05/2021
Até mesmo o impassível Warren Buffett está ficando preocupado com a inflação.
“Estamos vendo uma inflação considerável”, afirmou Buffett em uma assembleia virtual de acionistas da Berkshire Hathaway (NYSE:BRKa) (SA:BERK34), no sábado.
“Estamos aumentando os preços. As pessoas estão aumentando os preços sobre nós, está sendo aceito”.
Buffett não é o único a demonstrar essa preocupação. De acordo com o Bank of America, executivos corporativos mencionaram a inflação em suas teleconferências no primeiro trimestre três vezes mais do que no ano passado.
Nada disso parece abalar o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, que repetiu novamente, na semana passada, que os formuladores da política monetária esperam um aumento “transitório” da inflação. Sua explicação do posicionamento do Fed sobre a alta dos preços soa menos como um mantra do que como um recorde quebrado.
Expectativas inflacionárias permanecem “ancoradas" em 2%
Powell declarou que o aumento transitório da inflação será decorrente, em sua maior parte, do efeito-base – as comparações anuais irão parecer mais altas, pois a pandemia fez os indicadores caírem – e de gargalos nas cadeias de fornecimento, que Powell evidentemente espera serem resolvidos rapidamente, apesar de ele não estar à frente de nenhuma empresa.
E mesmo que a inflação de alguma forma exceda as expectativas otimistas do Fed, não se preocupe, o Fed sabe o que fazer com a inflação.
“Se, ao contrário das expectativas, a inflação ficar persistentemente acima de 2%, de modo a ameaçar fazer as expectativas de inflação de longo prazo ficarem muito acima de 2%, usaríamos nossos instrumentos para fazer a inflação e as expectativas caírem para os níveis consistentes com nosso mandato”, afirmou Powell na coletiva de imprensa da quarta-feira, após a reunião de dois dias do Comitê Federal de Mercado Aberto.
Um jornalista perguntou ao presidente do Fed como ele tinha certeza de que o Fed conseguiria impedir uma disparada da inflação, em razão do atraso dos efeitos da política monetária. Powell se desvencilhou da questão afirmando, mais uma vez, que o Fed sabe o que está fazendo e repetiu a visão de que as expectativas de inflação estão “ancoradas” em 2%, de forma que os investidores não entrarão em pânico devido a “aumentos de preço não recorrentes”.
Os indicadores de mercado, entretanto, já sinalizam a inflação em 2,4 a 2,5% ao longo dos próximos cinco a dez anos. Os analistas calculam que, até mesmo a medida de inflação preferida do Fed, o índice de gastos com consumo pessoal, que geralmente fica um pouco mais baixo do que o índice de preços ao consumidor, ficará acima de 2,5% em abril e maio após retirar a volatilidade dos preços dos alimentos e energia.
A questão é se os investidores irão recolher a âncora e começar a considerar taxas mais rápidas de longo prazo para os aumentos de preço.
A escassez de aço, cobre e outras matérias-primas nas cadeias de suprimentos, sem falar na escassez global de circuitos integrados de silicone, que está dificultando a produção de automóveis e outras indústrias, pode ser mais do que transitória. Além disso, a falta de profissionais capacitados também não é suscetível a ajustes rápidos.
Foi possível ver um sinal de preocupação no semblante conjunto das autoridades do Fed diante dessa questão na sexta-feira, quando Robert Kaplan, presidente do Fed de Dallas, conhecido por seu rigor com a política monetária, colocou em questão o compromisso do banco central de manter suas aquisições de títulos a US$ 120 bilhões no futuro próximo.
“Na primeira oportunidade, acredito que seria apropriado começarmos a falar sobre o ajuste das aquisições", declarou Kaplan durante um debate com uma câmara local de comércio do Texas.
O fato de Kaplan levantar essa questão parece desafiar a insistência de Powell de que não pretende falar em aperto tão cedo.
Não houve dissidentes na declaração de consenso do Fed após a reunião da semana passada, embora Kaplan, que é membro votante no Fomc neste ano, não estivesse entre aqueles que aprovaram o compromisso de manter a acomodação monetária até que houvesse “um progresso mais substancial” em direção ao pleno emprego e à estabilidade de preços, que agora significa uma média de 2% durante determinado período.
Mohamed El-Erian, ex-CEO da Pimco e atual consultor da Allianz (DE:ALVG), alertou, na semana passada, que o Fed está correndo um grande risco de ficar para trás e causar sérios transtornos se a inflação forçá-lo a brincar de "pega-pega". El-Erian disse à CNBC:
“Estou realmente preocupado com o fato de a inflação, que eles chamam de transitória, acabar se tornando persistente.”
“Se acabarmos na situação de uma inflação persistente, terão que pisar forte no freio, e a reação do mercado será muito pior do que se eles reduzissem um pouco a flexibilização neste momento”.
Portanto, talvez este veterano analista de mercado possa se juntar a Kaplan e Buffett para um café e lamentar a insistente recusa do Fed em adotar uma ação tempestiva.