Foi preciso o Federal Reserve mandar um recado para o mercado financeiro entender o impacto da pandemia de coronavírus não apenas na economia real, mas também nos ativos de risco. Citando especificamente o Brasil, o Fed afirmou, na ata da reunião de julho, que a depreciação do real em relação ao dólar é resultado do aumento de casos de covid-19 combinado com cortes na taxa básica de juros e turbulência política.
E essa combinação ganhou um fator adicional ontem, após o Senado derrubar o veto presidencial que impedia reajustes a servidores das áreas de saúde e segurança pública. O impedimento teria sido definido como uma contrapartida dada pelo governo Bolsonaro para aprovar o pacote de R$ 60 bilhões a estados e municípios, que precisaram de socorro financeiro para conter a disseminação do coronavírus pelo país.
Com o revés dos senadores, o impacto nos cofres públicos será de R$ 130 bilhões. Por isso, o ministro Paulo Guedes (Economia) criticou a decisão, classificando-a como “um crime contra o país” - e não a inação da União no combate à pandemia. Mas o resultado ainda pode ser revertido na Câmara, que analisa hoje à tarde o veto. De qualquer forma, o Congresso já sinaliza que não será fácil aprovar a reforma administrativa...
Toda essa turbulência política tende a manter o mercado doméstico na defensiva, com os investidores dando continuidade ao ajuste no preço dos ativos locais e nas posições aplicadas (aposta na queda) em títulos pré [DIs] e compradas (aposta na alta) em Bolsa, com hedge [proteção] no câmbio. Tudo isso deixa os negócios por aqui sujeitos à volatilidade adicional.
Por mais que ainda não haja motivo para pânico, com os investidores dando o benefício da dúvida à equipe econômica, são crescentes os sinais de que a calmaria não irá durar muito tempo mais. E ainda que a pauta da austeridade fiscal avance juntamente com a agenda liberal-reformista, a tendência mudou e essa instabilidade permanecerá como um risco ao mercado local - ou, ao menos, como um impeditivo para uma grande melhora.
Aviso veio de fora
Até porque o próprio Fed avisou que o mercado financeiro está sendo complacente demais ao mensurar os danos causados pela pandemia na atividade. Um dia após o S&P 500 encerrar o período mais curto de um mercado de baixa (bear market) da história, cravando um novo recorde de alta, a autoridade monetária chamou a atenção para os “riscos consideráveis” às perspectivas econômicas dos Estados Unidos no médio prazo.
O Banco Central dos EUA deixou claro que a crise sanitária ainda está permeada de grande incerteza, uma vez que o coronavírus continua se espalhando pelo mundo, prolongando os impactos nas empresas e no (des)emprego e, portanto, retardando a recuperação - que já dá sinais de que não será sob a forma de “V”. E, apesar de a economia norte-americana estar mancando, prossegue o impasse no Congresso sobre um novo pacote trilionário.
E se o braço político não agir, o Fed tampouco mostrou-se disposto em lançar novas ações. Apesar de levantar a necessidade de estímulo monetários adicionais, a autoridade monetária descartou adotar medidas não convencionais, ao menos no curto prazo, delineando maior propensão em aguardar mais indicadores econômicos para ajudar a desenhar o cenário em relação à pandemia e à atividade econômica nos EUA e global.
Em reação a tudo isso, os índices futuros das bolsas de Nova York amanheceram no vermelho. Ainda assim, as perdas são moderadas. Na Europa, as principais bolsas abriram em queda, reagindo à postura cautelosa e à perspectiva desanimadora do Fed. A sessão na Ásia também foi de reação ao Fed, sendo que a disputa entre EUA e China também pesou. Nos demais mercados, o petróleo cai, enquanto o dólar avança.
Ata do BCE em destaque
Mais uma ata de reunião de política monetária, desta vez, do Banco Central Europeu (BCE) será conhecida hoje (8h30) - confira aqui. Já nos EUA, saem os pedidos semanais de auxílio-desemprego e dados sobre a atividade na região da Filadélfia, ambos às 9h30, além dos indicadores antecedentes de julho (11h). Por aqui, tem a prévia deste mês da confiança da indústria (8h).