FED e os emergentes

Publicado 09.02.2014, 08:35
Atualizado 09.07.2023, 07:32

Ben Bernanke terminou seu ciclo à frente do Fed agora em janeiro. Foram oito anos como chairman de uma das mais longevas autoridades monetárias do mundo (completando 100 anos em 2014). Seu mandato foi cercado de desafios, mas acabou considerado dos melhores, por ter enfrentado a mais pesada crise financeira dos EUA desde 1929. Conseguiu sair dela e estimulou a economia norte-americana, fechando 2013 com crescimento de 1,9% e 3,2% anualizados no quarto trimestre, mesmo patamar vislumbrado para 2014. Assume agora Janet Yellen, contemporânea de Bernanke, com o compromisso de manter este legado e consolidar o consistente ritmo de crescimento atual da economia norte-americana.

Esta política de estímulos, criada por Bernanke e considerada “não convencional”, foi bem sucedida para os EUA, mas gerou corolários no resto do mundo. Citada pelo governo brasileiro como um “tsunami monetário”, em quatro anos colocou mais de US$ 4 trilhões nos mercados. Agora em janeiro, começou a ser revertida, reduzindo a liquidez global e gerando fortes turbulências dentre os emergentes.

Façamos então uma análise sobre o momento atual, observando os efeitos da política do Fed sobre os mercados mais expostos.

Efeitos nos emergentes.
Com este “aspirador de recursos ligado”, termo usado por Alexandre Tombini, a readequação da liquidez global acabou inevitável, afetando a todos, com especial destaque para os emergentes. Nestes, destaquemos alguns que não fizeram bem seus “deveres de casa” nos últimos anos. Segundo o Morgan Stanley, em nova denominação, estes seriam os “cinco frágeis”, Turquia, Indonésia, Brasil, África do Sul e Índia. Poderíamos também incluir a Argentina, em profunda crise cambial. Foram estes, aliás, que sofreram as maiores depreciações das suas moedas desde a sinalização de Bernanke em maio de 2013 sobre o início do processo de desmonte de estímulos. O peso argentina perdeu 35,2%, a lira turca 20,8%, a rúpia da Indonésia e o rand sul-africano 20,0% e o real 17,5%.

Na visão do Morgan, “Brasil e Turquia estariam entre os mais expostos, diante dos desequilíbrios externos, pressão inflacionária e fraco crescimento”. Concordamos, em parte, com este argumento. Realmente, o Brasil e a Turquia possuem semelhanças na fragilidade dos fundamentos (desequilíbrios fiscais e externos, inflação pressionada, etc), mas nós possuímos um quadro político e institucional muito mais estável e maduro do que a Turquia, envolvida numa crise política permanente, além de confortáveis reservas cambiais (US$ 375 bilhões, verdadeira blindagem contra choques externos adversos).

Resposta dos emergentes. Respondendo à decisão do Fed, os bancos centrais de alguns deste emergentes elevaram suas taxas de juros de curto prazo. Na Índia a taxa foi a 8%, na Turquia a 12% (maior elevação, de 4,25 ponto percentual) e na África do Sul a 5,5%. Novos ajustes devem ocorrer nos próximos dias. A questão, no entanto, é saber se estes são suficientes. O fato é que nestes países observamos algumas situações particulares. Na análise comparativa existem diferenciações e semelhanças nos planos político e econômico com a maioria dos fundamentos econômicos em desalinho, alguns piores, outros melhores. Blanchard, economista-chefe do FMI, inclusive, acha que estas economias são as que possuem os “arranjos macroeconômicos mais fracos e seriam as mais afetadas.”

Efeitos no Brasil.
Saímos na frente na política de aperto monetário, mas continuamos no aguardo de um ajuste fiscal mais crível. O governo deixou “ventilar” um ajuste em torno de R$ 30 bilhões visando estabilizar a dívida pública, mas muitos acham que este deveria ser maior, entre R$ 40 bilhões e R$ 80 bilhões, dependendo do analista. O problema é saber se existe espaço de manobra para cortes de despesa, visto que boa parte destas são vinculadas ou “engessadas”, centradas em pessoal e custeio. Somado a isto, os investimentos seguem em patamar muito baixo, insuficientes para ajudar no crescimento da economia.

Sobre isto, em 2013 o resultado primário acabou melhor do que o esperado, com R$ 91,30 bilhões, 1,9% do PIB, grande parte obtido pelos ganhos de receita extra no final do ano (concessão de Libra e parcelamento de Refis somando R$ 43,8 bilhões). Pelo lado da União, o resultado foi a R$ 77 bilhões, 1,6% do PIB, 12,7% abaixo do registrado em 2012. As despesas fecharam em 19% do PIB, crescendo 13,6% contra 2012, e as receitas 12,5%.

Pelo lado das despesas, às de custeio avançaram 20%, de pessoal e encargos 8,9% e de investimentos 6,4%, bem abaixo da média dos gastos do governo.

Comentários Finais.
Não é possível um prognóstico de como irá se desenrolar esta crise de menor liquidez global sobre os emergentes. Acreditamos que os mercados devem se manter voláteis até o fim das retiradas dos estímulos, mas receamos por uma nova rodada da crise diante das especulações sobre a possibilidade do Fed elevar a taxa de juros. Isto já pode ser “sentido” pelos rendimentos ofertados nos T Bonds de 10 anos, há um ano em 2% e agora em 2,7% anuais. Por enquanto, o Fed sinalizou que manterá o juro entre 0 e 0,25% por “um período prolongado”, enquanto a inflação se mantiver baixa e o desemprego acima de 6,5%.

Sobre o Brasil, diante da volatilidade atual, seria de bom grado um choque favorável de expectativas, só possível com a adoção de medidas concretas de ajuste do setor público, visando ganhos de credibilidade e a atração de novos projetos de investimento. Neste sentido, se faria urgente uma maior coordenação entre as políticas fiscal e monetária, sem esquecer outras como a cambial. Não dá mais para deixar a monetária solitária, ajustando os erros da fiscal. A crise está aí e já bateu nossa porta.

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