Kathy Lien, diretora executiva de estratégia de câmbio da BK Asset Management
Os dados mais importantes dos EUA nesta semana foram as vendas no varejo e, embora o gasto dos consumidores tenha sido o dobro da expectativa, os investidores não deram muita importância para essa notícia. Para os nossos leitores, isso não é uma surpresa, pois, como já dissemos anteriormente, nada é mais importante do que as tensões comerciais, os riscos de recessão e a incerteza mundial. Mesmo com a disparada da despesa com consumo, o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) ainda precisará reduzir as taxas de juros em resposta à deterioração das relações comerciais entre EUA e China, à forte queda das ações e à mudança de sentimento. As duas maiores economias do mundo deixaram claro ontem que os atrasos nas tarifas não significam uma melhora nas relações comerciais. O Secretário de Comércio dos EUA, Wilbur Ross, declarou que não haveria troca de favores com a China, pois os atrasos visam ajudar apenas os consumidores norte-americanos. A China, por sua vez, acusou o presidente dos EUA, Donald Trump, de violar o acordo de Osaka e ameaçou retaliar se as tarifas de 10% entrarem em vigor. A linguagem usada por ambas as partes ressalta sua posição de defesa e antagonismo. Se a situação continuar assim, os investidores seguirão nervosos, dificultando a possibilidade de um rali nas moedas e ações.
Dito isso, os relatórios econômicos de ontem nos EUA foram muito melhores do que se esperava. As vendas no varejo subiram 0,7%, superando bastante a previsão de 0,3%. Excluindo as compras automotivas e de combustível, a despesa teve sua maior elevação desde janeiro. As pesquisas do Empire State e do Fed da Filadélfia também superaram as expectativas, refletindo uma recuperação na atividade manufatureira. Alguns relatórios saíram mais fracos, como produção industrial e pedidos de seguro-desemprego, mas são menos relevantes do que a despesa com consumo. Na última reunião do Fed, os formuladores da política não viam uma necessidade premente para realizar uma flexibilização adicional, mas, desde então, a forte queda dos mercados acionários e a deterioração nas relações entre EUA e China fizeram com que os investidores precificassem mais outros dois cortes de juros neste ano, e agora o banco central norte-americano não tem outra escolha a não ser fazer isso. Assim como as vendas no varejo, os dados de construção de novas casas, permissões de construção e confiança dos consumidores da Universidade de Michigan devem ter impacto limitado nos mercados acionários e de câmbio.
O par USD/JPY era negociado no patamar de 106,38, na esteira das vendas no varejo nesta quinta-feira, mas encerrou a 106. O único par de moedas que realmente foi afetado pelos dados foi o EUR/USD, que rompeu sua consolidação na quarta-feira e ampliou a queda para 1.11. Além das relações comerciais, o USD/JPY continua pressionado pelos juros nos EUA. O rendimento dos títulos de 10 anos do Tesouro americano caiu abaixo de 1,5% pela primeira vez desde 2016 no período intradiário, antes de fechar levemente acima dessa marca. A curva de juros, que se inverteu anteontem, normalizou-se, mas não se surpreenda se houver uma nova inversão nas curvas dos títulos de 2 e 10 anos. Os juros estão tão próximos que pequenas mudanças podem fazer uma grande diferença no formato da curva.
Os EUA não foram o único país a divulgar dados melhores. Na Austrália, os dados de emprego superaram o consenso em larga margem, já que houve um aumento de 41K contra 14K. Como afirmou Boris Schlossberg: "O mais importante é que, desse volume de empregos, 35k foram de vagas em tempo integral, indicando que o crescimento continua robusto, apesar dos ventos contrários provenientes das tensões entre EUA e China. No entanto, o fato é que a taxa de desempenho subiu, o que seguramente abre espaço para que o banco central australiano aumente a flexibilização, ainda que a um ritmo de 25 pontos-base.” "Em vista do robusto panorama fundamentalista, o dólar australiano pode estar em vias de uma correção se as tensões de risco arrefecerem.”
No Reino Unido, os dados de vendas no varejo também superaram as previsões, saindo a 3,3% contra 2,6%, com destaque para as vendas on-line. Com um cenário de emprego estável, salários em ascensão e robustos gastos dos consumidores, os dados britânicos estão se mostrando muito melhores do que se poderia imaginar, em vista da ameaça de um Brexit sem acordo e, se houver a possibilidade de algum acordo, a libra esterlina pode rapidamente subir para 1,2500 pelo menos. Mas, como os líderes britânicos tencionam romper os laços com a União Europeia, as ameaças políticas pesam mais do que os dados econômicos no momento.