Coitado do pobre Reino Unido, você poderia pensar. Tudo é nebuloso sobre a nação: seu futuro após o Brexit, a perspectiva de Londres como centro financeiro e seu estado de bem-estar social sob um primeiro-ministro errático e de cabelos rebeldes. Quem se atreveria a comprar um título de 30 anos de um país com um futuro tão incerto?
Muitas pessoas, ao que parece. O rendimento do título superlongo do governo britânico caiu abaixo dos papéis do governo japonês com vencimento similar, sendo que o gap aumentou em mais de 25 pontos-base, já que os rendimentos dos gilts de 30 anos, como são chamados os títulos do Reino Unido, caíram para cerca de 0,6%, em comparação com quase 3% há um ano.
Não é por acaso que analistas dizem que o Banco da Inglaterra está cogitando adotar taxas de juros negativas, o que deve dar suporte aos preços dos títulos, haja vista que a cotação se move no sentido inverso dos rendimentos. Mas o Banco do Japão adota uma taxa básica de juros de curto prazo de -0,1% desde 2016.
E, sim, o Banco da Inglaterra prometeu, durante a pandemia de Covid-19, comprar mais £ 300 milhões em títulos do governo depois de adicionar £ 100 milhões há duas semanas e meia (embora tivesse dito que diminuiria o ritmo de compras). Mas o Banco do Japão vem comprando papéis do governo há anos e agora detém cerca da metade dos títulos de dívida soberana em circulação.
Oferta crescente de títulos; segurança é mais importante que rentabilidade
Tudo isso acontece à medida que a oferta de gilts dispara, uma vez que o governo do Reino Unido, assim como os governos de todas as partes do mundo, estão incorrendo em enormes déficits para combater a crise do coronavírus. Não obstante, os investidores estão comprando os papéis, impulsionando os preços para cima e os rendimentos para baixo de dívidas soberanas de todo tipo, desde letras de 2 anos até títulos de 30 anos.
Esse movimento recente pegou muitos operadores de surpresa, na medida em que os investidores começaram a priorizar a segurança em vez da rentabilidade, diante da perspectiva de novas medidas de isolamento social. Os rendimentos dos gilts de 2 e 5 anos acabaram caindo abaixo de papéis considerados como portos seguros, como os bunds da Alemanha e os treasuries dos EUA, obrigando quem estava operando vendido nos títulos britânicos a cobrir suas posições.
Apesar de todo o alvoroço criado em torno do Brexit, o Reino Unido já era uma das principais economias do mundo antes de ingressar na União Europeia e com certeza continuará sendo por muito tempo após sua saída. A libra esterlina é uma das moedas mais antigas do planeta, o Banco da Inglaterra é um dos mais tradicionais e respeitados bancos centrais entre seus pares, sem falar que Londres é o centro financeiro do mundo há séculos. Em suma, o Reino Unido é um exemplo paradigmático de estabilidade.
Mas nem toda mudança no sentimento dos investidores é positiva. A adoção de juros negativos pelo Banco da Inglaterra seria um sinal de preocupação com a economia, em vez de um impulso para a disparada dos títulos.
Com o aumento da incerteza sobre a Covid-19, os títulos soberanos têm sido negociados ativamente. O giro financeiro médio diário dos papéis do governo do Reino Unido atingiu a máxima recorde de £ 47 bilhões no último trimestre, de acordo com a Associação de Mercados Financeiros da Europa. Na Europa como um todo, a negociação desses papéis cresceu 25% na média diária trimestre a trimestre.
As preocupações com a Covid-19 deprimiram as ações britânicas, já que as empresas estão cortando seus dividendos e a recuperação econômica é uma dúvida. Com isso, os gilts ficaram entre os ativos com melhor desempenho no primeiro semestre, gerando um retorno de cerca de 10%, de acordo com o Financial Times. Os gilts indexados à inflação tiveram uma performance ainda melhor, retornando 13,7%.
Os títulos do governo britânico receberam esse nome porque, há muito tempo atrás, tinham bordas literalmente revestidas em ouro. Agora, a despeito de todos os desafios que o Reino Unido tem pela frente, os gilts são uma espécie de raio de esperança para os investidores em tempos de pandemia.