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Expectativas de Retorno, Evolução Patrimonial e Modelos de Gestão de Carteiras

Publicado 07.08.2020, 08:08

Suponha que eu te ofereça um jogo de investimento que depende do lançamento de uma moeda. Se der cara, você ganha 50% do que investiu; se der coroa, você perde 40%. A figura abaixo ajuda a entender esse jogo com investimento de R$ 100,00:

Qual a decisão correta: aceitar ou não? A resposta é simples: não há decisão correta, pois ela dependerá do nível de aversão a risco do investidor. Apesar do jogo possuir uma expectativa positiva de ganho de 5% (50% x R$150,00 + 50% x R$60,00 = R$ 105,00), essa expectativa vem com boa dose de risco. A chance de perder 40% pode justificar a decisão por não jogar.

Mas e se você pudesse jogar repetidas (e muitas) vezes, sem limite: você jogaria? Pense a respeito. (Pausa para pensar.)

Ao contrário de antes, agora a resposta correta é SIM, independentemente do seu nível de aversão a risco. Isso porque agora, no limite, não há mais risco. Quanto mais vezes você jogar, mais significado (e relevância) tem o fato de a expectativa de ganho neste jogo ser positiva. Pela lei matemática dos grandes números, na medida em que jogamos mais e mais vezes o jogo acima, a expectativa de ganhar 5% fica cada vez mais segura (e, portanto, com menos risco). Por exemplo, se você pudesse jogar a moeda uma vez por minuto durante oito horas, dificilmente perderia dinheiro ao fim desse dia. Se pudesse fazer isso ao longo de uma semana inteira, a chance de ganhar dinheiro seria praticamente 100%. E se ainda pudesse viver disso, seria muito seguro afirmar que você faria, em média, R$ 5,00 a cada lançamento da moeda, perfazendo um “salário” anual muito próximo de R$ 604.800,00 (jogando a moeda uma vez por minuto, durante oito horas por dia e ao longo dos 252 dias úteis ao ano) – nada mal!

Agora imagine que você possa iniciar com R$ 100,00 e deixar o dinheiro rendendo pelo ano todo, de forma que sua riqueza fosse evoluindo a cada minuto e de acordo com o jogo acima (supondo que a moeda seja lançada uma vez por minuto e todo seu montante obtido até ali seja apostado). Teria alguma razão para você mudar sua decisão e não mais jogar esse jogo?

Pausa para pensar...

A resposta natural que muitos dariam aqui seria um “evidente SIM”, porque dado que o jogo anterior é bom, deixar o dinheiro todo investido desta forma soa algo ainda melhor. Mas, de maneira totalmente contraintuitiva, não é! Eu não aconselho ninguém a jogar este segundo jogo. O que direi agora é forte e, muito provavelmente, você não irá acreditar inicialmente: ao final de um único dia (ou seja, após lançar a moeda por 60 x 8 = 480 vezes), há mais de 95% de chances de você estar completamente falido, com menos de um mísero real. Se seguir “investindo” por um ano, você irá falir com 99,9% de certeza. Incrível, ou seja, não crível, inacreditável...

Mas o que mudou no jogo? Um único detalhe mudou: agora você não está sempre jogando com um investimento de R$ 100,00 mas apenas no início. Se a primeira moeda der cara, a segunda aposta será com R$ 150,00; se der coroa, a segunda aposta será com R$ 60,00. Acredite: isso faz toda a diferença!

No jogo anterior, como você sempre apostava a mesma quantia, a média aritmética era a média relevante, de modo que o cálculo anterior funcionava (50% x R$ 150,00 + 50% x R$ 60,00 = R$ 105,00 – R$ 100,00 = R$ 5,00 de lucro médio por rodada). Mas agora, dado que você aposta R$100,00 apenas no início, sua riqueza evolui geometricamente, justificando o uso da média geométrica! Em outras palavras, para o valor esperado ser corretamente calculado neste caso, ele deve se basear na média geométrica: 21,50 x 0,60 ≅0,95; o que induz um retorno esperado de -5% para cada lançamento da moeda, ou seja, negativo (perda de aproximadamente 5% por rodada em média). Com isso, ao final de um mísero dia, tendo lançado a moeda 60 x 8 = 480 vezes, sua expectativa seria de terminar o dia com menos que R$ 0,01. Veja como, de maneira sutil, o jogo virou!

Matematicamente, o efeito é simples de explicar. No jogo anterior, a cada novo lançamento da moeda, você poderia sempre ganhar R$ 50,00 ou perder R$ 40,00. Na média, isso resultaria em um ganho de R$10,00 a cada duas rodadas pois a cada R$ 50,00 que você ganha, poderia deixar de lado R$ 40,00 (provisão para próxima perda), ficando com R$ 10,00 de lucro – essa estratégia, ao longo de um tempo suficientemente longo, daria certo. Mas neste último jogo, em média, você ganhará e perderá (em qualquer ordem), mas perderá mais do que ganhará. Vejamos: iniciando com R$ 100,00, ao ganhar, você pula para R$ 150,00 e se agora perder, você reduz seu patrimônio investido para R$90,00 - portanto menos do que os R$ 100,00 iniciais. E isso independe da ordem, pois se começar perdendo, reduz para R$ 60,00 e, ao ganhar, pula para os mesmos R$90,00. Em outras palavras, você estará fadado a perder dinheiro neste jogo caso queira jogá-lo por diversas vezes. A lei dos grandes números é implacável! E a média geométrica, neste caso, também.

E por que o exemplo acima é importante para o mundo de investimentos? Porque as expectativas de retorno são fundamentais em, ao menos, duas situações: para estimar a evolução patrimonial do investidor e para usar como dados de entrada em muitos modelos de gestão de carteiras. Na maioria das vezes, a expectativa de retorno é calculada ou baseada na média aritmética histórica, o que pode ser tão inconsistente quanto seu uso no exemplo acima. Observe que ambas as médias, aritmética e geométrica, são matematicamente corretas e consistentes com suas formulações, mas a depender dos objetivos, apenas uma delas conduzirá ao valor esperado correto. Pense: se os dois jogos de investimento acima forem interpretados como uma metáfora da realidade, qual seria a melhor representação do mundo real? Creio que o segundo, onde a riqueza evolui ao longo do tempo sem mantermos “nossas apostas constantes”, concorda?

Utilizar a clássica média aritmética histórica para descrever o passado de acumulação do patrimônio ou mesmo para estimar evoluções patrimoniais futuras pode se mostrar extremamente inconsistente. Via de regra, a média geométrica histórica (passado) ou a expectativa geométrica (futura) de retorno é a medida correta, em que pese, infelizmente, eu já ter visto muitos investidores, consultores e grandes bancos fazendo contas com médias e expectativas aritméticas. A média aritmética sempre apresentará um retorno histórico e uma evolução patrimonial (artificialmente) super estimada, pois pode ser demonstrado matematicamente que ela jamais será menor ou sequer igual à média geométrica de retornos estocásticos. Seria esta a razão de tamanha simpatia pela média aritmética?

Adicionalmente, em modelos de gestão de carteiras, devemos ter muito cuidado quando precisamos definir a expectativa de retorno de uma ação ou de um ativo em geral. Fazendo um paralelo com o exemplo do segundo jogo de investimento acima, no qual a decisão pela média aritmética levaria o investidor à falência, utilizar a média aritmética de retornos passados como expectativa de retorno futuro pode levar o investidor a escolher ativos que tendem a reduzir sua riqueza ao invés de aumentar. Parece um paradoxo, mas não é, como acabei de mostrar.

Moral da história: devo utilizar a média aritmética ou a média geométrica? Depende do seu objetivo ao calcular a média, ou seja, depende do que você quer verdadeiramente estimar com aquela medida média. Pense e reflita para chegar à resposta correta. Para calcular a média de gols do Gabigol por jogo, a média aritmética se faz precisa (porque os gols são somados, jamais multiplicados). Entretanto, em muitas situações cotidianas do mundo de investimentos, a medida correta será a média geométrica (porque fatores de rentabilidade são multiplicados, não somados).

Neste texto, procurei chamar a sua atenção para um ponto importante, porém raramente discutido no mercado. Concorda? Comente abaixo!

Forte abraço a todos.

 

* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, professor do Coppead/UFRJ e especialista em investimentos, previdência e finanças pessoais, corporativas e públicas. Ele pode ser encontrado em seu site pessoal e nas redes sociais: @carlosheitorcampani. Esta coluna sai toda sexta-feira.

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