Como venho discutindo nos últimos textos, há grandes diferenças entre criptoativos e os demais ativos conhecidos no mercado financeiro. Pela falta de capacidade de achar drivers claros nos preços, não há analogias com o atual estado da precificação de ações; pela falta de pagamento fixo de cupom ou principal, não é renda fixa; também não é derivativo por não ser baseado em outro investimento qualquer. O que determina um criptoativo permanece relativamente em aberto, porém já foi mapeado na literatura científica algo relativamente óbvio: a tecnologia importa e ajuda a puxar o preço.
Quem desenvolve a tecnologia, no entanto? Há uma comunidade de desenvolvedores que colabora com códigos por diversos motivos, de ideologia a compensações financeiras. Essa comunidade se articula ao redor de líderes e core developers que estruturam os focos e discussões sobre as inovações que são desejadas na tecnologia. Por fim, mineradores e investidores decidem se as inovações trazem valor para eles e se confiam na implementação. Há uma estrutura política por trás das criptoativos, assim como em empresas normais, porém há certo grau de descentralização na gestão de inovação em ativos digitais que me parece superior ao de uma empresa convencional.
A descentralização organizacional reserva dúvidas acerca das possibilidades de lideranças realmente afetarem um criptoativo, porém percebe-se que ativos com um Vitalik Buterin (ou mesmo um Justin Sun) acabam tendo maior atenção. As teorias de administração referentes a organizações, conforme sistematizadas por Astley e Van de Ven em artigo de 1983, mostram prismas pelos quais podem se analisar as comunidades de criptoativos. Há quatro visões para estudar uma organização, a serem divididas em duas dimensões. A primeira é o nível que se avalia, que pode ser algo entre as pessoas que formam a organização e a organização em si como entidade de análise. A segunda é a perspectiva que se toma, que pode ser determinística, como processo histórico, ou voluntarista, como fruto de processos interativos entre grupos negociando.
A visão macro determinística é chamada de “visão da seleção natural”. Nela, o sucesso do criptoativo depende menos de questões de gestão da inovação por seu core e de interações com mineradores: a longo prazo haverá suficientes forks e ativos se mutacionando, nesse caso importando mais qual satisfará as necessidades do mercado. Há pesquisa nessa direção, mostrando que há razoável fit do mercado de criptoativos com modelos de seleção natural e sem vantagem intrínseca de alguma moeda. Nessa perspectiva, o que importa são menos as condições internas da organização ou como ela consegue existir sem forks e divisões, mas sim a dinâmica do mercado como um todo. As previsões sobre qual ativo “vencerá” ficam mais obscurecidas nesse contexto, favorecendo estratégias que buscam o mercado, como as estratégias de índice.
Entretanto, as outras perspectivas podem ser possíveis. A coesão do ativo e sua capacidade de mobilizar uma comunidade geram mais código e, consequentemente, maior capacidade de se adaptar ao ambiente e demandas de mercado e investidores. Apesar de, a longo prazo, as condições de comunidade serem parte do processo de mercado, pode haver espaço para retornos anormais se incorporados ao mindset do investidor as outras perspectivas. No próximo texto espero desenvolver como usá-las na análise dos ativos rumo a apostas menos reativas no mercado de criptoativos.