Duas legislações propostas nos EUA ameaçam acabar com a autonomia da Arábia Saudita e da Rússia sobre sua política petrolífera, justamente no momento em que a colaboração entre os dois países no âmbito da Opep+ está conseguindo fazer com que o petróleo volte ao mercado de alta.
A Lei contra Cartéis Produtores e Exportadores de Petróleo (NOPEC, na sigla em inglês), aprovada no dia 7 de fevereiro por um grupo de parlamentares dos EUA, e a Lei de Defesa da Segurança Norte-Americana Contra Agressões do Kremlin (DASKA, também na sigla em inglês), proposta originalmente no ano passado e revisada na semana passada pelo Congresso, terão diferentes consequências para o mercado se entrarem em vigor.
A NOPEC pode fazer com que os preços do petróleo caiam, ao dificultar os cortes de produção coordenados pela Arábia Saudita. A DASKA, por outro lado, pode provocar um rali no petróleo, ao conceder sanções para projetos de energia da Rússia.
Ambas as leis são bipartidárias, ou seja, contam com o apoio tanto de parlamentares republicanos quanto democratas, e ambas precisam da iniciativa da Casa Branca para surtirem efeito.
Mas, embora seus resultados possam ser diferentes, as duas leis têm o mesmo objetivo: preservar os interesses e a política energética dos EUA contra qualquer outro país.
NOPEC atinge em cheio a Opep
Das duas, a NOPEC em particular pode inibir as ações da Opep, ao prejudicar as políticas de produção que formam o cerne das seis décadas de controle do cartel sobre o mercado petrolífero.
O momento da NOPEC não poderia ser pior, já que ocorre justamente quando a colaboração entre russos e sauditas estava começando a gerar frutos, apesar das suas disparidades. Desde a mínima da véspera de Natal abaixo de US$ 43 por barril, o petróleo norte-americano West Texas Intermediate disparou 25% neste ano, para mais de US$ 56 nesta semana. O britânico Brent saiu de menos de US$ 51 para mais de US$ 66 no mesmo período.
Julian Lee, estrategista de petróleo radicado em Londres, escreveu uma coluna para a Bloomberg First Word neste fim de semana, afirmando que o chamado pacto de corte de produção da Opep+ estava “se apoiando em apenas uma perna", a dos sauditas, e "começando a dar sinais de fraqueza" sem o adequado apoio russo.
Lee citou os dados de janeiro, que mostraram que a produção saudita ficou em 10,213 milhões de barris por dia (bpd) contra a promessa de 10,3 milhões de bpd, enquanto os cortes de produção russos foram de 42.000 de bpd, contra uma promessa de redução de 50.000 a 60.000 de bpd.
Acordo da Opep+ ainda é frágil
Segundo Lee:
“Está claro que, enquanto uma perna está funcionando com vigor, a outra está suportando apenas um pouco do peso do acordo, e isso pode gerar problemas no futuro.”
“A menos que alguém lance um foguete por baixo do crescimento da demanda – e até mesmo um acordo comercial entre EUA e China pode não ser suficiente para isso –, o acerto de cortes da Opep+ precisará de pelo menos duas pernas fortes para ficar de pé."
Em sua newsletter semanal, a consultoria Energy Intelligence, de Nova York, observou que, apesar do nome, a NOPEC vai além da Opep, ao permitir que o Departamento de Justiça dos EUA alcance qualquer estado por atuar “em conjunto com um ou mais estados estrangeiros", no intuito de "limitar a produção ou a distribuição de petróleo, gás natural ou produtos derivados", "estabelecendo ou mantendo determinado preço" para essas commodities ou tomando “qualquer ação que restrinja o [seu] comércio".
A consultoria disse ainda:
“Ao ameaçar a principal alavanca com a qual os estados produtores extraem valor do seu recurso mais vital – e teoricamente ditando as políticas de produção –, a lei mina a concepção de soberania nacional dos produtores. No pior cenário, se implementada agressivamente, a lei poderia provocar um choque sísmico na economia global."
Implicações da NOPEC poderiam desencadear um novo crash no petróleo
Isso porque uma falta de restrição na produção energética poderia desencadear outro colapso nos preços do petróleo, como ocorreu no quarto trimestre de 2018 e durante boa parte de 2014-2017. A lei NOPEC poderia desincentivar os membros da Opep a ocultar do mercado sua capacidade ociosa, pois uma mera suspeita de conluio para influenciar os preços poderia torná-los alvo de alegações de violação.
A Casa Branca até agora tem dito que está apenas estudando se apoiará a NOPEC. O presidente Donald Trump parece ser capaz de controlar a Opep apenas com seus tuítes, embora não se saiba o que uma lei tão poderosa poderia ajudá-lo a conseguir.
Os aliados de Washington no Golfo do Oriente Médio que integram a Opep esperavam que a Casa Branca liderada por Trump restabelecesse suas relações após as tensões inicias com o governo Obama. Mas a frustração dos atores políticos com a Arábia Saudita em relação à guerra no Iêmen, bem como o aparente envolvimento de Riad no assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, que residia nos EUA, acabou criando um ambiente que parece favorecer a aprovação da NOPEC.
Legislações propostas também podem impactar os EUA
Mas a NOPEC também poder custar caro para o comércio entre EUA e Arábia Saudita, ameaçando as próprias ambições de superpotência energética dos norte-americanos, ao afetar os investimentos de Riad no país, sem mencionar as importantíssimos braços de vendas dos EUA no reino.
Da mesma forma, no caso da DASKA, os alvos podem ir muito além da Rússia se a lei for aprovada. Entre eles estão a BP (LON:BP), que já investiu mais de US$ 17 bolhões na Rússia e possui cerca de 20% de participação na Rosneft (OTC:OJSCY). Além disso, a BP recentemente concordou em explorar mais duas áreas licenciadas de petróleo e gás na Rússia em conjunto com a Rosneft. A Shell (LON:RDSa) e a Repsol (MC:REP), enquanto isso, também estão buscando novos projetos com a Gazprom Neft (LON:SIBNq), inclusive na Sibéria Ocidental e na costa russa no Pacífico.
A possível lei DASKA e suas respectivas sanções também fizeram com que a Exxon (NYSE:XOM) e a Chevron (NYSE:CVX) não realizassem qualquer novo empreendimento na Rússia.
Moscou, por sua parte, conseguiu evitar que a Schlumberger (NYSE:SLB), uma gigante norte-americana de serviços petrolíferos, adquirisse uma participação na Eurasia Drilling Co., da Rússia, mostrando que os dois países podem disputar o jogo.