"Everyone goes through changes
Looking to find the truth
Don't look to me for answers
Don't ask me, I don't know
How am I supposed to know
Hidden meanings that will never show
Fools and prophets from the past
Life's a stage and we're all in the cast
Ya gotta believe in someone asking me who is right
Asking me who to follow, don't ask me, I don't know
I don't know, I don't know, I don't know”
Ozzy Osbourne — I don’t know
Será que já não tínhamos cisnes suficientes para chamar de nossos? O coronavírus, o choque do petróleo… agora a saída do ministro mais popular do governo? E da forma que foi? Às crises de saúde, econômica e cambial, soma-se uma nova, de algumas consequências até agora desconhecidas.
Sim, desconhecidas. Ah, quanta sapiência nas redes sociais. Em um final de semana, descobrimos especialistas em tudo. O sujeito sabe em detalhes a respeito do novo coronavírus, a forma perfeita de enfrentá-lo, quais os desdobramentos do retorno do lockdown, a maneira com que o Banco Central deveria conduzir suas intervenções no câmbio (e a política monetária em geral), como o setor de petróleo, que volta a sofrer hoje, vai sair da enrascada atual, qual o nível ótimo de estímulo fiscal a ser adotado e, claro, todos os meandros da esfera política.
Aqui, não. Sigo sob o mesmo não saber de sempre. Sou mensageiro de más notícias: precisaremos aprender a conviver com a incerteza. Não podemos antecipar os movimentos seguintes, nem mesmo os iminentes.
Seria mais reconfortante, claro, se eu viesse aqui dizer que sei exatamente o que vai acontecer. Mas seria ainda mais desonesto do que reconfortante. E isso eu não topo. Uns enganam aos outros. Outros enganam a si. E há quem faça as duas coisas. Unskilled and unaware of it.
Há algo curioso nessa história: as pessoas mais bem informadas são aquelas que estão dizendo “eu não sei”.
E se tudo que tivermos de fazer para conhecer o futuro for esperar?
Sobre a crise política, entendo a saída do ministro Sergio Moro como o início, não o fim, de um processo. Inicia-se um processo, termina-se um governo. Talvez não formalmente, por meio de um impeachment. Mas pragmática e moralmente. Agora, teremos de escolher entre um fim terrível — diante de eventuais novas provas sobre crimes de responsabilidade do presidente (não me parece que o ex-ministro Moro seja alguém propriamente despreparado do ponto de vista técnico para embates jurídicos; o ambiente das redes sociais é bem diferente daquele dos tribunais) e um terror sem fim (em que assistiremos a um esfacelamento gradual do governo, com doses homeopáticas de sofrimento, quando o foco do Executivo passa a se dar exclusivamente na própria sobrevivência, não em fazer o necessário para a retomada do processo de crescimento e desenvolvimento socioeconômico).
Ao perder Sergio Moro — e da forma que foi —, Bolsonaro perde um dos bastiões de seu governo: o pilar ético e moral, a bandeira do combate à corrupção, a figura mais proeminente em prol da segurança pública e a base de apoio lavajatista.
Enquanto isso, o presidente reage antagonizando com o ex-ministro, o que escala ainda mais o problema. Gestões de crises são feitas para deixá-las passar, não para sair vencedor de determinados embates. Há vitórias pírricas em que você pode até ganhar do adversário, mas o custo sobre si será enorme. Aproxima-se do Centrão, cuja única ideologia está na própria fisiologia. Sob esse instinto de sobrevivência — talvez, de fato, não houvesse outro caminho, Bolsonaro fica à mercê das raposas da velha política, sob o risco de passar a ser chantageado por elas. Convenhamos: a chantagem não seria uma atitude propriamente inesperada de figuras como Roberto Jefferson, Ciro Nogueira, Valdemar Costa Neto e por aí vai.
Se não tivermos fatos novos contra o presidente e se sua popularidade se mantiver razoavelmente alta, acima de 15% de aprovação, potencialmente não teremos grandes problemas. O problema é que as duas premissas parecem um pouco fortes. A partir do pedido de inquérito da PGR, Moro terá de se explicar sobre as acusações feitas na última sexta-feira; então, meu caro, prepare-se. Beiraria ingenuidade achar que o ex-ministro e juiz não estaria absolutamente preparado para este momento. Já temos contratados fatos novos. É quase uma contradição lógica apostar na “ausência de fatos novos”. O inquérito das fake news está aí. O pedido da PGR já chegou ao Supremo.
Esse embate político chega num momento de profunda recessão econômica e de crise na saúde, em que a popularidade do presidente, dada a condução já errática da situação (um dos poucos líderes mundiais que não ganharam apreço da população com a pandemia), já vinha em queda.
Sob eventuais fatos novos circunscritos às denúncias de Moro e possível perda de popularidade, o Centrão teria tudo de que precisa para chantagear ainda mais o Executivo, pedindo-lhe verbas e outras benesses, esgarçando o já combalido orçamento público e afastando-nos ainda mais da agenda liberal proposta pelo ministro Paulo Guedes. A tal conversão ao liberalismo do presidente Bolsonaro era fácil de ser defendida para se ganhar uma eleição. Diante de sua última tentação, Messias sucumbiria ou manter-se-ia fiel? Quando o dinheiro não entra pela porta, o amor (e a fé) voa(m) pela janela. Na crise, conseguiremos manter o rigor fiscalista? Se sim, como lidar com o Centrão? Se não, como lidar com o ministro Paulo Guedes?
É evidente que não se espera uma ruptura imediata do ministro da Economia neste momento. Há responsabilidade com o país. Como resume um velho poema grego, a vontade dos deuses eternos não muda tão depressa. Como disse acima, é o início de um processo; não o fim. Neste momento, as manifestações, principalmente públicas, serão necessariamente de apoio recíproco entre Guedes e Bolsonaro. Há uma semana, se fosse se manifestar sobre o então ministro, Juvenal Juvêncio diria que Sergio Moro está muito prestigiado no cargo.
Palavras não pagam dívida. Em teorias e em entrevistas, os ânimos parecem calmos e as permanências no governo certeiras. Mas as respostas do cotidiano são sempre mais difíceis. A realidade insiste em ser mais dura do que os discursos.
E tudo isso vem nos abater justamente naquela que já é a maior crise desde 1929 — de repente, não falamos mais no coronavírus, nem na esperada queda de 5% do PIB ou no recorde da taxa de câmbio, com nossas reservas indo embora a um ritmo impressionante de intervenções do Banco Central; quanto tempo até resgatarem a expressão “ataque especulativo”?
Também sobre a crise de saúde encontramos discursos bonitos, fáceis e superficiais. “A saída é encontrar um equilíbrio entre retomar a economia e achatar a curva de números de casos.”
Jura?
Na teoria, o discurso é lindo. Na prática, a teoria é outra. O diabo está em descobrir o tal equilíbrio. Não há histórico de algo parecido, não há teste amostral, não há experiência de laboratório.
Qual é este equilíbrio? Não sabemos. Vamos descobrir como é a vida real: em tentativa e erro, sem qualquer guia anterior para algo semelhante, navegando em mares nunca dantes navegados. Fazendo tentativa e erro em cima de uma curva exponencial. Qual o problema disso? Se você erra para direita numa curva exponencial, ela explode assintoticamente para o infinito. E isso não me parece nada bom.
Não estou dizendo que necessariamente algo de ruim vai acontecer. A grande questão, para mim, é que os mercados parecem projetar um cenário muito otimista à frente, considerando apenas a parte direita da distribuição de probabilidades de eventos futuros, que, na real, nos é bastante desconhecida e de caudas bem gordas, mostrando enorme incerteza e dispersão de resultados. Em outras palavras, mais riscos.
Como perfeitamente resumiu Christopher Cole, da Artemis Capital, "considerando o comportamento da volatilidade, os mercados estão precificados para um evento puro e simples de risco e uma recuperação posterior rápida (como o 11 de setembro de 2001 ou o desastre de Fukushima), em oposição a uma profunda recessão (como em 1929 e 2008). O tempo dirá se estamos em processo de negação ou apenas subdimensionando riscos".
O que já é material: o PIB brasileiro volta ao final de 2020 ao mesmo patamar de 2010. E não somos só nós que podemos nos orgulhar de mais uma década perdida. Agora, os americanos têm sua "lost decade" para chamar de sua. Devolvemos toda a criação de empregos americanos dos últimos dez anos em um mês.
O que vai acontecer a partir de agora? Eu realmente não sei. Mas vejo um mercado incorporando uma recuperação muito rápida da atividade, enquanto vivemos uma crise aguda na saúde e o esfacelamento de um novo governo.
Infelizmente, teremos de aprender a caminhar no desconhecido, a viver em um mundo que não entendemos.
Diante da falta de resoluções até aqui para a crise de saúde, em certo sentido, é a ciência mostrando também seus limites e abandonando a falsa sensação de que ela poderia ocupar o espaço perdido por Deus desde o Iluminismo. A ciência também apresenta suas restrições e dela não podemos esperar algo além de suas possibilidades.
Em certo sentido, voltamos à provocação de Eduardo Giannetti na Folha, em 1998: "Estarei sozinho, contudo, em vislumbrar, na fábula dos dois irmãos mitológicos, a lenda de todo um povo que aspira aos poderes e confortos da racionalidade de Prometeu, mas se nega obstinadamente a abrir mão dos gozos e delícias da imprevidência de Epimeteu?”.
A racionalidade de Prometeu parece derrotada no caos em que nos metemos. Não precisamos agir por impulso como Epimeteu, mas ao mesmo tempo podemos confundir não saber com não agir.
A ciência e a racionalidade não podem nos ajudar muito agora. Temos de transitar pelo escuro. Talvez a arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba, e ela surpreendentemente pode passar pelo grunge: "with the lights out, it's less dangerous". O Nirvana está em saber caminhar na incerteza. O resto é puro desejo (inócuo e autoenganador) de controle.
A única resposta que posso lhe dar: eu não sei. Mas sempre que isso acontece, o dólar sobe.