Muitas pessoas estão preocupadas com o risco inflacionário no país, principalmente olhando os preços dos supermercados.
Este risco é muito importante de ser avaliado pois, se estivermos entrando em um processo inflacionário, o Banco Central terá que subir a Selic muito antes do que ele gostaria.
Além disso, a dívida pública, que está sendo mais tranquilamente financiada pelo enorme montante em Tesouro Selic com 2 por cento de taxa, passará a ser muito mais cara para os cofres do governo. E não podemos esquecer que ele já está com problemas sérios de dívida sobre PIB, chegando próximo de 100 por cento.
Então, vamos lá…
O IPCA, que é o índice de preços ao consumidor amplo, está em um dos menores níveis da série histórica.
O último resultado, apresentado em julho, mostrou alta de 0,36 por cento contra o mês anterior. Mas o que chama a nossa atenção é a grande dispersão de resultado entre os setores neste ano.
Enquanto alimentos e educação sobem mais de 4 por cento no ano, itens como transportes caem mais de 4 por cento.
É importante levar em conta o peso de cada item no índice total. Dá para notar, por exemplo, que o peso de alimentação é praticamente o mesmo de transportes. Ou seja, uma alta é cancelada pela outra queda.
Ir ao supermercado e perceber que sua cesta de consumo subiu muito não quer dizer que o país está em um processo inflacionário. O processo inflacionário é descrito como uma condição contínua (não pontual) e generalizada (não restrita a alguns itens).
Pela cesta média de consumo de famílias de 1 a 40 salários mínimos, que é a abrangência do IPCA, temos uma situação final ainda tranquila.
Mas é importante notar que a alta dispersão é um risco muito relevante. Se a grande maioria dos itens estivesse tranquila, a permanência de uma inflação baixa no futuro seria o cenário mais fácil de se supor. Mas não é o caso. Não estamos com todos os itens baixos. Alguns estão preocupantemente altos.
É como se fosse um cabo de guerra, em que duas forças puxam para lados distintos. Você não sabe de antemão quem vai ganhar. Pode ser que os transportes se ajustem mais rápido, reduzindo oferta, e aumentando novamente seus preços. Se isso acontecer, podemos ver a inflação acelerando mais rápido.
Pode ser também que a fragilidade econômica puxe para baixo os preços que hoje estão altos, talvez por quebra temporária de oferta como consequência da pandemia.
Ou seja, uma inflação baixa com dispersão alta é muito mais preocupante do que uma inflação generalizadamente baixa.
Outro ponto que muitos comentam é o IGP-M, que anda muito alto. Será que é um indicador de que o IPCA pode subir também?
O IGP-M é um índice bem diferente do IPCA. Ele é mais voltado aos preços no atacado, que representam 60 por cento do índice.
Dentro do IPA temos:
Essa grande diferença de composição do índice faz com que o comportamento deles possa ser bem diferente dado o cenário econômico. A própria pandemia, com consequências muito distintas entre os setores, acaba sendo muito propícia para distanciar as duas inflações.
O resultado é esse:
O IGP-M (em amarelo) está mostrando uma inflação anual de 9 por cento, enquanto o IPCA mostra uma alta de apenas 2,3 por cento.
O impacto do câmbio é bem maior no IGP-M, além da alta do minério de ferro (que respondeu sozinho por 30 por cento da alta do IPA do último mês).
Resumindo: IPCA e IGP-M são índices bem diferentes. Se a economia está em um processo inflacionário ou deflacionário de forma uniforme, esses índices tendem a caminhar juntos no tempo, apesar da maior variação do IGP-M. Mas, se estivermos em um cenário misto, como o atual, estes índices se diferenciam bem, sem que isso signifique alguma pegadinha.
Como o Banco Central escolhe o IPCA para balizar sua política monetária, o IGP-M não deveria causar medo pelos seus efeitos diretos. Apenas seria preocupante se ele mexesse nas expectativas (efeito indireto).
O mais preocupante, como eu mencionei acima, é que o IPCA está com alta dispersão entre os itens, o que significa que não estamos em um cenário de inflação baixa, mas sim em um cenário onde os pesos atuais do IPCA ditam um resultado final abaixo da meta.
Isso não passa exatamente muita segurança, não é mesmo?
Temos que olhar de perto este cabo de guerra. Se a prorrogação do auxílio emergencial seguir fortalecendo a recuperação, eu ficaria mais preocupada com a inflação. Por outro lado, se a redução no montante pago causar uma retração na demanda, podemos seguir um pouco mais de tempo apenas observando.
Mas novas quedas de juros deveriam ser tiradas do radar, na minha opinião.
Eu, Marilia, acredito que Selic é daqui para cima!