Anna Lucia Horta e Marcos Gambi*
Especificamente no setor financeiro, hoje é muito difícil encontrar uma instituição que não esteja se conscientizando sobre a questão ESG e mapeando as oportunidades de mercado com esse alinhamento conceitual. Os principais bancos do mundo, por exemplo, já começaram a divulgar suas metas de descarbonização de portfólio para os próximos anos.
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Ao aderir a uma aliança Net Zero, as instituições precisam adotar compromissos de redução de gases de efeito estufa (GEE) coerentes com as metas globais estabelecidas no Acordo de Paris. Um projeto de descarbonização efetivo depende de um plano de gestão da cadeia de valor que deve delinear ações específicas para mitigar as emissões de Escopo 1 (aquelas que são fruto do resultado direto de suas operações), 2 (associadas à geração de eletricidade consumida pela instituição) e 3 (emissões indiretas ao longo da cadeia produtiva), seguindo a hierarquia definida pelo GHG Protocol. Nesse plano, as emissões de escopo 3 destacam-se em volume, já que contemplam os empréstimos concedidos pelas instituições financeiras.
A tarefa de mensurar os impactos ao longo de uma cadeia de valor não é trivial. Um estudo recente do New Climate Institute com a Carbon Market Watch avaliou os compromissos anunciados por 25 grandes corporações e constatou que o escopo 3 é responsável, em média, por 87% das emissões de gases de efeito estufa da amostra. O mesmo estudo encontrou diversas incoerências e imprecisões nas metodologias utilizadas por algumas corporações. De acordo com a publicação, há variações na qualidade dos projetos e na metodologia utilizada para contabilizar emissões de GEE. Esta discrepância entre os dados não é novidade. Para se ter uma ideia, um mapeamento da Banking for Impact encontrou 37 ferramentas diferentes utilizadas pelos principais bancos do mundo para mensurar o impacto de carbono em seus portfólios. Essa superoferta de ferramentas poderia ser vista como algo positivo, mas acaba fragilizando os relatórios de GEE, já que não existe uma uniformidade nas premissas e metodologias utilizadas, dificultando a comparação e transparência das análises.
Em alguns setores específicos, o desafio para consolidar uma metodologia amplamente aceita e com respaldo científico se torna ainda maior. É o caso do setor agropecuário. No entanto, iniciativas relevantes estão avançando com essa agenda, como a Science Based Targets (SBTi), lançada em 2015. Recentemente, a iniciativa disponibilizou para consulta pública um guia desenvolvido para endereçar a falta de consenso no estabelecimento de metas específicas para os setores de agricultura, pecuária, florestal e outros usos de terra (SBTi-FLAG). Mesmo assim, a principal lacuna permanece: no que diz respeito à metodologia de mensuração do impacto de carbono ao longo da cadeia de valor, o SBTi-FLAG se apoia em outro guia, que ainda está em desenvolvimento, o GHG Protocol Land Sector and Removals Guidance.
Enquanto a publicação do GHG Protocol não é finalizada, o SBTi-FLAG sugere que seja adotada a proposta desenvolvida pela Quantis, Accounting for Natural Climate Solutions Guidance. De maneira resumida, ela trabalha com dois cenários: (i) quando a origem do produto é conhecida, são recomendadas medições diretas de carbono, que envolvem coletas de campo e análises laboratoriais - porém, também há margem para a utilização de imagens de satélite combinadas com fatores de emissão associados ao tipo de uso da terra e localização da produção, caso as coletas de campo não sejam possíveis; e (ii) quando a origem do produto não é conhecida, o guia recomenda que sejam utilizados valores estatísticos de dados do país em questão.
Apenas essa breve análise já evidencia a flexibilidade no rigor metodológico e a discrepante qualidade dos dados aceitos pela metodologia. O principal risco é que empresas utilizem as iniciativas Quantis ou SBTi-FLAG como uma chancela de qualidade para avaliações superficiais de seus impactos. Esse cenário traz vulnerabilidade não só para a reputação das iniciativas, mas também para as empresas comprometidas que desejam estabelecer compromissos Net Zero e buscam respaldo teórico e metodológico em iniciativas amplamente aceitas.
O GHG Protocol Land Sector and Removals Guidance será disponibilizado para consulta pública no segundo semestre de 2022. A expectativa é de que a publicação traga mais respostas e solucione as lacunas metodológicas de forma a permitir que as emissões relacionadas ao uso da terra e às mudanças de uso da terra sejam mensuradas e monitoradas sob o mesmo parâmetro.
Enquanto isso, organizações interessadas em compromissos climáticos não devem ficar paradas esperando até que todos os processos estejam maduros e definidos para começarem a se adequar. Sabemos que leva tempo para consolidar uma mudança estrutural desse porte, e a recomendação é que empresas aproveitem essa janela de oportunidade para internalizar conceitos e desenhar processos que possibilitem o estabelecimento de metas e a mensuração e reporte dos impactos gerados pelas suas atividades. Empresas podem dar início a esse processo com metas mais restritas e aumentar a abrangência gradualmente, à medida que exista um maior grau de conforto metodológico e operacional. Há uma curva de aprendizado que deve ser vencida e os early adopters, mais uma vez, serão recompensados por já terem se estruturado internamente, no momento em que as diretrizes de ampla aceitação forem publicadas. Apesar desses conceitos e práticas serem relativamente novos no mercado, a tendência é que a adesão a eles se torne um pré-requisito para empresas que desejam se manter competitivas.
*Anna Lucia Horta é Gerente de Negócios e Investimentos e Marcos Gambi é Especialista em Negócios e Investimentos em Agricultura, ambos na The Nature Conservancy (TNC) Brasil. Saiba mais em www.tnc.org.br