Praticamente toda empresa que já passou por alguma inciativa de planejamento estratégico tem estabelecidas aquelas três declarações fundamentais à sua existência: sua Missão, sua Visão e seus Valores. Mais recentemente, a palavra “Sustentabilidade” e derivações têm aparecido com mais frequência nas listas de valores e princípios ao lado de outras expressões fortes, tais como Responsabilidade, Diversidade, Colaboração, Inovação, Ética, Respeito pelo Indivíduo etc.
No que tange ao termo Sustentabilidade, dois fenômenos interessantes têm sido encontrados nos últimos anos com frequência nas Organizações, principalmente aquelas que possuem esse termo em sua lista de valores: as “ações sustentáveis” e os “departamentos de sustentabilidade”.
Imaginem uma empresa cujo modelo de negócio é linear, ou seja, atua no formato take, make, dispose, que significa que sua cadeia de valor favorece a geração de resíduos desde a fabricação de seus produtos (perdas e desperdícios) até o descarte pelo consumidor final, seja de embalagens (a maioria plásticas) ou do próprio produto que chegou ao fim da sua vida útil. É um tipo de operação ainda comum nos dias de hoje e que comprovadamente destrói valor e compromete o meio ambiente. Essa mesma empresa faz campanhas internas de conscientização com seus colaboradores, promovendo a substituição dos copos plásticos por canecas de porcelana, ou dando canetas feitas de bambu para seus clientes, ou patrocinando uma pracinha – oferecendo brinquedos produzidos a partir de garrafas pet recicladas. Ora, todas essas ações são muito bem-vindas e devem ser incentivadas, mas não atendem ao requisito “sustentabilidade” de sua lista de valores. Para isso ocorrer, é necessário que a forma de operar o seu negócio deixe de ser como é e ela passe a adotar práticas menos nocivas ao meio ambiente, tais como a Economia Circular.
Voltemos agora à nossa lista inicial de valores: alguém já viu alguma organização que tivesse um departamento de ética ou de respeito? Creio que não. E é justamente por isso que esses termos são considerados valores na empresa: é a forma pela qual seus colaboradores se comportam, agem. Já faz parte do seu modo de ser. Evidentemente, ações e campanhas frequentes precisam ocorrer para lembrar (e cobrar) as pessoas para que vivam os valores da organização. Mas, para comprometer a organização inteira, será necessário que haja um departamento específico para isso?
As organizações que possuem departamentos específicos relacionados aos seus valores estão indiretamente dando uma mensagem de que possivelmente não os praticam de forma efetiva e precisam de uma área que promova essa mudança. Por exemplo: se há uma área de “diversidade” é porque identificou-se a necessidade de transformação da organização para que ela passe a adotar práticas compatíveis. Deveria ser algo temporário, talvez até uma área de projetos, com objetivos bem definidos. A partir do momento em que a prática deste valor passa a ser parte do DNA da organização, a existência desse departamento cumpriu sua missão e a “fiscalização” das práticas passa ser algo descentralizado e compartilhado com toda a comunidade de colaboradores.
Em sustentabilidade – que recentemente teve seu escopo aumentado em razão da introdução do ESG nas organizações – não é muito diferente. No entanto, como a transformação de uma organização tradicional em uma legitimamente sustentável leva tempo (envolve revisões nos modelos de negócio e na sua forma de operar, projetos de investimento robustos e mudanças comportamentais), sem falar no papel fiscalizador e de apuração de indicadores e resultados, a tendência natural é que a necessidade da existência dessa área siga fundamental durante muito tempo.
De todo modo, o departamento de sustentabilidade não pode se deixar contaminar apenas com a implementação das ações sustentáveis, pois essas, apesar de importantes, têm efeito temporário e não transformam os valores das organizações.
Gustavo Nobre é Pesquisador e Professor convidado do COPPEAD/UFRJ. Doutor em Administração com ênfase em Economia Circular e Indústria 4.0 pelo COPPEAD/UFRJ. Mestre, Administrador e Analista de Sistemas. Professor de cursos voltados para Gestão de Projetos, Ciência de Dados e Administração. Consultor empresarial com mais de 25 anos de experiência profissional, a maior parte em funções executivas e em grandes empresas.