Setembro não será um mês fácil. Muita volatilidade nos espera, até porque teremos a crise hídrica no radar, não descartando a necessidade de racionamento, ainda mais porque se aproxima o verão e o uso de ar condicionado como um fator a mais de risco.
Para piorar, temos um presidente totalmente "descompensado", só pensando em outubro de 2022, embora, neste momento, ao que parece, suas chances de chegar ao segundo turno sejam cada vez mais remotas.
No mercado, as bolsas de valores oscilam ao sabor das "crises" diárias, "fabricadas" pela tensa relação entre os poderes e na avaliação das várias pautas no Congresso. Em agosto, a bolsa paulistana perdeu 2,5% do seu valor, depois de recuar em julho (3,9%). E o pior é que a bolsa paulistana vinha num bom rally de altas mensais, "testando" os 130 mil pontos.
Na economia real, como descreveremos a seguir, a atividade já parece afetada pela permanente crise político-institucional que vivemos, além do atraso no “liberar” da pandemia.
O PIB "perde tração", assim como a produção industrial e o setor agrícola. No mercado de trabalho, a cena não parece melhor, com a informalidade dominando, assim como o “desalento”, com muitos desistindo de procurar emprego. São mais de 14 milhões de desempregados, embora estejamos observando alguma reação no mercado formal, pelo Caged. Por outro lado, consola a reação das contas públicas, com a arrecadação e o limite nos gastos, mas alguma cautela é necessária, pois a “fatura” para 2022 é pesada, dadas as dívidas judiciais (precatórios) do governo a vencerem em 2022 (R$ 89 bilhões).
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No arsenal de boas alocações no mercado de ativos, não podemos deixar de destacar no mercado de ações, a oportunidade de investir em bancos, instituições mais resilientes, sempre achando uma brecha para se safar das armadilhas. Outra boa recomendação vai para as empresas atreladas às commodities, já que a retomada da economia é global e irreversível. Dependendo do ritmo das vacinações, é claro. Estejamos atentos, por outro lado, aos fundos de ações no geral, aos multimercados, e aos fundos imobiliários.
Em resumo, para setembro, temos os seguintes vetores de atenção (ou cuidado).
Inflação. Como já dito acima, a tarifa mais pesada, da bandeira vermelha 2, ou de "escassez hídrica", deve nortear a trajetória da inflação neste segundo semestre. Pela elevação a R$ 14,60 por 100 kwtz, algo em torno de 0,3 a 0,4 ponto percentual sobre o IPCA de setembro, no ano a inflação deve fechar acima de 8%. Isso decorre da intensificação no uso de termoelétricas, muito mais custosas para o regime energético do País.
Sendo assim, a crise energética é uma realidade, decorrente das bacias hidrográficas da região Sudeste estarem abaixo dos 25% de vazão. Para piorar, no setor agrícola ainda temos geadas, decorrentes de inverno rigoroso em julho, e agora secas e incêndios, com várias culturas afetadas. Isso acaba por gerar o encarecimento geral de todos os insumos, como fertilizantes, ração para pecuária, custos de frete, etc. Os alimentos acabam mais caros, o que se reflete também na inflação, assim como na produção agrícola. Estimativas da Conab já vislumbravam um safra 1,2% menor neste ano. No que se reflete ao PIB agrícola, o recuo de 2,8% no segundo trimestre contra o anterior, bem confirma isso. Em suma, nem a agricultura está conseguindo se sair bem.
Política Monetária. Neste cenário de inflação mais elevada, por certo, deve “obrigar” o Banco Central de Roberto Campos Neto a se tornar cada vez mais rigoroso (hawkish) no seu balizamento de expectativas, usando como instrumento a taxa de juros de curto prazo.
A taxa Selic pode muito bem passar de 8% ao fim deste ano, até porque seu objetivo é trazer a inflação do ano que vem, pela Focus em 3,8%, para o centro da meta, mais próxima de 3,5%. Isso tudo nos levar a crer que nos Copons de setembro e de novembro, novas puxadas mais fortes da Selic devem ser sancionadas. Atualmente, a Selic se encontra em 5,25%.
Pandemia. Vacinações em bom ritmo. Interessante. Embora tenhamos presenciado muitas negativas no meio do caminho, bilhões de reais "rasgado" na compra de "placebos", como cloroquina e ivermetcina, até que o ritmo de vacinações deu uma deslanchada por estes dias, abrindo novas possibilidades de "normalização" da vida econômica.
No mapeamento do País, com a primeira dose já são 64,7% do total e com a segunda dose 30,1%. Lembremos que são 582 mil óbitos, num universo de 20,8 milhões de casos. Estejamos atentos, no entanto, às várias cepas que aparecem. Prevemos a Delta se espalhando neste restante de ano e a terceira dose para pessoas com comorbidade como uma opção concreta.
Atividade. Os dados mais recentes de atividade decepcionam. O PIB do segundo trimestre veio em queda de 0,1% contra o anterior, com forte queda da Agricultura (2,8%), derrubada pelas quebras de safra de diversas culturas, impactadas por geadas, secas e incêndios.
Chama atenção também o recuo dos investimentos, com a FBCF recuando 3,6%, reflexo da melhor cautela no horizonte dos empresários. Pelo lado da produção industrial, em queda de 1,3% em julho contra junho, temos a perspectiva de um terceiro trimestre ainda mais nebuloso. Neste contexto, parece difícil que o país cresça 5,0% a 5,5% neste ano, mas sim, no máximo, 4,5% a 4,9%.
Fiscal. Neste front, há até um certo desafogo, até porque a arrecadação federal segue superando recordes a cada mês. Sendo assim, dá para pensar num déficit primário e na dívida pública dentro de um raio de segurança.
Em julho, pelo consolidado, o déficit primário foi a R$ 10,1 bilhões, bem menor do que o registrado no mesmo mês do ano passado (R$ 81,1 bilhões). No acumulado ao ano, este déficit é de R$ 15,5 bilhões, algo bem controlável, diante do déficit pandêmico do ano passado, R$ 483 bilhões em mesmo período. Em 12 meses, o déficit foi a R$ 234,7 bilhões, 2,89% do PIB, em trajetória de redução ao longo do ano.
Mesmo neste quadro de alívio fiscal, a perspectiva negativa no ano que vem acaba turvando um pouco mais os horizontes, o que se reflete na inclinação das taxas de juros, curtas, médias e longas. Temos a dívida judicial de R$ 89,1 bilhões. Isso inibe os investimentos e adia o endividamento de muitas famílias, derrubando ainda mais a economia.
No mercado de trabalho, os dados não ajudam, com a PNAD Contínua mostrando um quadro de 14 milhões de desempregados, além de muitos informais e desalentados. Aqui, o incremento dos empregados por conta própria é um claro sinal de que as pessoas estão precisando “se reinventar”, criar algo, dada a perda de empregabilidade. Pelo Caged, no entanto, temos 1,8 milhão de empregos formais gerados.
Em conclusão, visualizamos no Brasil um cenário de “perfeita tempestade”, numa conjunção de acontecimentos negativos ao mesmo tempo. Temos um cenário de economia perdendo tração, choques de oferta elevando a inflação (energia, alimentos, choques de combustível, etc), mercado de trabalho frágil, desempregados próximo a 14 milhões, riscos fiscais no horizonte e uma governabilidade em que, a todo momento, a ameaça de ruptura ou impeachment ganham terreno. É o pior dos mundos.
Na agenda de hoje, dia de payroll de agosto, depois da geração de empregos privados (ADP) não tão boa. Isso mostra que a retomada da economia acontece de forma errática, não uniforme, o que relativiza um pouco os riscos inflacionários. Pelo payroll a previsão é de geração de 750 mil vagas, contra 943 mil em julho. A taxa de desemprego deve recuar a 5,2% da PEA, contra 5,4% em julho.
Na China, a atividade segue perdendo dinamismo. Em agosto o PMI Markit recuou de 53,1 em julho para 47,2 em agosto, primeira retração em 16 meses. Já a PMI de Serviços recuou de 54,9 a 46,7 pontos. Na semana, o PMI Markit Industrial havia recuado de 50,3 para 49,2.