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Entre o Mercado e o Supermercado, um Abismo Social

Publicado 17.03.2021, 17:08

Quem acompanha o noticiário financeiro parece não se incomodar tanto com a atenção dispensada a cada oscilação no humor dos mercados, algo que forma a espinha dorsal de uma área da imprensa que deveria, em nome, se preocupar com o jornalismo econômico. Isto é, com a economia e não com o mercado financeiro – uma confusão profunda, mas muito proposital. Nessa toada, pouco se fala sobre o supermercado, que para a quase totalidade da nossa população, é o mercado que interessa.   

Há momentos em que a revolta sobrepõe o senso de civilidade. Como quando Paulo Guedes, último elo entre Bolsonaro e a elite financeira, fala que por todos os lados vemos sinais da economia brasileira decolando; ou quando diz que as pessoas lhe agradecem no supermercado pelo serviço prestado a nação. Não porque acho que esteja mentindo, mas porque trata todo mundo como estando no mesmo barco, que o Brasil tem melhorado para todas as pessoas porque não há como as coisas melhorarem para quem é rico sem que os/as pobres se beneficiem.  

Dói ter que dizer, em pleno ano de 2021, que tal afirmação só não é totalmente estúpida porque tem traz em si uma dose enorme de crueldade. Enquanto o barco afunda, nossa elite faz o que sempre fez: joga crianças ao mar para abrir espaço para champanhe no bote salva-vidas – afinal, de que adianta se salvar sem ter alguns luxos para manter o ânimo? Infelizmente, quem se afogou deveria ter buscado com mais afinco recursos materiais, ou ter dado a sorte de nascer num berço de ouro. É a vida, né.

Engraçado como, usando um discurso que universaliza a sociedade e a conecta como pares equidistantes dentro do mercado, o Liberalismo consegue contradizer a si mesmo sem causar sequer um pouquinho minúsculo de incômodo em seus defensores/as. O interesse individual é que, em tese, moveria a sociedade para um ganho coletivo, mas precisamos sistematicamente impedir trabalhadores/as de defenderem seus interesses e o corte de benefícios, assim como de direitos, é vendido como bom para todas as partes.       

Outra psicose liberal que não cessa de me surpreender: os recursos são escassos e a sua livre circulação/comercialização permite que eles recebam os usos mais eficientes. Exceto, claro, se incluirmos pobres nessa equação, afinal a concentração de recursos na mão de monopólios ou oligopólios é a prova de sua superioridade. Se não fosse o caso, esses recursos voltariam para a sociedade, porque sabemos que a ganância humana nunca funcionou no sentido de impedir que isso ocorra. Falar em taxar heranças então? Absurdo, porque se meu tataravô construiu uma fortuna, eu mereço ficar com ela – o que não quer dizer que os crimes dele possam ter impacto na herança, o certo é que eu fique só com as partes boas.

É importante deixar claro que o discurso liberal faz muitas coisas, mas se ele sempre favorece quem detém o poder econômico e contribui para o aumento perpétuo dessa concentração, não é por acaso. O liberalismo serve para defender quem é rico/a, mas faz um esforço enorme para convencer o resto de nós que, se pensarmos muito bem e aceitarmos várias falácias, assim como distorções, na verdade isso é uma coisa boa para o povo em geral.

Acho que é por isso que precisam estudar tanto? Como faziam astrônomos que precisavam criar modelos absolutamente complexos (e confusos) para explicar o movimento dos planetas sem admitir que a Terra é que girava ao redor do sol. Assim, partindo do entendimento de que é preciso defender o interesse de quem concentra riqueza, criam-se toda forma de esquema teórico para provar que a realidade objetiva está errada. Inclusive quando ela parte do próprio liberalismo, mas se confronta com esses interesses – caso que vimos acima.

Com a disputa eleitoral chegando mais cedo nesse ano, acho que é importante lembrarmos que existem políticas de mercado e de supermercado. Existe o interesse de quem trabalha e o de quem emprega, interesses que sempre estarão em conflito. Pense bem em qual desses lados você está, e não onde gostaria de estar. É bem provável que a inflação no preço da carne tenha muito mais impacto na sua vida do que uma eventual estagnação da bolsa e do mercado financeiro nacional. Então, sugiro se posicionar de acordo. 

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