Muito se fala de empresas de qualidade, embora a definição do que seja essa qualidade seja pouco precisa e varie de gestor para gestor. A literatura de finanças oferece vários indicadores de bons fundamentos. Um deles chama-se F-Score, proposto por Joseph Piotroski há 20 anos. A ideia é bem simples. Para uma série de perguntas objetivas a respeito de indicadores fundamentalistas, a resposta pode ser "sim" (1 ponto) ou "não" (0 ponto). Depois de somados os pontos obtidos por uma empresa nas diferentes perguntas, elas são classificadas como de pontuação alta, média ou baixa segundo o F-Score. Espera-se que as value stocks (empresas relativamente baratas), com alta pontuação tenham melhor desempenho do que as de baixo F-Score. Será que um critério simples assim tem algum mérito para as empresas brasileiras em geral, principalmente depois de se ajustar para o risco?
Em artigo recém-publicado, Luiz Eduardo Chagas, Raphael Roquete e eu fizemos essa pergunta e investigamos o tema. O F-Score empregado foi adaptado do original para o caso brasileiro. Ele inclui 9 perguntas, tais como: O retorno sobre ativos (RSA) do ano anterior foi positivo? O fluxo de caixa operacional sobre o ativo do ano anterior foi positivo? A variação do RSA no último ano calendário foi positiva? A variação da margem bruta no último ano calendário foi positiva? A liquidez corrente aumentou no último ano calendário? O endividamento aumentou no último ano calendário? Veja todas as perguntas no artigo completo (link abaixo). Empresas que somaram 7, 8 ou 9 pontos foram consideradas de F-Score alto e as que somaram 4 pontos ou menos foram classificadas como de F-Score baixo.
O F-Score foi aplicado a uma amostra com uma média de 146 empresas a cada ano entre 2008 e 2018. Todas as empresas listadas na B3 (SA:B3SA3) foram consideradas inicialmente. Foram excluídas as empresas financeiras; sem valor de mercado ao final do ano; com patrimônio líquido negativo; que não tinham os dados para o cálculo das métricas; e sem cotações mensais por 24 meses consecutivos. A amostra não se limita somente a value stocks, como originalmente proposto por Piotroski.
As carteiras igualmente ponderadas formadas a cada ano pelas empresas de alto F-Score apresentaram retornos médios mensais mais altos do que as carteiras igualmente ponderadas contendo as de F-Score intermediário e baixo, mas a significância estatística nem sempre esteve presente nos diferentes períodos de tempo. As carteiras com F-Score intermediário e baixo não apresentaram retornos médios estatisticamente diferentes de zero. A carteira com F-Score alto apresentou volatilidade menor do que as de F-Score intermediário o baixo. Uma carteira comprada nas empresas de F-Score alto e vendida em empresas de F-Score baixo também apresenta retorno mensal médio de 0,63 que é estatisticamente diferente de zero.
Será que esse resultado se sustenta depois de se ajustar os fatores de risco usuais da literatura? Esses fatores de risco verificam se retornos positivos simplesmente se devem a regularidades bem conhecidas, tais como os prêmios de risco para empresas de menor porte, para empresas chamadas de value stocks (relativamente baratas), para empresas ganhadoras num período anterior (momento ou persistência da performance) ou para o prêmio de risco do mercado de ações em geral. Se, a carteira ainda apresentar um retorno positivo residual depois de se ajustarem todos esses prêmios de risco, se diz que esse resíduo é o alfa da carteira, uma medida de retorno excepcional ou anormal.
Nossos resultados para as carteiras de alto e baixo F-Score revelaram que não há evidência consistente de alfa positivo e significativo. Ou seja, os fatores de risco usuais explicam o comportamento da carteira de alto F-Score e essa carteira não gera alfa. O retorno da carteira de alto F-Score se deve em grande parte ao fato de que essas empresas apresentam correlação positiva com o mercado em geral (beta), mas não tão alta como a da carteira de F-Score baixo. Os resultados também revelaram não haver uma relação positiva com o prêmio de risco para empresas pequenas. Já a carteira de F-Score baixo apresenta relação positiva e significativa com o prêmio de risco para empresas pequenas. A carteira de F-Score alto apresenta também relação positiva com o prêmio de risco de ações ganhadoras (momento).
Esses resultados, então, não sustentam a importância dos fundamentos das empresas para se formar uma carteira de ações? Não. O que esses resultados dizem é que a escolha de empresas com bons fundamentos (F-Score alto) leva a uma carteira menos volátil, com empresas de porte médio ou grande e com retornos positivos passados persistentes. Uma carteira formada por empresas com F-Score alto provavelmente também levará à escolha de empresas com mais liquidez de mercado e menor correlação com o mercado. A carteira de F-Score alto parece ser mais defensiva, com possibilidade de performance melhor do que carteiras formadas por empresas de F-Score baixo, que parecem ter maior persistência como perdedoras. A obtenção de alfa positivo e significativo, no entanto, parece elusiva.
Chagas, L. E. C. M.; Leal, R. P. C.; Roquete, R. M. Bons fundamentos geral alfa? Revista de Educação e Pesquisa em Contabilidade, v. 14, n. 2, p. 231-236, 2020. (artigo completo)
*Ricardo P. C. Leal é professor de Gestão de Carteiras de Investimento e Governança Corporativa do Coppead/UFRJ