Essa taxa de desocupação de hoje pode ser só a ponta do iceberg, se considerarmos que o emprego e a competitividade do Brasil estão fortemente ameaçados também pela transformação digital e se medidas de preparo não forem tomadas.
Um estudo da PwC aponta que a inteligência artificial e a robótica podem colocar em risco 30% dos empregos até 2030. Os robôs estão assumindo de tarefas rotineiras e eliminarão muitos empregos de baixa qualificação. Considerando nossa abundância de mão de obra pouco qualificada, a preocupação se torna maior. Trabalhadores que realizam tarefas rotineiras consideradas “codificáveis” são os mais vulneráveis à substituição.
Muitas novas profissões também surgirão, mas vão requerer novas competências. Hoje estamos na 80ª posição em gap de talentos, num ranking de 132 países, de acordo com o The Global Talent Competitiveness Index 2020. Com a demanda por novas competências, esse gap só tende a aumentar se não agirmos. É claro que o ritmo de desenvolvimento tecnológico não é homogêneo. Nosso país ocupa a 46ª posição no ranking The Global AI Index, que avalia investimento, inovação e implementação de IA em 62 países. Naturalmente, o ritmo da mudança aqui deve ser mais lento do que os dos líderes EUA, China e Reino Unido. E por isso mesmo é hora de agir. Se, por um lado, a substituição dos trabalhadores por algoritmos e robôs aqui será um pouco mais lenta, por outro, o crescimento econômico pode ser mais impulsionado pela transformação digital nos países mais desenvolvidos, aumentando a disparidade entre nações.
Num cenário de pandemia que afastou jovens da escola e aumentou a desnutrição infantil, é ainda mais importante perceber que o gap de talentos freia nosso desenvolvimento e que as medidas não podem ser só emergenciais, mas devem preparar o país para o futuro. A grande pergunta é como prepararmos as pessoas para os desafios que estão por vir.
O relatório do Banco Mundial A Natureza Mutável do Trabalho (2019) aponta três tipos de habilidades cada vez mais importantes: as cognitivas avançadas, como solucionar problemas complexos; as socioemocionais, como trabalhar em equipe; e combinações de habilidades, como ter bom raciocínio e autoeficácia. Muitos empregos exigirão uma combinação de know-how tecnológico, solução de problemas e pensamento crítico, bem como habilidades interpessoais.
A base do capital humano, criada na primeira infância, ganhou importância. O índice de capital humano do Banco Mundial destaca a ligação entre os investimentos em saúde e educação e a produtividade dos futuros trabalhadores. Nele, o Brasil está na posição 81, atrás de quase todos os países da América Latina.
Devemos considerar que o Brasil amarga o posto de 8ª pior nação do planeta em diferença de renda. O Índice de Gini no Brasil, de 2020, registra coeficiente de 0,539. O crescimento econômico, que muitos economistas esperam ser em K, gera mais preocupações com a desigualdade. Ficamos também na 79ª posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 2019, baseado em indicadores de saúde, educação e renda.
Os países em desenvolvimento terão que investir em seus cidadãos, especialmente nas áreas de saúde e educação, e em infraestrutura, como acesso de baixo custo à Internet de qualidade, bem como infraestrutura rodoviária, portuária e municipal para se explorar todo o potencial das tecnologias. Também é desejável reduzir a informalidade, com trabalhos de baixa produtividade e pouco acesso à tecnologia.
Os investimentos na primeira infância, incluindo em nutrição, saúde, proteção e educação, criam bases sólidas para a futura aquisição de habilidades cognitivas e socioemocionais de alta ordem. O ensino superior oferece outra oportunidade para as pessoas adquirirem habilidades cognitivas gerais de alta ordem – como a resolução de problemas complexos, o pensamento crítico e a comunicação avançada. O desenvolvimento do capital humano objetiva diminuir perdas de produtividade, de emprego e de crescimento econômico. Mas como financiá-lo? Primeiro devemos gastar melhor. O Brasil investe mais na educação do que a média de países da OCDE, em termos de % do PIB. Ao mesmo tempo gasta menos por aluno. Mas não há margem para aumentar muito esse gasto. Por isso, a necessidade de eficiência.
Recursos podem ser liberados se resolvermos problemas da base tributária inadequada, de setores informais muito grandes e da administração ineficiente. Além das reformas em discussão no congresso, faz-se necessário pensar nos subsídios setoriais que adotamos. Gastamos 34,8 bilhões no Bolsa Família (2021) e R$ 348,3 bilhões com subsídios da União (2019). Será que todos esses subsídios são realmente necessários ou só estamos aumentando nossa desigualdade?