Causando um forte impacto negativo no mercado de ações brasileiro e por todo o mundo, o novo coronavírus revelou a pior face do risco, que muitos investidores negligenciaram no passado recente. Muitos (ou quase todos) dos modelos matemáticos de risco parecem não incorporar um risco extremo como este que estamos observando no mercado atualmente, o que explica porque a absoluta maioria dos fundos de ações e multimercado apresentaram resultados bastante ruins em março. Tenha em mente que esta não foi a primeira nem será a última vez que investidores otimistas desprezarão riscos extremos (curiosos podem encontrar no Google (NASDAQ:GOOGL) a famosa história de fracasso do fundo Long-Term Capital Management – LTCM, que tinha em seu board os premiadíssimos Myron Scholes e Robert Merton).
Um evento extremo é, obviamente, de ocorrência improvável no curto espaço de tempo. Entretanto, muitos se assustarão ao saber que se tornam prováveis no longo prazo, de alguma forma, em algum momento e por alguma razão. É preciso aceitar e compreender muito bem isso para investir com consciência. Nossos modelos de investimento precisam incorporar eventos sem precedentes que ocasionem perdas extremas. Lembre-se sempre que algo ser improvável não é o mesmo que ser impossível.
Modelos baseados em dados históricos estão em baixa e precisam ser substituídos por modelos que antecipem a possibilidade de eventos jamais observados. Por quê? Simplesmente porque esportistas quebram recordes mundiais, empresas batem recordes de valor, temperaturas batem extremos cada vez mais raros etc. Por que então não devemos esperar que as crises gerem perdas jamais antes vistas? Parece-me natural que devemos esperar que num horizonte suficientemente longo, teremos outra crise financeira mundial ainda pior que esta do coronavírus. Devemos ter modelos que olhem as tendências futuras e não apenas se baseiem nos acontecimentos passados.
Mas então o que investidores devem fazer agora, dado que a crise do coronavírus já está posta? Como investidor, você precisa evitar tomar qualquer decisão sem uma análise contundente das suas premissas e crenças. Não siga conselhos cegamente, como por exemplo o que está na moda: esperar os preços se recuperarem me parece muito simplista para a situação. Eu darei dois conselhos.
Primeiramente, repense que percentual do montante disponível para investimentos deve ser alocado em renda variável. A resposta depende de cada um, mas especificamente depende do nível de risco ao qual você quer estar exposto. Se as recentes perdas no mercado te deram noites mal dormidas e uma ansiedade pela qual você não suportará passar novamente, é bem possível que você tenha excedido a sua tolerância a risco. Neste caso, reduza sua exposição, migrando parte dos seus investimentos em renda variável para investimentos menos arriscados. Lembre-se que não existe almoço grátis, de forma que potenciais gigantescos de retorno trazem consigo maior risco de perda também. Se você não ficar confortável com uma possível (e talvez até improvável) perda extrema, perceba isso como um sintoma de que você pode estar exposto excessivamente.
Você pode estar pensando o seguinte neste exato momento: “Ok, mas justo agora que os preços estão muito baratos é que eu devo vender parte da minha posição?” Bom, se você realmente pensou algo parecido, note que no seu pensamento há uma premissa: de que os preços atualmente estão baratos. Se você realmente já fez uma análise consistente e acredita que o mercado reagiu de forma mais dura que o necessário, tudo bem, proceda com sua estratégia e eventualmente até aumente sua posição (até para reduzir preço médio). Entretanto, lembre-se que há o outro lado: esses preços podem ficar ainda mais baratos e, acredite, há muitos investidores que ainda acham os preços em vigência muito caros: é o famoso sell-side do mercado. Os efeitos do coronavírus ainda não estão muito claros e, consequentemente, ainda não foram completamente precificados (para cima ou para baixo!). Eu realmente torço para que o pior já tenha passado, mas é inegável que existe a chance de as coisas ficarem ainda piores. Lembre-se: mesmo que você considere improvável tudo ficar ainda pior, improvável não significa impossível, não é mesmo?
O segundo conselho que dou é o seguinte: revise os fundamentos das companhias em que você investe. Quais os reais impactos do coronavírus no negócio da companhia? São efeitos conjunturais ou estruturais? Há consequências permanentes para o modelo de negócios da empresa? Procure por empresas que podem se beneficiar, de alguma forma, de possíveis oportunidades que esta crise pode gerar. Após uma análise minuciosa e serena, é bastante justo você concluir que deve reduzir ou mesmo se desfazer de algumas ações, manter outras e, inclusive, comprar (ou aumentar exposição a) determinadas companhias. Isso é, precisamente, o que grandes e competentes gestores estão fazendo por agora.
* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, professor do Coppead-UFRJ e especialista em investimentos.