No meu último artigo por aqui, sugeri que devemos ter ao menos três reservas de investimento, as quais chamei de caixinhas. Cada uma tem um objetivo: a caixinha de investimento para o curto prazo (também conhecida como reserva de emergência), a caixinha de investimento de médio prazo e a caixinha de investimento de longo prazo. E então o foco naquele texto foi a caixinha de curto prazo, quando pude indicar uma importante mudança cultural que, em minha opinião, deveria nortear a educação financeira de nossos filhos. Hoje, focarei na caixinha de médio prazo e novamente irei sugerir uma mudança cultural, que obviamente impacta a forma como educamos financeiramente os nossos pequenos.
A caixinha de investimentos para o médio prazo consiste em acumular dinheiro suficiente para itens que precisamos e queremos ao longo da vida. Podem entrar nessa caixinha, por exemplo, o carro da família, uma bela viagem de férias e até o sonho da casa própria. No Brasil, é fácil perceber que a cultura que prevalece é a do “querer, ter e financiar”.
MINHA PROPOSTA É MUDAR O COMPORTAMENTO CULTURAL DO “QUERER, TER E FINANCIAR” PARA O “QUERER, INVESTIR E TER”!
A cultura do “querer, ter e financiar” culmina em pagar após “ter”, de forma que precisamos ser financiados para adquirir aquele bem. O grande problema desta cultura é que os juros jogam contra nós e acabamos por pagar mais (muito mais) para ter o que queremos. O que defendo é a cultura de “investir” antes do “ter”, de forma que os juros trabalhem a nosso favor. Em outras palavras, se queremos algo que o dinheiro compre, devemos planejar e investir a fim de acumular o montante suficiente para a compra.
Sim, dessa maneira, precisamos esperar um pouco mais para ter o que queremos, mas em minha opinião (e fazendo as contas), vale muita a pena. Até porque, colocando um pouco de ciências comportamentais na discussão, nossa felicidade não depende exatamente do que temos, mas sim de nossas expectativas para o que teremos. Desta maneira, assim como não somos infelizes por não possuir uma Ferrari na garagem, podemos ajustar nossas expectativas para ter um carro bacana, fazer uma viagem de férias dos sonhos ou comprar nossa casa própria em um momento mais oportuno da nossa vida. Acredite: isso faz total diferença na forma como lidamos com a materialização dos nossos sonhos e, consequentemente, em nossa felicidade!
Vamos a um exemplo simples para mostrar como essa mudança cultural vale a pena. Os valores são meramente ilustrativos, mas servem para demonstrar o conceito. Suponha que dois amigos, Maria e João, precisem trocar de carro. Ambos têm salários semelhantes e possuem carros que podem ser vendidos por R$ 20 mil, além de terem economizado mais R$ 20 mil para um carro mais novo. Maria compra com seus R$ 40 mil um carro usado e mais barato. Já João resolve comprar o mesmo carro, porém zero quilômetro que custa R$ 80 mil. A diferença de R$ 40 mil será financiada, pois João não tem esse valor. Em um website de uma famosa financiadora de carros no Brasil, que clama ter as “melhores taxas do mercado”, identifiquei que os R$ 40 mil poderiam ser financiados em 48 prestações (prazo bem comum para carros) de R$ 1.220 (acredite, busquei outras simulações e achei parcelas de até R$ 1.500).
Ao longo dos próximos quatro anos, enquanto João paga as prestações do seu carro zero, Maria investe o mesmo montante de R$ 1.220 todos os meses. E, ao final deste período, utilizando taxas de mercado, Maria acumularia cerca de R$ 66 mil e teria mais R$ 20 mil decorrentes da venda do seu carro usado (supondo uma desvalorização de 50% em quatro anos). Mesmo que o carro zero custasse mais por conta da inflação, Maria teria R$ 86 mil em mãos para pagamento à vista e estaria em ótima posição inclusive para barganhar um belo desconto. Fatalmente, ela conseguiria comprar o carro zero à vista, sem necessidade de financiamento.
Por sua vez, o carro de João valeria cerca de R$ 40 mil (com a mesma premissa de 50% de desvalorização) e, para comprar a versão zero, precisaria novamente financiar a diferença. Esta diferença, inclusive, seria maior pelo efeito inflacionário, culminando em uma nova prestação maior do que a anterior.
Perceba o que acontece com a repetição deste ciclo ao longo do tempo. João (adepto da cultura do “querer, ter e financiar”) precisará aumentar cada vez mais a parcela do seu financiamento se quiser sempre renovar seu carro para um zero quilômetro. Ele entra em um espiral de financiamento que fica cada vez mais caro. E note que se ele quiser fazer a mudança cultural, o passar do tempo torna isso cada vez mais difícil e caro.
Por sua vez, Maria (adepta da cultura do “querer, investir e ter”) terá cada vez mais dinheiro acumulado com o passar dos anos. Na terceira compra, ela terá acumulado mais do que R$ 66 mil (pelo efeito inflacionário) e terá mais R$ 40 e poucos mil da venda do seu carro: com algo próximo de R$ 110 mil, ela poderá comprar um carro zero ainda melhor do que o anterior, e novamente sem necessidade de financiamento.
Em resumo, Maria entrará num ciclo virtuoso e poderá comprar um carro zero cada vez melhor, já que os juros irão trabalhar sempre a seu favor. Infelizmente, João se verá num ciclo vicioso que cada vez mais sugará seus recursos para comprar sempre o mesmo modelo de carro zero (seu nível de felicidade permanece o mesmo, mas torna-se paradoxalmente mais caro com o passar do tempo).
E qual foi o preço que Maria precisou pagar em relação a João para entrar em seu ciclo virtuoso em vez do ciclo vicioso do amigo? Ela precisou simplesmente abdicar do carro zero uma única vez, logo no início da sua jornada. Mas, em contrapartida, se dará vários carros zeros e cada vez melhores do que os carros zeros que João conseguirá comprar. Se João quiser sempre comprar o mesmo carro zero que Maria, terá de trabalhar muito mais, aumentando cada vez mais as parcelas do seu financiamento. Para mim, não há a menor dúvida de que a estratégia do “querer, investir e ter” facilita, e muito, a nossa vida financeira e, portanto, o caminho para a felicidade. Ela faz o nosso dinheiro comprar mais!
Você pode estar se perguntando qual é a mágica por detrás disso. A resposta é fácil: a forma como lidamos com o dinheiro nos diz se nós trabalharemos para ele ou se ele trabalhará para nós. Na cultura do “querer, investir e ter”, os juros trabalham a nosso favor, sendo uma força propulsora de acumulação de riqueza e do nosso poder de compra. Já na cultura do “querer, ter e financiar”, os juros estão contra você, tal como uma força de atrito que destrói sua riqueza (ou que demanda muito mais esforço para conquistar as mesmas coisas).
E aí, vamos mudar este comportamento cultural? Venha para o time do “querer, investir e ter” e, principalmente, passemos a educar aqueles que amamos segundo este conceito. Comente abaixo o que você achou, pois isso me ajuda a impactar mais e mais pessoas! Ah, e para saber muito mais e acompanhar todo o meu trabalho, fica o convite para me seguir (@carlosheitorcampani) no Instagram, no LinkedIn e no Youtube.
Forte e respeitoso abraço a todos vocês.
* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, Certificado pelo CNPI e Pesquisador da ENS – Escola de Negócios e Seguros. Além disso, ele é Diretor Acadêmico da iluminus – Academia de Finanças e Sócio-Fundador da CHC Treinamento e Consultoria. Campani pode ser encontrado em www.carlosheitorcampani.com e nas redes sociais: @carlosheitorcampani. Esta coluna sai a cada duas semanas, sempre na quinta-feira.