Uma coisa que deve ser notada, não sem certa tristeza ou questionamento, é que o Brasil não está no núcleo da economia digital no mundo. Não somos exatamente grandes produtores de tecnologia e, apesar de haver muito capital humano de excelência e pesquisadores de ponta por aqui, ainda não pensamos em tecnologia ao falar do nosso país. O mesmo se aplica para criptomoedas: o Brasil possui poucas pessoas com proeminência internacional ao falar do desenvolvimento dessa classe de ativos. Naturalmente há exceções, como o russo Sergei Popov, professor da Unicamp e mente por trás do White paper do IOTA, porém nossa terra não é o primeiro lugar que pensamos ao falar de criptografia.
Dito isso, é com certa alegria que devemos reparar que há um ecossistema florescendo de institutos privados que se aproximam de inovações digitais. Nesse sábado, há no Rio de Janeiro um evento discreto, porém de peso internacional: o Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS) trará ao Brasil membros importantes da fundação que toca a criptomoeda NEO no evento “Laboratório de tecnologias distribuídas: NEO Smart Economy”. Esse evento foca numa criptomoeda cuja estrutura sou algo crítico após um recente problema em sua blockchain (como pode ser visto aqui, na coluna, e em minha pesquisa acadêmica), porém, apesar da minha opinião, é inegavelmente um evento de peso. Tê-lo em minha cidade natal me deixa positivamente surpreso e otimista.
A inserção do país nesse mercado não é apenas ufanismo bobo, porém um vislumbre de oportunidades de investimento. Ao entender como as tecnologias derivadas da blockchain ou de outros algoritmos podem impactar em logística, detecção de fraudes ou aprimoramento – quiçá substituição – de instituições medievais como cartórios, não há apenas potencial de melhorar o país, porém melhorá-lo oferecendo serviços lucrativos. A beleza do altruísmo numa sociedade capitalista é que ele pode, muito bem, vir de pessoas “egoístas” querendo apenas seu lucro: a era da blockchain não é diferente.
Entretanto, a primeira coisa que para um economista mais bem treinado apita ao se falar de “economia colaborativa”, “economia da Wikipédia” e demais jargões é que isso não condiz com a realidade brasileira: a economia é regida por instituições e empreender é, pelo mal funcionamento das instituições brasileiras, tarefa demasiado ingrata. Isso vale para empreendimentos físicos e para empreendimentos digitais. A economia do país continua pouco complexa e diversificada, mesmo com a chegada da era dos computadores, internet e, agora, criptoativos. O que muda para “a economia da blockchain”?
A sociedade civil brasileira em alguns setores está mais atuante que outros; as organizações ligadas a tecnologia são um exemplo extremamente positivo. No que diz respeito a Direito da Informática, por mais que alguns juízes ainda acionem discricionariamente recursos que deveriam ser de último caso (e.g. bloqueio de aplicativos), organizações como o próprio ITS e a Íris (Instituto de Referência em Internet e Sociedade) conseguem monitorar o respeito ou não a instituições modernas como o Marco Civil da Internet. Apesar de medidas draconianas como a proposta de banimento das criptomoedas, há organizações da sociedade civil que conseguem espaço em debates na câmara para se manifestar contrariamente. Institutos como a FGV se modernizam e adicionam temas de blockchain às suas aulas e pesquisas. Não são poucas conquistas que podem pavimentar um mercado ativo no país.
Naturalmente, há desafios intrínsecos às tecnologias que independem de governos. Um exemplo clássico que pude observar atuando no setor é explicar o que, de fato, é uma blockchain, “como essa base de dados custa tão caro?” e outras perguntas do tipo. Essas questões precisam ser ainda respondidas, porém há diversas formas de se gerar riqueza com criptoativos. Para quem está comprado na hipótese que criptoativos gerarão riqueza via tokenização de ativos e demais smart contracts, por exemplo, ter esse ecossistema florescendo no Brasil é fundamental. O governo continua sendo uma barreira, mas parece que é uma barreira dobrável. Nesse caso, eventos onde é possível aprender a nível global sobre as tecnologias são um sinal ótimo e, recomendo, que aproveitem todos que puderem.