Em queda ao longo das últimas três semanas, graças à melhora de apetite ao risco no exterior e apesar do alto grau de incerteza política no país, o dólar se aproxima do patamar-chave de R$5.250 deixando sinais de uma possível exaustão de força na queda. Tendo em vista que os fundamentos macroeconômicos do Brasil continuam extremamente frágeis, que a imagem do Brasil no exterior segue extremamente desgastada – e, ao contrário do que afirmou o presidente, não porque a mídia internacional é de esquerda -, parece mais provável uma retomada da alta na medida em que o Banco Central deixe de intervir diretamente no mercado de câmbio.
Comecemos pelo ponto de vista dos fundamentos, a queda no preço da cotação do dólar no Brasil converge com o enfraquecimento global do dólar nesse período. Tanto o Dollar Index (DXY) quando o Dow Jones FXCM Dollar Index (USDOLLAR), que medem a força da moeda contra pares de outras economias desenvolvidas (o primeiro, com ênfase no Euro; o segundo, sem ponderação por moeda específica) registraram queda no período. Na comparação mensal, o dólar só não perdeu força frente ao iene japonês (JPY) e a libra esterlina (GBP).
Entretanto, o relatório Commitment of Traders (COT), que lista a abertura ou fechamento de posições de grandes agentes especulativos da Bolsa de Chicago, mostra contínuo posicionamento na compra, que costuma indicar uma alta a médio prazo. No que diz respeito ao real brasileiro, tais agentes encerraram boa parte das posições especulativas na semana de 13 de abril e segue estável desde então com cerca de 10 mil contratos em aberto, mostrando convicção na retomada do processo de desvalorização da divisa nacional.
Imagem do Brasil no exterior dificulta recuperação
Levando em conta a deterioração sem precedentes da imagem Brasileira no exterior, dificilmente a queda observada até o momento no preço do dólar se mostrará sustentável, uma vez que depende em grande medida de um fluxo de entrada de capital estrangeiro no país e do estancamento de sua saída. Uma rápida busca no Google (NASDAQ:GOOGL) News com a palavra-chave “Brazil” (com “z”, para retornar resultados em Inglês) traz um apanhado sinistro das principais notícias sobre o país no exterior. Referências ao despreparo e descaso com a pandemia de Covid-19 por parte do presidente, Jair Bolsonaro, e sua equipe de ministros, abundam.
Enganam-se aqueles/as que pensam se tratarem exclusivamente de veículos de esquerda – termo que, no vocabulário bolsonarista, inclui qualquer um que fizer críticas ao líder do executivo. O Financial Times, notoriamente conservador pró-mercado, traz coluna com o título: “Populismo de Bolsonaro está levando o Brasil ao desastre”. Veículos progressistas, como o The Guardian, trazem matéria sobre a morte de enfermeiras/os por falta de equipamentos, sublinhados pela insistência do governo federal em minimizar a crise sanitária – o número desses/as profissionais que morreram no Brasil é maior do que em qualquer outro país do mundo. O Los Angeles Times, no mesmo sentido, traz matéria intitulada “No Brasil de Bolsonaro, a culpa é de todas as outras pessoas”.
Já a Time Magazine, uma das mais tradicionais publicações dos Estados Unidos, escreve: “em 9 de maio, o número de mortes por causa do Coronavirus passou de 10 mil. Ao invés de responder a essa marca mórbida com um pronunciamento ou sinal de respeito pelas vítimas, o presidente Jair Bolsonaro saiu para dar uma volta de jet ski”; complementando em seguida que “mesmo para os padrões de outros populistas de direita que minimizam o impacto da pandemia de Covid-19, o grau de afronta a realidade de Bolsonaro foi chocante.
Sem mencionar os episódios anteriores, como o reiterado desprezo pela preservação ambiental, evidente na fala do ministro Ricardo Salles (que foi reverberada internacionalmente), num mundo cada vez mais comprometido com a economia verde, fica difícil imaginar que investidores/as estrangeiros/as se interessem pelo país.
Isto, apesar da insistência algo delirante de Paulo Guedes, para quem o Brasil estava decolando – apesar do fracasso do “mega”-leilão do Pré-Sal, do resultado pífio do PIB e saída recorde de capital estrangeiro da bolsa – e para quem o mundo se voltará em busca de oportunidades caso concretize seu projeto ultraliberal – mais uma vez, a despeito de qualquer evidência ou fundamento lógico. Não por acaso, o banco Credit Suisse declarou o real uma moeda “tóxica”, projetando câmbio na casa dos R$6.20.
Aspectos técnicos sugerem exaustão da queda
Tomando de referência o gráfico de cotação do dólar futuro, há também pistas que sugerem uma provável regressão a tendência de alta no curto e médio prazo. A região de R$5.25 é, por uma série de motivos que listo a seguir, extremamente relevante para o preço da moeda americana, a começar pelo seu apelo “psicológico” (um quarto do caminho entre R$5 e R$6).
Se tomarmos como referência o período que vai de 10 de fevereiro até o dia de hoje, trata-se do ponto no qual se concentrou o maior volume de negociação ao longo desses meses. Coincide, ainda, com o que chamamos de VWAP (volume-weighted average price), ou seja, o preço médio ponderado pelo volume negociado. Em outras palavras, considerando que se trata de um ponto que despertou alto interesse no passado e que, comparado com o preço recente, pode se mostrar atraente para compra (alta demanda) mas desinteressante para venda (baixa oferta), imputando pressão de alta no preço da moeda.
Tomando como referência o gráfico diário do dólar futuro, observa-se também aquilo que, no jargão técnico, chamamos de divergência de alta entre a atividade de preço e dois importantes indicadores: o índice de força relativa (IFR) e o money flow index (MFI). O primeiro compara a diferença entre o fechamento atual em relação as sessões anteriores, o segundo faz um cálculo semelhante, mas pondera o resultado pelo volume negociado. Uma divergência ocorre quando o preço se comporta de uma forma marcadamente diferente do indicador, sugerindo uma possível reversão de sentido.
No presente caso, o preço do câmbio chegou a um patamar ligeiramente mais baixo que a última mínima de preço, firmada no dia 29 de abril (R$5.332,5). No momento em que escrevo, a mínima do dia segue em R$5.271,5, algo em torno de 60 pontos – para se ter uma ideia, a oscilação média, indicada pela ferramenta average true range (ATR) nos últimos 13 dias foi de 120 pontos. Entretanto, tanto o IFR (13 períodos) quanto o MFI (21 períodos) registram uma baixa muito mais pronunciada.
O que isso significa, no âmbito da análise técnica, é que apear de uma movimentação muito forte nos indicadores, o preço não foi capaz de corresponder a essa leitura registrando uma baixa mais pronunciada. Em outras palavras, foi necessário um esforço muito grande para obter um resultado (movimentação de preço) relativamente pequena, o que no geral sugere o possível esgotamento da pressão de venda e provável retomada da pressão compradora, impulsionando os preços para cima.
Em todo caso, considerando que o preço rompa o patamar de R$5.25 para baixo, os níveis entre R$5.20 e R$5.18, seguido daquele entre R$5.10 e R$5.07, que também concentram alta concentração de volume de negociação, podem eventualmente frear a queda no preço do dólar. Caso a queda continue a partir daí, será necessária uma nova análise para reavaliar os aspectos técnicos da cotação e traçar novas considerações, incluindo uma possível reversão para tendência de baixa.
Sobre o autor: André Salmerón é trader e jornalista na área de Economia, com foco no mercado internacional de câmbio. Contato: afsalmeron@gmail.com.
Fontes:
https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/05/25/bolsonaro-diz-ter-imagem-ruim-exterior-por-imprensa-mundial-ser-de-esquerda.htm
https://www.latimes.com/world-nation/story/2020-05-25/in-bolsonaros-brazil-everyone-else-is-to-blame-for-virus
https://www.theguardian.com/world/2020/may/27/brazil-coronavirus-nurses-deaths-cases
https://www.ft.com/content/c39fadfe-9e60-11ea-b65d-489c67b0d85d
https://time.com/5840208/brazil-coronavirus/
https://economia.uol.com.br/noticias/reuters/2020/05/20/credit-suisse-segue-prevendo-dolar-a-r620-e-diz-que-real-e-moeda-toxica.html