Eliminamos a inflação inercial e a inflação estrutural no Brasil com uma reforma monetária. Foi mais ou menos assim que Gustavo Franco encerrou sua coluna no Estadão no último domingo. Não foram exatamente essas palavras, mas o espírito era esse.
Há algo muito particular no Brasil: achamos que tudo nos é muito particular. Encontramos jabuticabas em tudo que é lugar. Não havia nada muito idiossincrático na inflação brasileira. Ela era, como qualquer outra, um fenômeno monetário. Esta é a natureza da inflação: a perda de valor da moeda ou a mera desconfiança na perda de seu valor, o que acaba dando no mesmo, porque vira uma profecia autorrealizável.
Quando Ray Dalio nos diz algo tão simples e direto quanto “compre qualquer coisa”, ele está basicamente nos alertando para a deterioração do valor do dinheiro.
Contaminados pelo viés de representatividade, tomamos a ausência de inflação nos últimos anos no mundo como uma evidência de que não haverá inflação nunca mais. Não é porque passamos por um período de aquecimento global que não teremos mais temporadas de menor atividade solar. É uma falácia lógica. Bom, mas essa é outra história.
Desde a crise de 2008 e, à época, a proposta até heterodoxa de Ben Bernanke de enveredarmos pelo quantitative easing, ou seja, a agressiva compra de títulos no mercado pelos bancos centrais, as autoridades monetárias têm sido muito felizes em gerar reflação de ativos financeiros, mas menos bem-sucedidas para fomentar a inflação. Como diria André Jakurski, o fenômeno nem é tanto uma alta dos mercados, mas uma queda do dinheiro. O bull market pós-subprime é, em grande medida, o bear market da moeda fiduciária. O dinheiro perde valor contra ativos financeiros, mas não tanto frente aos produtos e serviços do mercado de bens.
A hipótese talvez mais popular e conhecida para explicar a ausência de inflação no mundo seja aquela recuperada por Larry Summers e originalmente proposta por Alvin Hansen para contexto da Grande Depressão: os países desenvolvidos sofrem de excesso de poupança, basicamente por conta da demografia e da tecnologia.
Com a população ficando mais velha, o nível de consumo geral cai. Idosos já consomem menos. E se você sabe que vai viver por muito mais tempo, inclusive por um longo período com menor capacidade de trabalho, já começa a poupar hoje.
Ao mesmo tempo, a tecnologia permite que, com muito menos capital, possamos fazer muito mais coisa. A demanda por investimentos (e por fundos emprestáveis) cai muito. A tecnologia é deflacionária. Com dois cliques, você descobre o preço mais baixo do mundo para seu vinho favorito na quarentena.
Daí basta recorrer aos chamados processos cumulativos de Wicksell e aplicar o conceito. Chegamos a taxas de juro muito baixas, inclusive com os juros de equilíbrio em território (bem) negativo.
A resposta de política econômica corretamente prescrita seria aumento do gasto público. Mas perceba que, embora a expansão monetária tenha sido gigantesca em resposta à grande crise de 2008, não houve a mesma ação coordenada e profunda em âmbito fiscal.
Agora, porém, é o contrário. Até mesmo a Europa, que não fazia nada de fiscal desde 2010, com alguns países inclusive indo na direção contrária, passa a fazer com vigor e ordenamento agora.
Portanto, se as hipóteses teóricas aqui descritas encontram, de fato, ressonância na prática, então teremos uma situação diferente daquela dos últimos anos. Convergiríamos para taxas de juro de equilíbrio mais altas e inflação mais alta também.
Isso exige, claro, um novo posicionamento de carteiras.
Ações, representando pedaços de empresas, são ativos reais e, portanto, andam bem em períodos de inflação (contanto que ela esteja razoavelmente controlada e não cause esgarçamento do tecido social ou grande desequilíbrio macro). Lucros andam nominalmente (principalmente para quem tem “pricing power”) e, portanto, os preços das ações devem andar na mesma proporção; caso contrário, há compressão de múltiplos. Para manter o mesmo Preço/Lucro, as duas coisas devem caminhar juntas.
Dois elementos principais reforçam minha visão prospectiva favorável às ações, apontando aqui a possibilidade de termos uma alta súbita e vigorosa em poucos meses, conforme caminhemos com a vacinação e a retomada cíclica da economia.
Martín Escobari, da GA, tem uma metáfora apropriada para o momento. Ele costuma dizer que é razoavelmente fácil descobrir o que vai acontecer no Brasil. Basta você saber o que rolou nos EUA e trazer para nosso contexto. Olhe Miami agora. Está tudo lotado. Restaurantes, bares, lojas. Olhe o comportamento das ações do “kit aglomeração”. Muito shopping dobrou em poucos meses. Aqui vai ser igualzinho.
O segundo grande argumento é valuation. Estamos bem atrás da maior parte das Bolsas internacionais (com os devidos deméritos, fique claro). O P/L médio de nossas ações projetado para os próximos 12 meses está um desvio-padrão abaixo da média histórica. E o prêmio de risco das ações sobre a renda fixa, a depender do cálculo, chega a dois desvios-padrão da média.
Na renda fixa, títulos que perdem com a alta da inflação devem ser preteridos. NTN-Bs me parecem particularmente interessantes agora. Se as coisas forem bem, esse nominal longo precisa ceder. Se as coisas forem mal, entramos em dominância fiscal e o Banco Central acaba financiando a dívida com inflação. Não há saída. Você é forçado a perder a batalha para a inflação e financiamos a dívida do pior jeito possível, via senhoriagem.
A contrapartida à inflação é a perda do valor da sua moeda. O dólar contra o real é uma variável nominal também e isso pode subir muito mais do que nossas cabecinhas lineares gostariam de supor.
Resumo para o segundo trimestre: Bolsa, dólar e NTN-B. Em plena pandemia, não dá para apreciar nada com moderação.