Nas últimas semanas, o tema predominante no debate econômico brasileiro tem sido as contas públicas. O governo Lula anunciou um pacote de medidas que misturou cortes e aumento de gastos, gerando confusão e frustração no mercado. A reação, como sabemos, foi imediata: alta do dólar, queda da bolsa e uma curva de juros ainda mais pressionada.
Este cenário reflete não apenas a complexidade do pacote, mas também as expectativas frustradas de um mercado que aguardava há semanas medidas mais robustas e coordenadas.
Em um bate-papo com a Tatiana Pinheiro, economista-chefe da Galapagos Capital, levantei alguns pontos que gostaria de compartilhar com vocês para ajudar a contextualizar todo este movimento.
Afinal de contas, o governo anunciou um corte, mas ainda assim a reação foi negativa.
Um ponto crítico apontado por Tatiana foi o aumento histórico nos gastos com seguro-desemprego, mesmo com um mercado de trabalho aquecido e com uma taxa de desemprego em 6,2%, a menor da série histórica do IBGE.
Esse descompasso revela que ajustes importantes, como a reavaliação das regras para concessão do benefício, não foram realizados.
Ou seja, como gastamos tanto com seguro-desemprego em um cenário no qual a maior parte das pessoas estão conseguindo empregos?
Outro ponto apontado pela economista foi o uso limitado dos recursos do Fundeb para o orçamento da educação. Segundo Tatiana, o governo poderia utilizar R$13 bilhões do fundo para compor as verbas da pasta, o que poderia gerar uma economia importante, mas optou por usar apenas uma parte, R$5 bilhões.
E o terceiro ponto negativo foi a inclusão de temas não correlatos, como a Reforma Tributária da Renda, que não será enviada este ano e só gerou mais confusão.
A medida de isenção de Imposto de Renda para a faixa de até R$5 mil trouxe incertezas adicionais ao cenário fiscal de longo prazo, especialmente porque acrescenta um gasto de R$35 bilhões a uma situação já considerada delicada.
O resultado dessa mistura foi uma percepção de desorganização, o que, segundo os agentes de mercado, compromete a confiança dos investidores locais e estrangeiros.
Diante disso, a Tatiana Pinheiro observa que a resposta do mercado foi a de manter a cautela.
Isto porque as incertezas fiscais advindas do anúncio impulsionaram a curva de juros para patamares próximos a 15%, enquanto a depreciação do câmbio chegou a R$6 por dólar, o que aumenta mais ainda a pressão inflacionária.
Segundo ela, essa deterioração amplia o desafio para o próximo presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, que herdará um ambiente complexo em termos de inflação e estabilidade econômica.
Mas, felizmente, apesar de um cenário doméstico preocupante, Tatiana destaca que fatores internacionais podem contribuir positivamente para a economia do Brasil.
Segundo a economista, a eleição de Donald Trump, que parece adotar um perfil mais negociador do que em 2016, tende a mitigar impactos inflacionários globais, como guerras tarifárias, favorecendo países emergentes.
Além disso, o potencial corte de juros nos EUA em 2025 também pode aliviar as condições financeiras globais, permitindo uma maior entrada de capital em países como o Brasil, que está com um juro real bastante atrativo.
Por fim, Tatiana explica que para reverter este quadro é necessário que o governo implemente medidas fiscais mais claras e eficientes, ajustando as contas públicas e sinalizando um compromisso com o equilíbrio econômico de forma mais fiel.
Um ponto positivo do pacote destacado por ela foi a revisão da regra de reajuste do salário mínimo, alinhando-a à evolução das despesas, o que deve gerar uma economia relevante.
No entanto, este item isolado não foi suficiente para equilibrar as falhas de comunicação e a falta de organização do pacote. Precisamos de mais do que isso.
Para Tatiana, o Brasil precisa de um plano coeso que reduza as incertezas fiscais e ofereça perspectivas reais de crescimento sustentável.
Somente com ações coordenadas e confiança restaurada será possível aproveitar os ventos externos favoráveis e reverter o atual cenário de cautela, elevando o país a um patamar de maior estabilidade econômica e, claro, social.
Pense nisso e até a próxima!