A tensão política em Brasília e em Washington azedou o humor dos investidores ontem e deve continuar estressando o mercado financeiro hoje, apesar do sinal positivo ensaiado pelos índices futuros das bolsas de Nova York nesta manhã. Tanto lá como cá, a Câmara discute pedidos de impeachment contra os presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro, o que tende a manter os ativos de risco em suspense.
Com a pandemia ganhando força, em meio aos recordes globais de casos e óbitos da covid-19, a sensação é de que as vacinas ainda estão perdendo a guerra para o coronavírus em várias partes do mundo. Imagina, então, aqui no Brasil, onde a imunização começa “na hora H, no dia D” - conforme palavras do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello - porém, segue sem previsão. As próximas semanas, então, serão difíceis na cena local.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, admite ser possível o presidente Jair Bolsonaro sofrer um processo de impeachment, caso a vacinação no país demore (mais) para começar. Porém, ele nega que irá encaminhar o pedido de abertura, às vésperas do fim do mandato na Casa. Aliás, as eleições no Congresso seguem como pano de fundo, diante das investidas de deputados e senadores em votar pautas relacionadas à pandemia.
Com a covid-19 batendo marcas por aqui, tanto em casos de contágio quanto em mortes, é praticamente inevitável uma nova rodada do auxílio emergencial aos mais vulneráveis. Da mesma forma, é crescente a possibilidade de um novo decreto de calamidade neste ano. Aos olhos do mercado financeiro, ambas as medidas representam apenas uma piora das contas públicas, e o crescente risco fiscal se reflete nos preços dos ativos.
Não foi à toa a queda de quase 1,5% do Ibovespa ontem, bem maior que as perdas moderadas em Wall Street. A Bolsa brasileira devolveu parte dos ganhos conquistados na semana passada, quando fechou os últimos dois pregões em máximas históricas. As preocupações de sempre em relação ao “teto dos gastos” também penalizaram a renda variável, mas o impacto maior foi sentido mesmo no mercado de juros futuros.
O trecho longo da curva a termo registrou ontem a mais longa sequência de alta em mais de dois anos, incorporando prêmios há cinco sessões, em meio aos receios com o quadro fiscal e a disputa política no Brasil. O temor de um abandono da agenda de reformas pesou, pressionando também o dólar, já cotado na faixa de R$ 5,50, embora em ambos os mercados o cenário externo também tenha influenciado.
Bonança pós-tempestade
Lá fora, os mercados seguem divididos entre a dose cavalar de dinheiro injetada pelos principais bancos centrais globais desde março, combinada com a perspectiva de estímulos adicionais, e a recente turbulência política nos Estados Unidos. A presidente da Câmara, Nancy Pelosi, deve fazer hoje um ultimato ao vice-presidente Mike Pence, exigindo que ele invoque a 25ª emenda constitucional para remover Donald Trump do cargo.
Caso Pence não faça isso “em 24 horas”, a Casa poderá votar o impeachment de Trump amanhã, apenas uma semana antes do fim do mandato. A posse do presidente eleito Joe Biden está marcada para o dia 20 de janeiro, quando se espera novos atos de apoiadores trumpistas. Porém, os investidores continuam vendo o atual presidente como um “pato manco” - expressão usada para se referir a um político no cargo sem poder algum.
Com isso, a tentativa de recuperação ensaiada para as bolsas de Nova York nesta manhã é apoiada na expectativa em relação ao pacote “na casa dos trilhões”, que deve ser anunciado por Biden na quinta-feira. Essa rodada adicional de estímulos fiscais embalou o pregão na Ásia, onde Xangai (+2,2%) e Hong Kong (+1,3%) lideraram os ganhos, e anima a abertura do pregão europeu. O petróleo avança, enquanto o dólar está de lado.
A diferença, então, é que a troca de comando na Casa Branca alimenta esperanças de que a economia norte-americana será impulsionada pela “onda azul”, com estratégias mais agressivas de combate à pandemia e gastos robustos para engrenar a atividade, capazes de garantir um primeiro semestre forte em 2021 nos EUA. Para os investidores, Biden tem chances de cumprir sua agenda de governo, fornecendo o estímulo e o apoio necessários.
Inflação salgada
O resultado oficial da inflação ao consumidor brasileiro em 2020 é o destaque da agenda. A expectativa é de que o IPCA acelere a 1,25% em dezembro, registrando a maior taxa para o mês desde 2002, acumulando alta de 4,40% em 12 meses. Com isso, o indicador deve encerrar o ano passado acima do centro da meta perseguida pelo Banco Central, de 4%.
Os números efetivos serão conhecidos às 9h, juntamente com os dados do INPC, que serve de referência para reajuste do salário mínimo, e dos custos na construção civil. Antes, às 8h, sai a primeira prévia deste mês do IGP-M. Já no exterior, destaque apenas para o relatório Jolts (12h) sobre as contratações e demissões nos EUA em novembro.