Deveria ser extremamente simples
Ao adquirir ações, você efetivamente se torna sócio de uma empresa.
A razão de se adquirir participação em uma empresa é fazer jus a uma parte dos lucros que ela gera.
Dividendo nada mais é do que a parcela do lucro que a administração da empresa decide distribuir aos acionistas com a finalidade de remunerar o capital investido na empresa.
Logo, a não ser que seu objetivo ao investir seja outro que não rentabilizar seu capital, dividendos importam. Se uma empresa não paga dividendos, então seu capital está sendo usado de graça.
Mas os economistas trataram de complicar
Mas, porém, contudo, entretanto...
Dois economistas, nos anos 70, publicaram um artigo demonstrando que, em teoria, assumindo um extenso conjunto de hipóteses, dividendos seriam irrelevantes.
Trocando em miúdos, a premissa geral é de que o lucro não distribuído na forma de dividendos pode ser reinvestido na operação da empresa e transformado em crescimento.
E, segundo as premissas do artigo, o mercado é eficiente - tudo vê e tudo sabe. E, portanto, o preço das ações sempre reflete, o tempo todo, o quanto o negócio da empresa vale.
Consequentemente, daria na mesma para o investidor receber os dividendos ou assistir à valorização de suas ações.
Na prática, a teoria é outra
A grande questão é que o tal conjunto de hipóteses do artigo não se observa na realidade.
Não obstante, a turma de finanças fez o que quase sempre faz: assumiu a conclusão do artigo como verdadeira independentemente da validade (ou não) daquele extenso rol de premissas.
E virou um mantra a história de que dividendo não importa.
E um amplo grupo de empresas passou a se sentir exonerada da responsabilidade de remunerar o capital nelas investidos pelos acionistas, pois a "mão invisível do mercado" se encarregaria de fazer isto por elas ao ajustar seus respectivos valores de tela à mais perfeita expressão de seus resultados futuros.
O problema é que existe uma ampla literatura apontando em outras direções que a maioria dos detratores dos dividendos parece ignorar.
Todo excesso é ruim
A premissa de que a capacidade de reinvestimento de uma empresa tem como único limitador a disponibilidade de capital é absurda.
No Excel é lindo: a empresa tem 100 milhões de lucro com um capital investido de 1 bilhão, então o retorno é de 10 por cento. Se o capital for para 2 bilhões, o lucro é de 200 milhões. Se 5 bilhões, 500 milhões.
O problema é que, no mundo real, nem sempre existem novas oportunidades de investimento por parte da empresa com potencial de geração de retorno equivalente aos investimentos feitos anteriormente. E, por questões gerenciais, o número de novas iniciativas passíveis de administração pelos executivos é finito.
Uma maneira bastante eficiente de quebrar é tentar fazer novas coisas num ritmo maior do que se é capaz de administrar. Não se trata somente de dinheiro.
Excesso de dinheiro também é um problema.
Ao infinito e além?
Uma das possíveis consequências nefastas de excesso de recursos dentro de uma empresa é a chamada diworsification, ou diversificação para pior.
Certa feita uma empresa de autopeças do sul do País, que tinha capital aberto, estava com caixa sobrando. Na falta de destinação para ele em seu segmento de atuação, os executivos tiveram a brilhante ideia de construir um shopping center.
Resultado? O negócio só não sumiu do mapa porque, muitos anos depois, um grupo estrangeiro comprou a operação de autopeças (a preço de banana) e fechou capital. Para os acionistas, a brincadeira foi um desastre.
Uma série de evidências empíricas sugerem que o excesso de caixa faz com que executivos sejam pouco seletivos com novos projetos de investimento - o que, a longo prazo, se traduz em um retorno PIOR para os acionistas.
E uma maneira de manter a gestão "sob rédea curta" é, justamente, demandar que a empresa seja lucrativa e destine, sistematicamente, parte de seus lucros diretamente aos bolsos dos que as financiam.
"Dividendo sai do preço da ação"
Essa é outra que eu acho simplesmente maravilhosa: dividendos não fariam sentido porque, como são "descontados do preço da ação", seriam como trocar dinheiro de bolso.
A primeira coisa que se aprende em matemática financeira é que o dinheiro tem valor no tempo. Em outras palavras, o valor de 1 real na minha mão hoje é maior do que 1 real daqui a 1 ano.
Consequentemente, o preço da ação de uma empresa A, que vai depositar 1 real na minha conta amanhã precisa ser diferente do preço da ação de outra empresa B, idêntica, que vai depositar esse mesmo 1 real daqui a 12 meses.
A e B são a mesma empresa. A, antes de pagar; B, imediatamente depois.
Aí te pergunto: sabendo que a empresa pagou dividendo ontem e só voltará a pagar após transcorrido um determinado período de tempo, você pagaria a mesma coisa por ela?
É justamente o que o mercado faz: ajusta o preço.
Por fim: uma empresa saudável está constantemente gerando novas receitas e lucros. Não é uma quantidade estática de dinheiro. Pela ótica de quem acredita no "desconto do preço da ação", transcorrido certo tempo o investimento deveria valer zero porquanto tudo foi distribuído na forma de proventos.
Pura miopia.
Sinais importam
No mundo da teoria de finanças, os mercados eficientes detêm toda a informação a respeito das empresas, que está constante e permanentemente incorporada ao preço de mercado.
Na prática, você há de convir comigo que os executivos da empresa sabem mais a respeito do que se passa lá dentro do que eu e você. E, a não ser que você ache que o valor intrínseco de uma empresa pode oscilar 30, 40, 50 por cento num intervalo de 12 meses, então não existe nenhuma garantira de que o preço de mercado reflita o tempo todo, corretamente, o valor justo da empresa.
Há ampla literatura apontando que, reconhecida a existência de assimetria de informação no mundo real (uns sabem mais do que os outros - no caso, executivos e público em geral), uma política de dividendos consistente ao longo do tempo tem um papel importante de sinalização da saúde financeira do negócio.
Se uma empresa paga dividendo religiosamente e, de depente, anuncia que não pagará, isto tende a ser interpretado como sinal de que algo não está bem. Se, por contrário, é anunciado um aumento dos dividendos regulares, isto tende a ser percebido como aumento da saúde do negócio.
Cuidado com discursos fáceis
Eu acredito fielmente que ações pagadoras de dividendos deveriam representar a base de uma carteira de investimentos para a maioria dos investidores.
Aí, a depender de cada caso específico, pode-se (ou não) adicionar outras
coisas: teses de crescimento, por exemplo.
O grande problema é que dividendos não se prestam ao discurso fácil do "ganhe dinheiro rápido" que atrai tanta gente para a bolsa (pelo menos em tempo de mercado em alta...).
Poucos querem ficar ricos devagar.
Conselho? Busque entender o investimento com foco em dividendos. E invista (boa) parte de seu patrimônio destinado à bolsa em teses assim.
Nem precisa ser com a minha carteira.
Se quiser, faça por conta própria. Ou recorra às inúmeras opções disponíveis por aí hoje em dia.
(Mas, cá entre nós, eu tenho bastante orgulho do trabalho que faço hoje)