Na sua opinião: o que é mais importante para uma empresa conseguir enfrentar uma crise?
Você pode estar pensando: não deixar de gerar lucro!
Ok. Concordo com você e faz bastante sentido.
É muito importante uma empresa conseguir gerar faturamento suficiente para custear a sua operação, seus credores, o governo e ainda sobrar para remunerar o seu acionista.
Afinal, se não houver esse excedente, não há remuneração para quem colocou o seu suado dinheirinho no negócio.
Logo, é fundamental manter os níveis de lucratividade, ainda mais em períodos de retração econômica.
É um sinal de resiliência, de negócio bom, de gestão eficiente.
Mas estamos esquecendo de um ponto muito importante para responder o meu questionamento inicial...
Veja que de nada vai adiantar uma empresa gerar lucro e rentabilidade se não dispuser de caixa para bancar o seu dia a dia.
Você deve estar se perguntando: mas como isso é possível? Ter lucro e não ter caixa? O lucro mencionado nas linhas acima já não faz o papel de bancar tudo isso?
Muita calma: ele até faz, mas existe uma pequena peculiaridade. E o racional é bastante simples. Acompanhe:
As vendas responsáveis por gerar os lucros não necessariamente significam dinheiro no bolso, pois as empresas podem vender a prazo.
O mesmo vale para custos e despesas com relação a saídas de caixa no momento em que são reconhecidas.
Vamos considerar o simples exemplo abaixo para facilitar o raciocínio.
Uma empresa vendeu um patinete a prazo por 100 reais em 10 vezes. Considerando que o pagamento da primeira parcela foi à vista, ela possui em um primeiro momento 100 reais de receita, mas apenas 10 reais no seu caixa.
Deu para ver a diferença?
O lucro entra no momento da venda. O caixa entra conforme o fluxo de pagamento é feito. São coisas bem diferentes.
Logo: lucro não é necessariamente caixa. Não é necessariamente dinheiro no bolso.
É importante ter uma empresa lucrativa. Mas é mais importante ainda ter uma empresa lucrativa e que gere caixa.
E gerar caixa depende não somente do ritmo das vendas e da precificação adequada, mas também da boa gestão de capital de giro, da boa execução de investimentos e do sucesso de novas captações.
E você pode pensar: ok. Entendi. Mas qual a lição sobre isso tudo?
Na prática
Vamos aplicar um pouco desse ensinamento ao que estamos vivendo agora. Quem você acha que vai levar a melhor frente às incertezas dos choques provocados pelo Covid-19?
Acertou quem disse que são as empresas com boa posição de caixa.
As que geram caixa e possuem disponibilidades para fazer frente ao momento de maior turbulência de agora.
São essas que conseguem ter maior margem de manobra em um terreno difícil. Em uma situação adversa.
Analogamente falando, ter caixa seria a mesma coisa que dirigir um veículo off-road na lama.
Não ter caixa é como tentar atravessar um riacho de Ferrari. Claramente, vai ser muito mais difícil.
Me conforta muito mais o quadro de empresas que disponham de liquidez para fazer frente às incertezas do momento atual provocadas pelo Covid-19.
De empresas que apresentem histórico de boa gestão de caixa.
De empresas que tenham, conscientemente ou não, se antecipado ao momento realizando captações em boas condições no mercado, seja via dívida ou equity (follow-ons, IPOs, …).
De empresas que apresentam flexibilidade junto a fornecedores e demais credores para, nesse momento, renegociar prazos e conservar caixa.
De empresas que apresentam baixo risco de solvência e alavancagem financeira controlada.
Tudo isso é muito mais frequente em empresas de capital aberto do que em pequenos negócios.
Se trata de uma questão de ter fôlego para segurar o tranco nos próximos meses, onde o faturamento vai ser mais atingido.
Talvez, não ter lucro e ter caixa sobrando, não seja tão ruim assim para o momento — a interrupção no fluxo de caixa das empresas é algo mais prejudicial do que a falta de lucro.
O caixa nada mais é do que uma armadura mais forte, com o papel de amortecer o momento ruim e fazer frente às despesas recorrentes ao longo dos próximos meses. Quem tem caixa sobrando vai levar a melhor.
Por tudo isso, nunca sinta-se satisfeito ao saber apenas que um negócio é lucrativo. Sempre é preciso ir além.
Ter lucro e não ter caixa é correr o risco de morrer na praia.
Empresas listadas em bolsa
Eu realmente acredito que a maior parte das empresas listadas em bolsa tem fôlego para fazer frente às suas obrigações nos próximos meses.
Estamos falando das maiores empresas do país.
São empresas com maior acesso ao capital, com resiliência operacional, bom histórico de rentabilidade, governança, gestão…
São algumas das diversas vantagens de investir em empresas da bolsa.
Não estou falando que empresas fora desse universo não apresentem esses atributos, nem que todas as listadas são assim. Não é nada disso.
Mas de maneira geral, temos todas essas vantagens competitivas jogando ao nosso favor.
Sabemos que as bolsas estão passando por um momento difícil, de alta volatilidade e grande incerteza. O mês de março teve uma das maiores quedas da história do mercado de ações, tanto localmente quanto mundo afora.
E isso não foi necessariamente o pior dentro dos piores cenários. No momento, conseguimos observar muitas oportunidades boas e resilientes por aí, negociando a valuations que não são vistos todos os dias.
Empresas cujo valor não refletia o preço de tela.
A crise vai passar e sairemos mais fortes do que quando entramos.
Forte abraço.