“Quando o Lula abre a boca, é um ‘deus nos acuda’ no mercado”. O sujeito na frase poderia ser outro - originalmente, o grande tumulto era atribuído ao ‘Seu Fontes’, mas também já teve como vítima certa ex-presidenta. Agora, a mais recente escalada do dólar tem nome e sobrenome: Luiz Inácio Lula da Silva.
Bastou o presidente pronunciar algumas palavras ontem para a moeda norte-americana renovar o fôlego de alta e buscar nova máxima, já na faixa de R$ 5,70. As novas falas de Lula tinham alvo certo: o “jogo de interesse” no mercado financeiro e o “politizado” presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Convencido de que se trata de um ataque especulativo contra o real, o presidente Lula convocou reunião hoje (16h30) com ministros da área econômica para discutir a alta do dólar. Há quem diga que a melhor medida seria ele ficar de boca fechada, falando menos sobre economia e reduzindo a ofensiva contra Campos Neto.
Mas a devolução de praticamente toda a alta do dia perto do fim do pregão, com o dólar fechando a R$ 5,66 mostra que, de fato, o movimento é especulativo - ou ao menos uma (boa) parte dele. Isso porque circularam nas mesas de operação relatos de consulta do BC às tesourarias dos grandes bancos para entender o estresse no câmbio.
Em outras palavras, quando a autoridade monetária quis saber o porquê da nova acelerada do dólar, lembrando que possui um colchão de liquidez da ordem de US$ 350 bilhões de modo a atender uma demanda física real pela moeda estrangeira, o mercado recuou. Fosse em outros tempos, haveria o que é chamado “evasão de divisas”.
Recordar é viver
Mas o Brasil, é bom lembrar, não é a Argentina. A escassez de reservas internacionais é um problema dos nossos hermanos desde a década de 1990 e trata-se de algo que só deixou de existir em terra tupiniquim depois da estabilização da inflação com o famigerado Plano Real, que completou 30 anos neste mês, e da consequente construção das reservas.
Aliás, esse trabalho árduo foi feito ao longo dos oito primeiros anos do governo Lula pelo então presidente Henrique Meirelles. Entre 2003 e 2010 - portanto com a crise de 2008 no meio do caminho - a situação das reservas internacionais do Brasil mudou radicalmente, alcançando quase US$ 300 bilhões, de apenas US$ 15 bilhões inicialmente.
Então, o problema que havia antes da primeira eleição do petista não existe hoje. Naquela época, inclusive, Lula falava de uma “herança maldita”, referindo-se a um problema fiscal - difícil e delicado, conforme palavras de Meirelles - apesar do Plano Real. A diferença é que havia, de fato, uma forte saída de capital externo.
Hoje, o saldo entre entrada e saída de dólares no ano até o último dia 21 - dado mais recente - é positivo em quase US$ 10,5 bilhões. Para se ter uma ideia, em todo o acumulado de 2023, esse fluxo foi positivo em US$ 11,5 bilhões. Nesta quarta-feira, às 14h30, o BC atualiza os números com o acumulado nos seis primeiros meses de 2024.
Esse superávit cambial no ano deve-se ao comércio exterior, com as exportações superando as importações em quase US$ 40 bilhões. Trata-se de um saldo suficiente para compensar as saídas de pouco menos de US$ 30 bilhões pelo canal financeiro. Apenas na B3 (BVMF:B3SA3), os gringos venderam quase R$ 40 bilhões em ações brasileiras desde janeiro.
Tecla SAP
Traduzindo esses números, isso significa que os ativos financeiros brasileiros têm sofrido devido à indigestão com o Lula, à predisposição em interferir no BC e ao risco fiscal. Ainda assim, o momento é favorável para as exportadoras, que, como se sabe, são as estrelas do Ibovespa. Aliás, nesta manhã, os ADRs da Vale (NYSE:VALE) e Petrobras (NYSE:PBR) avançam em Nova York.
Até porque os preços das commodities estão melhorando e devem continuar a impulsionar o desempenho econômico doméstico. O barril do petróleo segue estável acima de US$ 80, enquanto o minério de ferro negociado na China volta a se aproximar da marca de US$ 120. Imagina, então, quando o dólar voltar a perder força no mercado internacional?
Em resumo, esse cenário sugere uma perspectiva mais positiva para os ativos locais e os mercados emergentes. Ainda mais quando o Federal Reserve começar, de fato, a cortar os juros dos Estados Unidos. De uma maneira ou de outra, em algum momento, o mercado local vai entender tudo isso.
A ata da reunião de junho do Fed (15h) deve reforçar a chance de corte em setembro. Antes, a agenda do dia traz dados de atividade aqui e lá fora, além do relatório da ADP (9h15) sobre a criação de vagas no setor privado norte-americano. Na véspera do feriado pela Independência, os negócios com as Treasuries fecham mais cedo (13h).