O mercado de criptomoedas, hoje, poderia ser facilmente e metaforicamente confundido com qualquer cenário pós-guerra. Não bastasse o contexto macroeconômico de inflação nas alturas afetando diretamente os ativos de risco, ainda tivemos o colapso do ecossistema Terra Luna e a crise de crédito presenciada no começo do ano passado dando início a um efeito dominó que derrubou diversos players do setor. O movimento foi ainda mais intensificado com a quebra da FTX e da Alameda, contribuindo para que Bitcoin e Ether caíssem, respectivamente, 65% e 67.7% naquele ano.
A ruína das empresas de Sam Bankman-Fried, players centralizados, diga-se de passagem, gerou um bom pretexto para que vejamos a intensificação das pautas regulatórias sobre o setor, especialmente no que diz respeito às prestadoras de serviço. Mas com o crash da Terra Luna, as stablecoins também não passarão em branco. Desde fevereiro de 2022 tivemos audiências da House of Financial Services e do Senate Banking Committee debatendo o tema.
Não podemos nos esquecer da Ordem Executiva 14.067, proposta por Biden, cujo foco foi o “Desenvolvimento responsável de ativos digitais”, visando elaborar relatórios de estudo sobre como os Estados Unidos devem regular as criptomoedas a partir de uma atuação conjunta de órgãos de todo o governo. As preocupações, em tese, diziam respeito à:
-
proteção de consumidores, empresas e investidores.
-
Garantir serviços seguros e acessíveis
-
Combater ilicitudes
-
Explorar a criação de CBDCs, havendo inclusive a criação de um grupo especializado sobre o tema.
Isso sem mencionar a OFAC sancionando o mixer Tornado Cash e também o processo judicial entre Ripple e SEC que deve fornecer perspectivas mais claras sobre o enquadramento de alguns tipos de criptoativos como “commodities” ou “securities”. Ou seja, não tem mais para onde correr: a regulamentação é inevitável e resta lutar e supervisionar para que seja bem feita. Além deste evidente neste cenário acima que deve se intensificar, avaliaremos algumas outras narrativas e teses que deverão predominar em 2023:
1) Bitcoin
Em um cenário tão caótico, a solidez dos fundamentos e a previsibilidade da emissão do maior ativo do mercado continuam fornecendo um porto seguro para o ecossistema. É bastante provável que a Lightning Network alcance níveis ainda mais altos de liquidez de BTC e que os primeiros ativos tokenizados – possivelmente stablecoins - proporcionados pela atualização Taro apareçam na rede.
Além disso, por falar em previsibilidade do cronograma de fornecimento, destacamos que o próximo halving do Bitcoin deve acontecer por volta de março de 2024, cortando as recompensas dos blocos minerados pela metade. Com a diminuição da oferta e uma continuidade/aumento da demanda, há uma natural valorização do ativo, que pode começar a sentir os efeitos especulativos ainda este ano.
2) Ethereum
Já a Ethereum, com a realização do The Merge alterando o mecanismo de consenso da rede de Proof-of-Work para Proof-of-Stake, abre espaço para uma série de implementações importantes previstas em seu Roadmap. Antes de mais nada, é inevitável falar da EIP 4844 que trata do Proto-Danksharding, uma atualização que cria um novo tipo de transação, chamado de “blob carrying transactions”, que pode conter conjuntos de dados mais baratos em grandes “blobs” – nome dado a esse conjunto. O importante é entender que isso pode, por exemplo, reduzir as taxas de rollups em até 100x, o que valorizaria esse nicho por tabela.
Veremos também o tão esperado Shangai Upgrade, agendado para março pelo “core development team”, que irá possibilitar a retirada dos ETH atualmente travados em stake. Hoje, como não há essa possibilidade de retirada ainda, temos somente ~14% do supply de ETH em stake. Para fins de comparação, outros protocolos de 1ª camada costumam ter aproximadamente 40% de staking ratio.
Por mais irônico que possa parecer, essa possibilidade de retirada de EH também acabará servindo como uma “retirada do risco/medo” dos investidores, deixando-os mais à vontade justamente para participar desse processo, aumentando a quantidade de ETH apostados.
3) Liquid Staking e Re-Staking
O ponto anterior acaba nos trazendo a este. Com a tese anterior se validando, havendo maior disponibilidade de ativos e mais pessoas realizando staking após o Shangai Update, é bem possível que vejamos como destino desse staking os protocolos de Liquid Staking, uma vez que fornecem liquidez para que esses ativos apostados sejam usados em diversas plataformas DeFi.
Com uma maior quantia de ativos apostados em protocolos deste nicho, naturalmente a receita desses provedores de staking líquido também aumentará, fazendo com que seus tokens nativos se valorizem.
É legal falar ainda sobre soluções de re-staking que basicamente permitem que os mesmos ativos apostados sejam usados para funcionalidades diferentes de forma simultânea. Imaginemos, por exemplo, que você aposte 32 ETH para contribuir com a segurança econômica da rede Ethereum e, além disso, também com a segurança de DApps e serviços concomitantemente.
-
Vale a pena observar: Lido Finance (LDO), Rocketpool (RPL), Stakewise (SWISE) e EigenLayer
4) Tecnologia Zero Knowledge
A tecnologia de Zero Knowledge, em síntese, usa essencialmente um “provador”, um “verificador” e “algoritmos matemáticos” para provar algo sem revelar informações subjacentes sobre essa prova. Diversos ecossistemas anunciaram recentemente Zero Knowledge rollups com compatibilidade EVM, a Máquina Virtual da Ethereum.
Destrinchamos bastante esse tema ao abordar os ZK Rollups aqui no Hub e acreditamos que o setor pode apresentar um crescimento interessante em 2023 à medida que redes Layer 1 procuram formas de aumentar sua escalabilidade, podendo encontrar a resposta também em protocolos Layer 2.
-
Vale a pena observar: Polygon (MATIC), zkSYNC, ScrollZKP
5) Omnichains
Como cada blockchain atende a propósitos específicos, atuam quase como ilhas isoladas e não conseguem se comunicar e se relacionar diretamente. Para resolver essa questão e gerar interoperabilidade, os desenvolvedores construíram soluções cross-chain para permitir transferência de dados entre elas sem qualquer intermediário, utilizando bridges, sidechains, etc.
No entanto, bridges e ativos encapsulados foram responsáveis por bastante dor de cabeça e exploits em 2022, motivo pelo qual acreditamos que a tese de omnichains venha ganhar força em 2023. Os projetos agora estão focados no desenvolvimento de soluções para facilitar um ecossistema multi-chain, agrupando dados, liquidez e usuários de blockchains individuais, aproveitando o protocolo de interoperabilidade omnichain.
-
Vale a pena observar: Layer 0, Stargate Finance e TapiocaDAO.
6) Blockchains Modulares
Hoje, há uma sobrecarga de funções das camadas de Layer 1, que possuem uma arquitetura “monolítica” e ficam responsáveis pela liquidação de transações, execução e disponibilidade de dados. Por esse motivo, ressaltamos a importância de protocolos de Layer 2 e rollups para darem conta da geração de escalabilidade dos protocolos, diminuindo a congestão e as taxas.
Uma outra solução, no entanto, é o desenvolvimento de blockchains de design modular onde há uma separação destas camadas para alcançar os mesmos benefícios e “fugir” dos problemas inerentes ao Trilema das Blockchains.
-
Vale a pena observar: Polygon (MATIC) e Celestia