O desequilíbrio entre a oferta e a demanda tem sido o principal desafio da cadeia láctea nos últimos anos. Como consequência, observa-se o aumento da volatilidade dos preços no mercado interno, fato que eleva o risco da perda de investimentos para produtores e indústrias, além de prejudicar a segurança alimentar de consumidores.
Em 2016, a produção nacional caiu e a restrita oferta elevou as cotações do leite ao produtor e dos derivados, ao mesmo tempo em que também estimulou as importações de leite em pó. Já em 2017, dois fatores dissonantes protagonizaram a dinâmica do setor: consumo enfraquecido e aumento da produção. O resultado dessa incompatível combinação foi uma contínua queda de preço no campo – de janeiro a novembro, chegou a 18,2% o recuo na “média Brasil” do Cepea (que inclui BA, GO, MG, SP, PR, SC e RS, não contém frete e impostos). Vale destacar que o preço de novembro (R$ 1,0003/litro) foi o menor desde fev/10.O Mapa e a Embrapa Gado de leite estimam que, para 2017, o incremento da produção ficaria em torno de 3%, chegando a cerca de 34,5 bilhões de litros. No entanto, cálculos do Cepea indicam que o aumento pode ser ainda maior. Os dados mais recentes da Pesquisa Trimestral do Leite do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) já sinalizam a alta na captação das indústrias de janeiro à setembro de 2017, de 4,34% na comparação com mesmo período de 2016. E, de acordo com o Índice de Captação de Leite do Cepea (ICAP-L), que monitora a aquisição das empresas mensalmente, a captação de leite entre as empresas continuou crescente no segundo semestre. Só de julho a outubro, o ICAP-L registrou alta de 12% na “média Brasil” (considerando-se os estados de BA, GO, MG, SP, PR, SC, RS), resultado puxado, principalmente, pelo Sul do Brasil. Na comparação da média de janeiro a outubro de 2017 com a do mesmo período de 2016, há um incremento de 7,6% no volume captado pelas empresas consultadas pelo Cepea.
A manutenção dos preços ao produtor em altos patamares de 2016 até o primeiro semestre de 2017 possibilitou investimentos na atividade. O principal insumo da produção leiteira, o concentrado, também registrou médias de preços mais baixas naquele ano em relação ao anterior, o que favoreceu a compra. Assim, o incremento da produção em 2017 está atrelado à melhoria na relação de troca entre preços de leite e insumos, principalmente a ração.
A maior produção de leite, contudo, acaba sendo um fator preocupante para o setor no atual cenário, visto que intensifica o desequilíbrio entre oferta e demanda. Segundo cálculos do Cepea, o consumo aparente de lácteos per capita caiu 2,2% de 2013 para 2016, chegando a registrar média de 171,2 litros de leite. A menor procura, ocasionada pela redução do poder de compra do brasileiro frente à crise econômica, vem derrubando os preços em todos os elos da cadeia e comprometendo as margens, tanto da indústria como ao produtor. Ainda assim, vale destacar que, no varejo, os movimentos de preços não parecem se repetir na mesma intensidade que em outros elos.
ELASTICIDADE – Para o consumidor, a volatilidade dos preços dos lácteos nas prateleiras fragiliza a manutenção do hábito alimentar. Vale lembrar que a demanda por é muito sensível às alterações na renda do consumidor ou aos preços de comercialização. A maioria dos lácteos, especialmente iogurtes e queijos (e com exceção do leite longa-vida), é elástica à renda e ao preço. A elasticidade de um bem em relação à demanda – ou seja, a sensibilidade do consumo deste bem frente a transformações nas variáveis de mercado como preço, renda, preço de bens substitutivos/ complementares – é definida pela essencialidade do produto no hábito alimentar do consumidor; pela representatividade que o produto tem no orçamento familiar; pela disponibilidade de produtos substitutos; e pela duração das transformações nas variáveis de mercado. Desse modo, o consumo da maioria dos lácteos não é considerado essencial ao brasileiro e não está fortemente enraizada no hábito alimentar. Além disso, os lácteos concorrem com bens substitutos e são, na maioria, de alto valor agregado.
O QUE ESPERAR PARA 2018? – Algumas projeções do Mapa indicam que a produção de leite deverá crescer a uma taxa anual entre 2,1% e 3,0% nos próximos 10 anos. Mas a difícil crise enfrentada pelo setor neste ano pode ser um fator de grande desestímulo à produção. A queda drástica dos preços no segundo semestre do ano prejudicou as margens dos produtores. Para uma parcela mais vulnerável, os preços do leite em baixos patamares acabam estimulando o abate de fêmeas e a gradual transição para o mercado de corte, por meio da mudança de padrão genético do rebanho e cria de bezerros. Para outra parcela, a menor receita se traduz em diminuição dos investimentos direcionados à produção. Com a receita limitada neste ano, muitos pecuaristas não fizeram a reforma das pastagens, o que pode contribuir para a perda de volume e qualidade da produção no ano que vem.
Assim, tem-se instaurado a “montanha russa” de preços na cadeia láctea nos últimos anos: com sucessivos desencontros entre oferta e demanda e poucas medidas para diminuir as fragilidades do setor. Para isso, muitos assuntos devem entrar na pauta de discussão, como a ampliação das negociações com o mercado externo, a necessidade de elevar a qualidade da matéria-prima, as políticas de pagamento por qualidade, a transparência das negociações entre os elos da cadeia, a necessidade de elevar o nível de gestão de fazendas e indústrias, a importância de estimular o consumo de lácteos e da criação de políticas públicas de longo prazo para o setor. O caminho, com certeza, é árduo, mas o contínuo processo de organização e profissionalização do setor (resultado das dificuldades enfrentadas nos últimos anos) dá bons sinais de que a mudança começou.