No seu livro “O Efeito Halo”, Phil Rosenzweig trata de diversos vieses aos quais estamos expostos na hora de avaliar algo. O mais conhecido é o próprio efeito halo, a tendência de extrapolarmos o desempenho quantitativo do objeto de análise para outras características dele. Por exemplo, uma empresa que apresenta bons resultados, normalmente acaba tendo boas avaliações em quesitos como satisfação dos funcionários, transmissão de cultura e planejamento. Mas a mesma empresa no ano seguinte pode ter péssimos desempenhos, e as justificativas adotadas acabam sendo as mesmas usadas no ano anterior.
Além do efeito halo, o livro cita outros oito “delírios empresariais” que influenciam nossa tomada de decisão. Daria para traçar paralelos com cada um desses delírios, mas há um que merece mais atenção e que acredito que tem sido ignorado pelo investidor de fundos: o delírio do desempenho absoluto. Este trata do costume de se avaliar apenas o resultado absoluto, e não o relativo, do que é analisado, conceito muito bem resumido na citação abaixo:
“O desempenho de uma empresa é relativo, não absoluto. Uma empresa pode melhorar e retroceder mais ao mesmo tempo.”
Talvez você já tenha adivinhado qual o paralelo que vou traçar nos próximos parágrafos, mas siga comigo, veremos se você acertou enquanto descrevo nosso processo de análise e como abordamos o delírio do desempenho absoluto.
Esse processo começa com a análise qualitativa. O primeiro contato com o gestor e sua equipe é sempre cheio de novidades e surpresas. Alguns papos mostram, já de cara, que existem pontos de atenção que impediriam uma recomendação. Em outros, a avaliação é menos óbvia e requer um aprofundamento no case.
Nesses casos, avançamos para uma segunda etapa. Nela, identificamos quais fundos e gestoras teriam estratégias similares — incluindo aquelas que não nos impressionaram — e fazemos uma análise comparativa entre esses pares e o fundo analisado quanto a diversos quesitos, como estrutura, gestão de risco, equipe, processos etc.
Esse passo é importante, pois nos mostra com quais fundos e classes podemos comparar aquela estratégia. Por exemplo, você acharia correto comparar o IP Participação IPG com um fundo long biased como o Dahlia Total Return? Ambos são classificados como fundos de ações, é verdade, e os dois podem comprar ações no Brasil e nos EUA, mas as similaridades acabam aí. O Dahlia fica comprado nesses ativos, mas também fica vendido, além de operar ativamente juros, câmbio e até mesmo crédito, enquanto o IP não faz nada disso. Por isso não são estratégias comparáveis.
Uma vez que o fundo passe na nossa análise qualitativa e sejam identificados seus pares na indústria, partimos para a próxima etapa, a análise quantitativa.
Caso você não saiba, somos um pouco nerds e não é incomum citarmos artigos científicos e estudos acadêmicos em nossas publicações e newsletters. Por isso, nosso processo de análise quantitativa está em constante evolução e olhamos uma diversidade de métricas, mas as mais relevantes hoje são: performance total, performance em janelas móveis longas, métricas que usam drawdown (histórico de quedas acumuladas) como risco, correlação e análises de risco-retorno. Todas sob um olhar de desempenho absoluto e relativo com relação não só ao benchmark, mas aos seus diversos pares na indústria.
Para ser aprovado na análise quantitativa, o fundo normalmente tem um dos três perfis a seguir: i) gera muito alfa (excesso de retorno sobre seu benchmark), mesmo que com muita volatilidade e grandes quedas no meio do caminho; ii) consistência de alfa, mesmo que pequena, mas que, juntamente com quedas menores e em menor quantidade, resulte, ao longo do tempo, em uma composição de capital interessante; e iii) gera alfa de forma descorrelacionada da indústria, se provando um bom diversificador para a carteira ao ganhar quando os outros perdem.
É engraçado como geralmente já temos uma boa ideia de onde o fundo vai se encaixar antes de fazer a análise quantitativa. Apesar disso, ela é extremamente necessária, pois reforça nosso entendimento sobre a estratégia e os números, que revelam muito mais do que apenas a performance passada.
Eles nos ajudam a encontrar padrões que podem divergir do que o nosso entendimento da estratégia nos leva a crer que deveria acontecer, assim levantando questionamentos importantes com relação ao fundo. Um bom exemplo é quando um gestor passa a impressão de que faz suas alocações sempre usando muita proteção, mas, ao analisar suas quedas, elas não se destacam por serem menos intensas ou com menor duração que as de seus pares.
Os números também nos ajudam a identificar em quais ciclo de mercado um fundo normalmente consegue gerar mais alfa e performar melhor que os pares. Inclusive, é nesse ponto que a segunda parte da frase de Phil pode ganhar destaque: quando um fundo “pode melhorar e retroceder mais ao mesmo tempo”.
Talvez fique mais claro com este exemplo: você investiu em um fundo dez anos atrás e o mantém em sua carteira até hoje. Nos primeiros três anos do investimento, ele retornou 10% ao ano sobre o benchmark. Você notou que, ao longo de janelas móveis de três anos, esse alfa anualizado tem crescido de forma consistente, chegando a 15% na última janela. Contudo, ao aplicar a análise relativa e compará-lo com os pares, você percebe que no início do seu investimento esse fundo estava no primeiro quartil de performance (em uma amostra de 100 fundos, os 25 melhores estão no primeiro quartil), mas hoje está no terceiro quartil.
O fundo teve um retorno absoluto maior nos últimos dez anos, mas piorou na comparação relativa com os pares. As hipóteses são várias. O gestor perdeu sua habilidade de gerar alfa? Ou será que o cenário recente é prejudicial à sua estratégia? E se, no pior dos casos, houve uma mudança de estilo de gestão?
Um grande abraço.