Muito se debate na comunidade de economistas. Com razão, boa parte da crise política que vivemos teve origem também nos impasses gerados pelas políticas públicas erradas no final do primeiro ciclo dilmista, entre 2013 e 2014.
Foi o momento em que a heterodoxia (o que quer que isso signifique) teve mais ascendência sobre a "presidenta", sendo obra a explosão na oferta de crédito concedido, o que jogou a dívida bruta nas alturas naquela ocasião. O desafio então era tirar a economia brasileira daquela armadilha de país de renda média com baixo crescimento, movido apenas pelo perene estímulo ao consumo. Se este não se transformasse em investimentos, cairíamos no buraco do sobre-endividamento e da recessão, o que acabou ocorrendo naquele período. Foi o começo do fim do governo Dilma. Se havia alguma governabilidade antes, esta se perdeu a partir dos anos seguidos de recessão (2014 a 2016).
Nosso intuito neste artigo é tentar delimitar o debate em torno das correntes econômicas hoje existentes, defendendo o que deve prevalecer, assim como a boa formação acadêmica, a excelência técnica e o conhecimento nos meandros das Finanças Públicas brasileiras. Quadros qualificados existem, ou oriundos do Tesouro, ou de outras áreas. Estes sim deveriam ter o lugar de destaque nos ministérios das áreas, quadros qualificados do serviço público.
Na verdade, no Brasil o debate econômico parece meio interrompido. Estas duas correntes, dos heterodoxos e dos ortodoxos, pouco se comunicam, pouco dialogam. É uma constante batalha de egos e espaços, travada entre economistas heterodoxos, ou keynesiano, em sua maioria, das universidades públicas, e ortodoxos, "liberais" ou neo-clássicos, grupos de universidades privadas como INSPER, PUC e FGV do Rio de Janeiro. Estes últimos, mais à favor do livre mercado, da "mão invisível" de Adam Smith, são predominantes no mundo, no que chamamos de "mainstream". Os heterodoxos, defensores de um papel mais ativo do Estado, são predominantes no Brasil, meio que na contramão do mundo.
Citando nomes, entre os heterodoxos, poderiamos destacar os ex-ministros da Fazenda Nelson Barbosa e Luiz Carlos Bresser-Pereira, ambos da FGV-ESP, como também os economistas Luiz Gonzaga Beluzzo, da Unicamp, José Luis Oreiro, da UNB, além de outros economistas da Unicamp e da UFRJ. Paulo Gala também está neste grupo, que é um economista misto de profisisonal de mercado e da academia. No outro espectro, Samuel Pessôa da FGV, o ex-presidente do Banco Central do Brasil Ilan Goldfajn, um dos formuladores do Plano Real e também ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, grande parte dos economistas da PUC e da EPGE da FGV do Rio de Janeiro, Marcos Lisboa, um dos expoentes deste grupo, presidente do INSPER, etc. O ministro Paulo Guedes também, até por ser formado na Universidade de Chicago, deve ser incluído neste segundo grupo.
Para os economistas da PUC, Pedro Ferreira e Frageli, entre os heterodoxos o nível de preços é determinado pela oferta, enquanto que o nível de atividade pela demanda; para os economistas ortodoxos, ou do "mainstream", o oposto acontece. Isso nos leva a acreditar que a produtividade dos fatores de produção tem um papel essencial na melhor alocação de recursos e na eficiência dos processos produtivos, para estes ortodoxos. Segundo eles, "se o nível de preço - e consequentemente a inflação - fosse um problema exclusivamente de oferta, a simples redução da taxa de juros estimularia investimentos que gerariam expansão desta produção, que por sua vez, provocaria a queda dos preços."
O problema maior desta leitura é que o aumento de investimento somente gera elevação da oferta no futuro, mas no curto prazo constitue aumento de demanda. Soma-se a isso, a mesma queda de juros, destinada a estimular o investimento, também impulsiona o consumo. Quando a economia opera perto do pleno emprego, juros mais baixos eleva a demanda, pois não há capacidade produtiva ociosa para a oferta crescer, o que resulta em mais inflação.
Historicamente, os ortodoxos ou (neo) clássicos são expoentes do pensamento econômico mais liberal. Têm como expoentes David Ricardo, Alfred Marshall, Alfred Walras, Adam Smilh e sua "mão invisível". Para este, se todos se empenharem ao máximo para obter resultados, a coletividade acabará se beneficiando. A economia tende a operar no longo prazo sempre no equilíbrio e pleno emprego de recursos. O problema é que, muitas vezes, no curto prazo choques exógenos adversos não previstos acontecem e inibem a iniciativa dos agentes privados. Estes, em movimento defensivo, tendem a se retrair, na expectativa de uma reversão a longo do tempo. É aí que entra o "keynesianismo".
Surgido entre os anos 30 para 40, como resposta a esta prostração dos agentes econômicos, diante da retração da demanda, do emprego e da renda, Keynes apregoava o aumento das despesas fiscais para impulsionar, via "multiplicador fiscal", os investimentos, muitas vezes em grandes projetos, o que voltava a gerar renda e emprego e girar a “roda da economia”. John Maynard Keynes, através da obra Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (1936), começa a pensar num papel mais ativo para o Estado e, a partir daí, em políticas anti-cíclicas, evitar momentos de "flutuação da demanda efetiva".
Muitos argumentam, inclusive, que já havia alguns traços de "keynesianismo" nas politicas do nacional socialismo alemão, o que deu origem ao nazismo de Adolf Hitler, a partir dos anos 30. Várias obras públicas, abrindo espaço para novos investimentos privados, nas chamadas "externalidades positivas", aconteceram na Alemanha pós-República do Weimar nos anos 30.
A partir dos anos 70, no entanto, com os choques de petróleo, estas políticas acabam meio de lado, pois tivemos o que os economistas negavam então, desemprego com inflação, no conhecida "estagflação". Os keynesianos não conseguem responder a este fenômeno. Sim, porque para eles, o fenômeno do estímulo econômico acontece pelo lado da demanda.
Na visão dos ortodoxos, "o baixo crescimento brasileiro é um fenômeno do lado da oferta, ligado à baixa eficiência econômica. Mesmo controlando por diferenças de intensidade de capital físico e de qualidade da mão de obra, o produto por trabalhador brasileiro permanece muito menor que o dos países líderes, algo entre 50 a 60% abaixo". O desafio passa a ser, então, tornar o País mais eficiente, menos trabalhadores, mais produção e produtividade.
Para eles, "se o grosso de nosso atraso não está no capital, aumentar a taxa de investimento ajuda, mas não resolverá o problema. Um economista com inclinações heterodoxas discordaria. Para os mais radicais, o lado da oferta é irrelevante, pois o crescimento de longo prazo se daria por uma sequência de estímulos à demanda de curto prazo. O importante seria aguçar continuamente o "espírito animal" dos empresários e investidores".
Há pouca ou nenhuma evidência de que o mundo funcione assim. Isso não impede que se insista em políticas de expansão da demanda - via maiores gastos públicos ou redução, em qualquer cenário, da taxa de juros - como estratégia de crescimento.
Concluem então "que quando se vai pelo lado da oferta, as teorias heterodoxas logo aparecem para propor afetar preços relativos para incentivar a produção local e a inovação, seja via proteção tarifária e substituição de importações, créditos subsidiados, ou incentivos fiscais. No entanto, não há estudos consistentes que mostrem que essas políticas funcionem no longo prazo".
Nos dias atuais, com a pandemia, os keynesianos voltaram à moda. Isso também aconteceu na crise de 2008 o que nos leva a concluir que, sim, parece consenso hoje que o Estado deve intervir em crises, mas o desafio é saber em que intensidade. Além disso, esta intervenção pode ou deve acontecer no limite. Deve ser temporária.
Diante da alternativa ao aumento necessário de despesas públicas, para atender ao grande número de infecções e suprir recursos às infraestruturas de saúde adicionais, começa a surgir, aqui e acolá, a necessidade de taxar grandes fortunas, sempre uma solução aventada por um certo vício pelos que "acham pecado enriquecimento excessivo em país cheio de contrastes e pobreza". Se esquecem estes, no entanto, de reconhecer que muitas das desigualdades no País acontecem também pela baixa qualidade dos serviços públicos prestados, por "agentes públicos" que realizam desvios recorrentes, muitos em empresas públicas. Sobre isso, o silêncio.
Portanto, o PAPEL CRUCIAL do Estado deve ser gerar condições favoráveis, externalidades positivas, para que o setor privado deslanche. Como diria o assessor do Clinton, "é a economia estúpido". É ela sim a gerar oportunidades de renda e emprego à sociedade, lutando-se por um serviço de saúde de primeiro mundo. Não faz sentido o ESTADO atuar como atua no Brasil, a sustentar castas de privilegiados no serviço público, muitos, "amigos do rei", com subsídios fiscais. Como resultado, temos a baixa produtividade agregada e o lento crescimento no Brasil nas últimas décadas.
Achamos, portanto, que não há apenas uma teoria "certa". Passando o teste da lógica interna, há teorias capazes de explicar um número grande de fenômenos econômicos e que não foram - até o momento - derrubadas por evidência empírica robusta. A ampla dominância das teorias ortodoxas na academia econômica global talvez se explique por seus resultados, não por fatores ideológicos, como querem alguns. A insistência de parte da heterodoxia em teorias e políticas com baixa aderência aos dados, mas fortes cores ideológicas, explicam em parte sua perda de popularidade mundo a fora. São tantas distorções, que se torna difícil defender.
Vamos conversando.