Parece que foi ontem que tomamos um verdadeiro baque que derrubou o Ibovespa de sua máxima histórica para o patamar dos 100 mil pontos em um período de seis meses – uma desvalorização de -23% e, tecnicamente, a entrada em um bear market.
De fato, não havia muitos motivos para comemorarmos. Além de diversos indicadores de consumo ruírem rapidamente, as dúvidas acerca do endividamento público, o receio com a proximidade da eleição mais polarizada da história, possibilidades de um racionamento de energia elétrica e o surgimento de uma nova onda de Covid-19 através de uma cepa ainda mais transmissível que as anteriores embaralharam o cenário.
A leitura da pessoa física frente a essa situação foi diferente de quando eclodiu o coronavírus, promovendo uma forte onda de resgate dos fundos de ações, que foram obrigados a se desfazer de suas posições para honrar seus compromissos, estimulando ainda mais esse efeito baixista da Bolsa. O saldo do ano foi uma queda de -12% do principal índice brasileiro e uma valorização de 7% do dólar, que fechou o ano cotado a R$ 5,57.
A virada do ano trouxe novos temperos para o já conturbado cenário, mas de algum modo injetou um novo ânimo nos investidores, dessa vez gringos. Como diria Hemingway, o movimento de retomada ocorreu de duas formas: “Gradually, then suddenly”. A guerra na Ucrânia colocou o nosso país sob os holofotes, haja vista sua representatividade como produtor e exportador mundial de commodities. Como em um passe de mágica, o Brasil virou o único país investível dos BRICS, o fluxo externo de recursos para cá acelerou consideravelmente, o dólar cedeu e a curva de juros começou a fechar.
Neste curto intervalo de 2022, a divisa norte-americana já perde -17% para o real, de modo que a nossa Bolsa em dólar é um dos grandes destaques no globo e já voltou a flertar com a marca dos 120 mil pontos em real.
A verdade, contudo, é que a Bolsa, como uma espécie de metonímia do mercado, acaba não refletindo de fato a dinâmica dos diversos setores da economia, uma vez que bancos e commodities representam quase 60% do Ibovespa. Enquanto ambos os grupos sobem quase 20% no ano, a valorização em varejo, saúde e construtoras tem sido bem mais modesta.
O desempenho de diversos setores abaixo do índice é de certa forma esperado, dado o contexto atribulado citado acima. Contudo, o que alguns investidores como nós já começam a identificar são oportunidades nesses segmentos que foram largados em Bolsa em virtude da construção de um cenário mais benigno à frente.
Dados de alta frequência e de confiança para março sinalizam recuperação da atividade econômica, enquanto os dados do Caged para geração de empregos no setor formal para fevereiro surpreenderam. A queda do dólar e a temporada chuvosa ajudarão a arrefecer a inflação, que por sua vez poderá fazer com que o Banco Central termine antes do esperado o seu ciclo de aperto monetário (há quem diga que poderemos ver queda de juros já no final deste ano), favorecendo justamente as cíclicas domésticas.
No âmbito político, a entrada em vigor das restrições da legislação eleitoral reduzirá os acenos populistas com promessas de aumentos de salários, subsídios, controles de preços e novos gastos sociais, visto que estes poderiam implicar risco de crime eleitoral.
Importante dizer que o mercado costuma antecipar tais movimentos e, portanto, o investidor não deve esperar que todos os pontos citados acima se concretizem para se posicionar nesses ativos. Como exemplo, desde as mínimas do ano até ontem (5), o Grupo SBF (SA:SBFG3) e a Arezzo (SA:ARZZ3) sobem 36% e 45% respectivamente.