O genial autor Daniel Kahneman, ganhador do prêmio nobel de economia em 2002, ficou muito famoso por seu trabalho com viés comportamental focado em finanças. Esse trabalho feito em 1979 conjuntamente com o não menos brilhante, Amos Tversky, e que posteriormente, se transformou no best-seller, “Rápido e Devagar, duas formas de pensar”. Kahneman aborda vários vieses cognitivos em sua obra: Ancoragem; representatividade; disponibilidade; enquadramento; confirmação e por fim, a aversão à perda. Esse último será tema desta publicação.
Segundo o autor e os seus testes cognitivos, o ser humano sofre duas vezes e meia a mais com uma perda financeira em relação a um ganho financeiro de mesma magnitude. Assim, uma perda de 20% no portfólio provoca uma dor duas e meia vezes maior que a felicidade de se ganhar 20% com a carteira de investimentos. De outra forma, uma perda de 10% só seria compensada com um ganho de 25% nos investimentos.
Uma das justificativas para isso é o nosso instinto de sobrevivência. Nos tempos das cavernas, uma perda significaria a morte. O homem, naquele tempo, deveria ter uma postura para sobreviver e preservar a sua vida e sua família. Instintivamente carregamos esse padrão em nosso DNA e com isso, temos um padrão que talvez não seja o ideal para os dias atuais e os investimentos.
Falando em finanças propriamente dito, o viés de aversão à perda é responsável justamente por grandes perdas aos investidores mais iniciantes. Em vários momentos da história os mercados afundaram fortemente e trouxe pânico aos mercados. Os livros nos contam da grande depressão que assolou o mundo em 1929; em 1987 a bolsa americana caiu mais de 20% em um único dia; em 2008 os mercados desabaram com o medo do colapso do sistema financeiro e por último, em 2020 a COVID-19 trouxe temores para os mercados.
Todos esses eventos têm um padrão comum, os investidores vendem as suas economias no fundo do poço e realizam prejuízos que jamais irão se recuperar em vida. Todos conhecemos pessoas que venderam ações, fundos de ações ou multimercados em outubro de 2008 ou março de 2020. A justificativa disso tudo é o nosso instinto de sobrevivência ou como Kahneman intitula como aversão à perda.
Um dos grandes gestores desse tempo, Peter Lynch, já dizia: “O órgão mais importante para se investir em ações não é o cérebro e sim o estômago!”. Ele foi gestor do mais famoso fundo de ações, o Magellan da Fidelity, esse fundo entregou de 1976 até maior de 1990 incríveis 30% ao ano em dólar, sem nenhum ano ficar negativo e mesmo assim, 56% dos cotistas perderam dinheiro. Os cotistas compravam no topo e vendiam quando o mercado caia.
Esse é um dos motivos que temos poucos exemplos de pessoas bem-sucedidas no mercado acionário. Justamente no momento em que os preços estão atrativos é que se deve pensar em comprar ações ou na pior das hipóteses manter o seu portfólio. A justificativa sempre é a mesma: incerteza e insegurança no futuro. O mercado não cai 50% quando se está tudo em ordem e com prosperidade à frente. Em 2008, todos achavam que o mundo financeiro iria acabar, em 2020 pensavam que uma epidemia iria assolar todo o mundo. Sempre vai haver a próxima justificativa para você vender as suas ações e fazer justamente o oposto do que deveria. Sempre vai se ter um motivo.
Por aqui, a bolsa brasileira de tempos em tempos, se desvaloriza muito e depois se recupera. Desde 1995, o índice BOVESPA caiu oito vezes mais que 50% e mesmo assim, a nossa bolsa, saiu de 4.350 pontos em janeiro de 1995, para hoje bater 112.300 pontos. Uma valorização 13% ao ano, contra uma inflação média de 6,80% em igual período. Quem se assustou durante esse período e vendeu as suas ações, não fez bom negócio. O tempo tem um papel importante nesse processo, muitas vezes a carteira vai se desvalorizando aos poucos e lentamente vai gerando o incômodo. Geralmente, assim como as grandes crises, o investidor perde a paciência e se desfaz de seus ativos.
A dica é não aplique em renda variável um valor que você não suportaria uma queda de 50% ou que você possa passar cinco anos perdendo dinheiro. O ideal ainda seria, o valor que alocar em ações deve suportar uma queda de 50% e ainda aportar mais. Fazendo exatamente o contrário que a grande maioria faz.
Um teste rápido pode te ajudar a imaginar o volume aplicado que você responderia com um “sim” a essas duas perguntas: “O valor aplicado eu suportaria uma queda de 50% ou passar 5 anos com perdas expressivas?” e “Você apostaria mais dinheiro na sua carteira de ações, depois de uma queda de 50%?”. Se você seguir essa regra de bolso, vai ter uma posição em ações que vai deixar você surfar esse belo instrumento de acumulação de riqueza. Vai evitar que o viés cognitivo aversão à perda te force a fazer a coisa errada. Geralmente vai te mostrar um número pequeno mas suportável que você poderia alocar em ações.