Um ponto que eu sempre bato quando discuto precificação fundamental do bitcoin é que não há bons candidatos a múltiplos. Quando investimos em ações, há certas relações que guiam uma escolha fácil, porém informada, entre diferentes ativos: preço sobre lucro, valor da firma sobre EBITDA e diversos outros. Empresas de um mesmo setor costumam não ter grandes diferenças na mensuração de suas atividades, o que permite haver possível utilidade nessas comparações.
No que diz respeito a criptoativos, há algumas tentativas de criação de múltiplos. A mais conhecida é a analogia entre o preço dos criptoativos e seu número de usuários, por meio da chamada Lei de Metcalfe. Essa lei propõe que o quadrado do número de usuários possui relação direta com o valor da rede. A intuição é que o número de usuários ao quadrado aproxima a ordem de grandeza das conexões possíveis dentro da rede. Há bons analistas internacionais que usam essa relação como uma métrica – dentre muitas, naturalmente – para comparação entre criptoativos e detecção de “bolhas”.
Há alguns problemas com essa ideia e com sua aplicação em criptoativos, no entanto. O primeiro é a própria escolha do que pode ser usado como métrica de usuários da rede. Há métricas imprecisas para isso, somente. O número de carteiras costuma ignorar que há carteiras perdidas ou usuários com mais de uma carteira, superestimando o número de participantes. O número de usuários ativos ignora que há carteiras em hold de longa duração, subestimando o que se deseja medir. Usar diretamente o número de transações no lugar da relação quadrática também sofre desse mal.
Outro problema é no que diz respeito à comparação entre moedas usando a lei de Metcalfe. A lei diz que há uma proporção entre o quadrado de usuários e o valor da rede. Porém o valor total depende principalmente de quanto valor é criado por conexão. Isso varia de moeda a moeda e, acredito, possui valor variável ao longo do tempo. Por exemplo, com a competição entre ativos, pode surgir tecnologias percebidas como mais confiáveis para ser meio de pagamento do que o Bitcoin, reduzindo seu preço. O mesmo vale para outras plataformas e o Ether.
Por fim, há a própria intuição de que não se realizam todas as conexões possíveis dentro de uma rede; nesse caso o número potencial de conexões é um proxy insatisfatório. Apesar de tentadora intelectualmente, essa crítica é algo problemática. Creio que está tudo bem em uma simplificação não explicar completamente a realidade, a relação quadrática é apenas uma aproximação conveniente; entretanto, é importante haver poder preditivo.
Pouca pesquisa acadêmica de qualidade parece reforçar esse poder preditivo, no entanto. As melhores pesquisas – em particular esse artigo é muito bom – que usam a lei de Metcalfe em previsões ou a rejeitam, ou usam uma versão suavizada da lei para evitar flutuações excessivas na métrica de usuários da rede. Há as chamadas “equações ecológicas” para previsão do número de usuários e, com esse valor previsto, há o cálculo do múltiplo relacionado à lei de Metcalfe. Apesar de não exatamente difícil, o fit de uma curva não-linear em alguma linguagem como R ou Python não é acessível para muitos investidores. A comparação entre curvas candidatas também não é trivial e depende de algum conhecimento de estatística.
Percebe-se que, mesmo que as pesquisas mais avançadas estejam corretas, o uso da lei de Metcalfe num prisma de precificação é impraticável para a maioria dos investidores. Eu realizo pesquisas relacionadas a esses múltiplos atualmente e particularmente não sou grande otimista sobre a aplicação prática deles no cotidiano do investidor comum. Academicamente e para traders algorítmicos, no entanto, acho que ainda há espaço para investigações. Por agora, entretanto, não creio que seja possível sustentar a utilidade da lei para criptoativos.