Agora é oficial: temos uma nova mínima histórica para a taxa básica de juros brasileira, consolidando um importante cenário expansionista para o processo de retomada econômica.
Mas, enquanto a demanda não vem por conta do forte receio de uma nova onda de contágio da covid-19, o juro real cai a 0,65% ao ano. Isso traz de volta o fantasma dos juros negativos, que, no meu entendimento, tem pouquíssimas chances de chegar por aqui e menos ainda de ser algo bom para economia ou para o investidor.
As taxas negativas de juros começaram a aparecer no mundo em 2014, quando o Banco Central Europeu (BCE) implementou uma taxa negativa nos depósitos que os bancos lá mantinham. A ideia era que isso incentivasse os bancos a não deixarem o dinheiro parado (dado que isso se tornaria, efetivamente, um custo para eles) e o emprestassem, estimulando, assim, a economia e reduzindo o risco de deflação. Somente em 2016, o Banco Central do Japão, atual referência sobre o modelo, passou para o campo negativo dos juros.
Perceba que a decisão extrema veio para fazer o dinheiro circular no mercado. Mas, no momento, os bancos centrais estão imprimindo dinheiro como se não houvesse amanhã.
Como o assunto envolve uma série de fatores subjetivos, como a oferta do crédito pelos bancos privados, voltamos aos impactos no cenário histórico. O estoque de dívidas com taxas negativas aumentou nos últimos anos, passando a incluir até mesmo algumas dívidas corporativas. Isso, por sua vez, fez com que o saldo total desses ativos no mundo atingisse quase US$ 17 trilhões no final de 2019.
Ressalto que esse saldo é referente apenas a títulos com taxa nominal negativa. Descontando a inflação esperada, o valor das dívidas com taxas reais negativas no mundo era de US$ 35 trilhões em setembro de 2019, segundo a Bloomberg. A este ponto fica claro que o uso de taxas negativas aumenta o endividamento do país, sem garantir um crescimento econômico extraordinário.
No lado do investidor, as taxas de juros muito baixas também podem levar a um efeito contrário do esperado. A sinalização de instabilidade financeira futura, somada ao receio de não conseguirem guardar dinheiro suficiente para a aposentadoria (semelhante ao que vemos hoje no Brasil), pode fazer com que as pessoas passem a poupar mais ao invés de consumir e estimular a economia.
Esse cenário é o que os economistas chamam de armadilha de liquidez (liquidity trap) e que vem ocorrendo a certo nível devido ao isolamento social. A dúvida que fica é sobre os efeitos prolongados da pandemia e as mudanças de hábitos permanentes dos consumidores e investidores.
Por hora, ainda vejo o apetite ao risco aumentando, conforme falamos no artigo anterior. Mas, a grande probabilidade de novas ondas de contágio pelo coronavírus nos coloca em algum ponto entre o cenário de recuperação e a liquidity trap. Basicamente, nos resta contar com uma boa diversificação e os dois pés no chão.