Há algum tempo que quero escrever o texto de hoje, que é algo que me incomoda muito e que atrapalha a vida de muitos/as analistas técnicos/as não só no início da trajetória, como também de pessoas com anos de experiência no mercado, impedindo a tão sonhada “consistência”. Que, aliás, é um conceito muito usado, mas pouco explicado – tema para outro texto, num outro dia. O que me refiro aqui é o que brinco chamando de síndrome de “Uma mente brilhante”.
O nome faz referência a um filme que fez bastante sucesso nos idos dos anos 2000. Nele, Russel Crowe interpreta um matemático brilhante, que aos poucos desenvolve um caso sério de esquizofrenia. Ao longo da trama, ele crê ter descoberto uma conspiração e que precisa encontrar mensagens cifradas escondidas em jornais, revistas, livros, etc. Eventualmente, começa a encontrar correlações em todas as coisas, sinais entre textos desconexos, pontos que se ligam porque ele os ligou.
É um caso extremo de algo que, entretanto, deixamos passar despercebido no mercado financeiro: a vontade de impor ordem, de encontrar significado em algo que é fundamentalmente caótico. Tantos fatores incidem sobre o preço que é impossível prever o que ele irá fazer. Além disso, caso soubéssemos e agíssemos com base nisso, essa ação modifica toda a estrutura, tornando-a novamente imprevisível porque não sabemos como cada agente responderá a essa nova situação, às respostas das respostas...
Eugene Fama, dentre tantos/as outros/as pesquisadores/as, demonstrou que o preço e suas flutuações sempre refletem o conjunto total de informações publicamente disponíveis num determinado momento, justamente por via da relação entre oferta e demanda. No mercado financeiro, o preço é sempre a medida exata, atualizada em tempo real, do mínimo que alguém está disposto a vender e o máximo que alguém está disposto a pagar. Por isso mesmo, nada do que estudamos em análise técnica tem relação causal com o fenômeno em si.
Em outras palavras, o preço não cai ou sobe, tomando como referência um ponto qualquer da relação preço por tempo, porque tocou uma resistência ou um suporte, porque interagiu com uma média qualquer ou algo dessa natureza. Toda movimentação resulta, única e exclusivamente, de uma modificação na relação entre oferta e demanda, que em última instância não está sobre controle de ninguém, salvo pequenas oscilações no curtíssimo prazo. Mas ora bolas, então qual a utilidade da análise técnica?
A resposta para essa pergunta é talvez um dos marcos que separam a maior parte de quem se aventura nesse campo de obter lucros minimamente consistentes. A resposta é que, por uma via ou por outra, todos os/as agentes do mercado estão observando o mesmo fenômeno (as oscilações de preço) e sua evolução histórica. A questão, por isso mesmo, é alinhar nosso pensamento com o da oferta e da demanda acumulada. Por exemplo: será que haverá demanda pelo ativo acima do preço X?
Com isso em mente, podemos começar a pensar de uma forma mais simples e, ao mesmo tempo, mais alinhada com a realidade das coisas. A análise técnica, portanto, focaria em encontrar pontos de consenso, regiões de extremidades relativas onde a maioria dos/as agentes que detém a maior parte do volume negociado tende a pensar da mesma forma. Isso, vale lembrar, não é algo de novo – Charles Dow e Richard Wyckoff falavam disso há quase um século atrás.
Embora possa parecer óbvio, é muito comum ver análises que vão no sentido oposto. Ao invés de buscar apenas regiões em que o consenso é mais provável, muitas pessoas se dedicam a uma certa hermenêutica mística – termo filosófico para dizer que tentam adivinhar o futuro com base em sinais que não relação causal com o fenômeno. Daí que se assemelham ao personagem de Russel Crowe em “Uma mente brilhante”: presumem que existe uma ordem secreta no mercado e que, através do estudo, serão capazes de encontrar essas regiões “secretas”, essa lógica quase divina do mercado.
Na prática, contudo, isso se traduz em algo bem mais mundano. Por exemplo, formações gráficas que só são detectadas com muito, muito esforço da parte de quem as desenhou; a fixação de dezenas ou mesmo centenas de linhas de tendência, proporções de Fibonacci, médias e indicadores com vários valores; a auspiciosa contagem de ondas dentro de ondas dentro de ondas. Tudo isso sob a ilusão de que, quando funcionam, tiveram peso causal e não que foi uma pura, sortuda coincidência.
Mais que análise, metodologia técnica
Quem leva a análise técnica a sério sabe que, ao contrário daquela que se fixou no imaginário popular, deve-se trabalhar com uma metodologia rígida, teoricamente embasada e estatisticamente testada. Isso significa olhar sempre as mesmas coisas, ou seja, aplicar sempre o mesmo método para analisar – que, na origem, significa decompor em partes menores – as condições atuais da oferta e da demanda para identificar uma possível mudança no futuro. Ao mesmo tempo que conta com a imprevisibilidade dos resultados individuais.
Observamos sempre o mesmo conjunto de fatores, preferencialmente de forma quantificável, de modo a suprimir a subjetividade de nossos estudos. Nos embasamos teoricamente e buscamos explicar o funcionamento das coisas segundo a lógica da oferta, da demanda e de como a flutuação de preço afeta a predisposição geral a uma ou outra força. Compreendemos a lógica das notícias e indicadores, que modificam a disposição ao risco e, portanto, fluxos entre ativos, balanceamento de grandes posições, entre outras coisas.
Finalmente, utilizamos sempre o mesmo conjunto de fatores – afinal, o maior tesouro de um/a trader é seu sistema operacional – porque sabemos o quanto ele produz de lucro, quanto podemos esperar errar e acertar ao longo de uma série de operações, porque o submetemos a um levantamento estatístico que nos fornece esses dados. Que, por sua vez, ditam rigorosamente a gestão do capital alocado para o uso desse sistema em diferentes modalidades, que podem ir do day trade a construção de portfólios de longo prazo.
O mercado não premia os/as astrólogos do preço, mas as pessoas que se dedicam ao estudo técnico, que se mostre capaz de produzir resultados condizentes com nossas metas e que foca muito mais naquilo que não é possível fazer, daquilo que não funciona, do que aquilo que por vez ou outra, pode vir a dar certo por algum motivo. Se vimos algo que ninguém mais viu, é porque provavelmente não vimos nada importante – foi apenas um truque da “mente brilhante”.