Caro leitor,
Esta semana marcou um ano do famoso episódio das chamadas “meme stocks”.
Usuários de fóruns na internet se uniram e, com a ideia propagada de que estariam lutando contra o sistema, compraram ações e opções de empresas que estavam entre as mais “shorteadas” (ou seja, em que os investidores apostavam mais na queda do que na alta) pelo mercado.
Companhias com um futuro nebuloso pela frente como a rede de cinemas AMC (NYSE:AMC) e a varejista focada em jogos GameStop (NYSE:GME) foram algumas das principais “estrelas” daquele período. Até ações do setor de cannabis entraram na farra.
O caso da GameStop, aliás, foi o que mais dominou o noticiário 12 meses atrás. Com base em um estudo realizado por Keith Gill — conhecido nos fóruns como Roaring Kitty, algo como Gatinho Rugindo, em tradução literal —, diversos usuários literalmente compraram a ideia.
Importante salientar que, apesar das manchetes no começo de 2021, relatos apontam que tal ideia já circulava na internet (mais especificamente, na página WallStreetBets do Reddit) em meados de 2019.
Só que, mesmo que algumas pessoas tenham ganhado dinheiro com esse “trade”, um ano após o ápice do episódio, entendo que o que muitos acreditam ter sido o início de uma revolução no mercado de capitais acabou sendo mais uma decepção.
Ok, você pode argumentar que aqueles que já estavam posicionados no ativo ao final de dezembro de 2020 ainda apresentam ganhos próximos dos 500% até o último fechamento. Obviamente um belo resultado, não há como negar.
Mas se a história teve início no meio de 2019, quando as ações negociavam próximo dos US$ 6, o investidor deveria manter sua posição durante a pandemia — quando chegaram perto dos US$ 3. Não duvido que muitos que compraram a história aproveitaram qualquer repique próximo do valor inicial para desfazer a posição no zero a zero (“pelo menos não perdi dinheiro”).
E também é válido reforçar que as ações não chegaram aos US$ 6 por acaso. Em 2013, estavam na casa dos US$ 40. Três anos depois, foram para os US$ 20. E tudo isso porque o mercado acreditava que se tratava de um negócio com grande dificuldade de sobreviver no futuro.
Em 2013, a GameStop faturava cerca de US$ 8,9 bilhões e lucrava US$ 392 milhões; já em 2017, as vendas se retraíram para menos de US$ 8 bilhões e o lucro para a casa dos US$ 340 milhões. Veio a pandemia e, em 2020, a receita totalizou pouco mais de US$ 6,4 bilhões para um lucro praticamente nulo.
Acho que consigo contar nos dedos de uma mão os investidores que teriam uma grande convicção na tese para comprar ou manter antes da megavalorização.
Afinal de contas, o volume negociado era de 6,5 milhões de ações por dia, em média, até o final de 2019. No auge do episódio das ações meme, em apenas um dia (22 de janeiro de 2021), quase 200 milhões de ações foram negociadas, quando a ação chegou a bater US$ 400.
Ainda que muitos dos investidores que apostaram na companhia o tenham feito usando os cheques de estímulos que receberam do governo americano por conta da pandemia, fato é que a grande maioria desses indivíduos começaram a investir no mercado acionário com essas ações.
E, provavelmente, boa parte está com um combo de ações problemáticas nas mãos, com poucas perspectivas de melhora — algumas dessas empresas tinham uma chance com os juros americanos próximos de zero; agora, com a expectativa de aumento na taxa básica, a situação é mais complicada.
Um sinal da menor animação dessa nova classe de investidores pôde ser observado nos resultados do quarto trimestre da corretora digital Robinhood, cujas ações caíram mais de 14% após a divulgação.
Ainda que o número de contas ativas com recursos tenha quase dobrado na comparação anual (22,7 milhões ante 12,5 milhões um ano atrás), é o terceiro trimestre que esse número fica estagnado. Além disso, o número de usuários mensais ativos caiu pelo segundo trimestre seguido.
A receita no trimestre totalizou US$ 363 milhões, um crescimento de 14% na comparação anual, mas 30% menor do que no 1T21 (exatamente no período das ações meme).
E olha que estamos falando do mercado acionário mais desenvolvido do mundo, mas ainda assim vemos que muitas pessoas não se preocupam com as fontes de informação quando o assunto é investimentos. Se isso acontece nos Estados Unidos, imagina aqui em terras tupiniquins.
Tenha cuidado com a quem você dá ouvidos para tomar decisões tão importantes para sua independência financeira. Um felino com certeza não é a melhor das opções.
Um abraço