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Crise no Reino Unido: por que a terra do Rei virou o reinado dos memes?

Publicado 26.10.2022, 10:24
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A alface x A líder

Uma câmera dedicada a filmar a evolução de uma alface trajando óculos, sapatos e peruca. Uma foto da famosa porta no número 10, na rua Downing, Londres, Reino Unido – como anúncio do Airbnb (NASDAQ:ABNB) (BVMF:AIRB34) “para curtos períodos”. Um vídeo com cenas envolvendo o maior cargo político britânico, ao som de Taylor Swift.

Se me mostrassem tudo isso há três meses, não entenderia absolutamente nada. Imaginaria se tratar de uma nova trend do Tiktok, que não tenho nenhuma paciência para acompanhar.

Mas a verdade é que esses e muitos outros memes carregados do melhor do humor britânico figuraram entre os conteúdos mais acessados dos últimos dias nas redes sociais ao redor do mundo.

O motivo para tanta criatividade? A renúncia da primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss.

Um passo atrás: um divórcio malsucedido

Para quem não tem acompanhado de perto a situação da economia na terra do agora Rei Charles III, os últimos meses foram marcados por fortes turbulências políticas, econômicas e sociais.

Esses incluíram a morte da Rainha Elizabeth II, a queda da libra esterlina ao menor patamar dos últimos 40 anos, o vai e vem de um orçamento bilionário, uma intervenção emergencial do Banco Central no mercado de títulos públicos e – então – a conclusão do menor mandato de primeiro-ministro da história do Reino Unido.

Tudo isso pode parecer esquisito. Afinal, estamos falando de um dos principais centros financeiros do mundo, e um país com passado econômico e institucional robusto.

Porém, podemos remontar o começo da virada da maré econômica britânica ao referendo que aprovou a saída do país da União Europeia. Após um resultado que surpreendeu a todos, o país se voltou completamente aos arranjos do “divórcio” com os europeus, que durou mais de dois anos e cujos impactos negativos serão sentidos por anos.

Para se ter uma ideia, o Departamento de Responsabilidade Fiscal britânico (Office for Budget Responsibility) estima que a saída da União Europeia deve reduzir o potencial de crescimento do Reino Unido em 4% no longo prazo – um impacto maior do que o estimado para a pandemia da covid-19.

Em bom português: a separação não parece ter sido uma boa ideia, ao menos em termos econômicos.

A pandemia, a guerra e a inflação

Mal se concluíam as negociações com a União Europeia, e a pandemia da covid-19 derrubou o PIB do país em 9,3% - a pior performance entre seus “colegas” do G7. O ano de 2021, porém, foi marcado pela recuperação da economia do país (que cresceu 7,4%). E, embora não tenham conseguido recuperar o nível de PIB observado no pré-pandemia, a liderança nas vacinas contra a covid-19 fortaleceu a imagem e reputação do país no cenário global.

Foi então que a eclosão da guerra entre Rússia e Ucrânia e a verdadeira “estilingada” nos preços de commodities energéticas, em especial o gás natural, cravou outro profundo prego na economia britânica. Com quase 30% de sua matriz energética ligada ao gás, e 80% das famílias dependentes da commodity para o aquecimento de suas casas, a inflação atingiu o patamar de 10,1% - impulsionada, como o esperado, pelo preço de energia.

Com a inflação, veio a insatisfação popular, que se uniu a uma crise política que derrubou a administração do então primeiro-ministro Boris Johnson, do Partido Conservador.

Thatcher às avessas

A escolhida pelo partido para suceder a Johnson como líder do partido, e então Primeira-Ministra, foi Liz Truss – em um movimento que surpreendeu a muitos diante de sua subida relativamente rápida dos degraus políticos britânicos.

Sua campanha? “Fazer o Reino Unido grande novamente” (slogan fictício da autora). Comparada por muitos à Margareth Thatcher (ex primeira-ministra conhecida por suas políticas de livre mercado e austeridade fiscal), Truss logo determinou sua principal estratégia para lidar com a inflação alta: o congelamento dos preços de energia.

Poucos dias depois, Truss foi além, e anunciou um pacote agressivo de cortes de impostos, incluindo a redução do imposto de renda para os mais ricos. Juntos, os pacotes tiveram o custo estimado de mais de 150 bilhões de libras (aproximadamente R$ 870 bilhões).

Com a inflação já em níveis historicamente altos, o estímulo adicional à demanda por bens e serviços pressionaria ainda mais a inflação, eventualmente levando o Banco Central do país a subir ainda mais os juros. A alta de juros, por sua vez, tenderia a colocar mais lenha na fogueira da desaceleração econômica já em curso no país. Afinal, quanto mais altos os juros, maior o freio imposto à economia.

Menos Thatcher impossível, pensei eu.

A renúncia e os impactos no Brasil

Como era de se esperar, investidores anteciparam a alta probabilidade desses movimentos, e o resultado foi a forte elevação da volatilidade nos mercados britânicos no último mês.

Após o anúncio, vimos a libra esterlina despencar ao seu menor valor da história, a bolsa cair e títulos públicos dispararem – esses últimos em tamanha magnitude, que apenas a intervenção do Banco Central impediu maiores estragos à importante indústria de fundos de pensão do país.

Foi então que, dias após ver seu novo ministro das finanças (que seguiu a demissão vapt vupt do primeiro) recuar de praticamente todas as medidas anunciadas no pacote fiscal bilionário, Truss anunciou sua renúncia ao cargo de primeira-ministra - consolidando seu papel como líder menos longeva da história do Reino Unido.

O impacto para nós, aqui no Brasil? A aversão ao risco reforçada por mais incertezas no cenário global não é positiva, muito menos a desaceleração de uma das principais economias do mundo.

Dito isso, o Reino Unido não representa um parceiro comercial de tamanha relevância para nós, e nossas empresas e ativos financeiros têm pequena exposição relativa ao país, de maneira geral.

Por outro lado, nossos ativos financeiros acabam ganhando um “brilho a mais” em meio à tanta incerteza - unindo-se aos juros já bastante altos, a composição da nossa bolsa em setores como commodities e bancos e o desconto em nossos ativos.

Resumo da ópera: Perderam a libra, a credibilidade das instituições britânicas e muitos investidores. Venceu a alface, que durou mais que os dias de Truss no cargo, e quem sabe nós aqui, descolando uma “folhinha” do novo Reino Unido emergente.

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