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Crise e Eleição: Cenário Preocupante para a Regulação de Criptomoedas no Brasil

Publicado 08.06.2018, 12:36
Atualizado 02.09.2020, 03:05
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Atualizado às 23h50 de 8 de junho de 2018 para inclusão das Notas do Autor após leitura dos comentários dos leitores

O Brasil parece estar entrando numa crise séria. Nessa semana, nosso principal índice de ações, o Ibovespa, perdeu cerca de 6%. O dólar superou os 3,90, um aumento de 4% em relação ao começo a semana. Vale notar que o dólar já aumentava consideravelmente desde março. O governo prometeu aos caminhoneiros grevistas subsídios, acompanhados de um forte custo fiscal numa situação já degenerada. Como consequência, juros futuros disparam. Aparentemente, não é um bom momento para ser brasileiro e estar no Brasil.

Ruim agora? O cenário eleitoral parece ainda pior para aqueles que acreditam em teorias mais ortodoxas sobre a economia. Os dois candidatos que lideram as pesquisas mais recentes – Bolsonaro e Ciro Gomes – têm retórica mais nacionalista na economia. Quem acompanha a história econômica sabe que, normalmente, nacionalismo exacerbado e trajetórias protecionistas costumam vir com controles de capital. E quem sabe de criptomoedas, sabe que não é muito difícil evadir divisas ou evitar o pagamento de impostos atualmente por meio desses ativos.

Ligando os pontos, parece haver um certo risco eleitoral para os investidores de criptomoedas brasileiros. Não apenas os criptoativos surgiram de uma proposta libertária – de certa maneira uma resposta às ingerências estatais na economia – mas também eles são mais afeitos a economias liberais. Naturalmente, (quase) todos os governos tendem a ter certos cuidados e buscam minimizar lavagem de dinheiro e financiamento de terrorismo, havendo tratados internacionais nessa direção e algumas ações contrárias às privacy coins; contudo, há países mais propensos a medidas draconianas sobre criptomoedas.

De acordo com a Wikipédia, na América do Sul há dois países onde há banimento do Bitcoin: Bolívia e Equador. Esses países fazem parte do bloco bolivariano juntamente com a Venezuela, que não baniu. Rússia e China, apesar de constarem como aceitando o Bitcoin, possuem uma série de ressalvas detalhadas no texto. Observando a tabela, a intuição sugere que haveria uma associação entre países com maior espaço institucional para nacionalismo econômico e o banimento do Bitcoin.

O Brasil, como sabemos, é um prato cheio para essas ideologias. Na nossa própria trajetória regulatória no congresso, um projeto inicialmente moderno e compatível com as preocupações dos reguladores europeus teve um parecer tenebroso pelo relator: proibição das criptomoedas. O relator, citando Joseph Stiglitz, um grande economista que apesar de seu Nobel não sabe nada de criptoeconomia e plataformas descentralizadas, diz “a verdadeira razão pela qual as pessoas querem uma moeda alternativa é participar de atividades ilícitas: lavagem de dinheiro, evasão fiscal". Percebemos, então, que a preocupação com evasão fiscal já está no radar de nossos legisladores. Com uma crise, podemos crer que esse radar apitará ainda mais fortemente.

Portanto, no caso de um candidato mais nacionalista entrar e a economia continuar na rota atual, não creio impossível uma regulação mais agressiva do Bitcoin. Naturalmente, isso é apenas um tail risk: não vejo o Bitcoin sendo tanto o foco dos políticos brasileiros. No entanto, esse risco – ainda algo improvável – me parece mais palpável. Recomendo a todos atenção nessa questão e algum cuidado com construção de cenários eleitorais e alternativas de investimento (cripto ou tradicionais). Sinceramente, não gosto de falar de política profissionalmente (ou fora do meio acadêmico), porém creio que talvez estejamos chegando em onde vale mais prevenir do que remediar no que tange criptoativos no Brasil.

Nota do Autor 1: Esse texto é sobre um tail risk, ou seja, ele trata de um pior cenário que não é muito provável, porém que se torna mais possível sob certas circunstâncias. O raciocínio sobre as eleições é a construção de um argumento sobre uma maior probabilidade do cenário de regulação draconiana se concretizar, porém não significa que esse cenário é aquele que mais possivelmente ocorrerá. Há a articulação de elementos que mostram a relação entre crise, nacionalismo e controle de capitais, porém, como todo exercício de construção de cenários, há premissas e questões probabilísticas que podem não se realizar. Ter diversos cenários construídos é importante para ambientes de forte incerteza, e, eventualmente, se preparar para os piores é importante para uma pessoa consciente de riscos.

Nota do Autor 2: Estabeleci meu argumento mais de uma perspectiva institucional do que exatamente da personalidade do candidato. Ao comparar o Brasil com demais países da América do Sul, Ásia e Rússia, o objetivo era mostrar que em países com maior discricionariedade do poder executivo há margem para maiores riscos regulatórios. Isso, associado a uma retórica nacionalista, pode ser danoso. Como dito na Nota 1, Bolsonaro não é um político tão facilmente desassociado do estatismo e, bem, ele quando eleito pode seguir essa linha de acordo com o clima político (que atualmente creio difícil de prever sem ser um insider em Brasília). O mesmo vale para Ciro Gomes (que, inclusive, creio ter mais indícios que não mudará sua trajetória estatista que Bolsonaro).

Nota do Autor 3: Na literatura em ciência política há duas correntes que me fazem crer que o candidato Bolsonaro poderá não ser liberal apesar do ministro anunciado Paulo Guedes. O primeiro é que Bolsonaro pode demitir Paulo Guedes, e não o contrário. Bolsonaro parece ter um perfil autoritário e concentrador de poder, faltando azeite para besuntar coalizões legislativas efetivas e controladas. No passado recente tivemos Dilma, com perfil nacionalista e centralizador, anulando os esforços de Joaquim Levy, Chicaguista e de mercado, assim como Paulo Guedes. A carreira política de Bolsonaro valoriza a ditadura militar, que particularmente foi tudo menos liberal na perspectiva econômica, indicando uma orientação pessoal mais desenvolvimentista, sendo isso algo a ser considerado. Nesse caso, pode acontecer algo como um governo Lula I: liberalismo por uns poucos anos e retomada do desenvolvimentismo após o ajuste.

A outra linha é sobre mudanças de política econômica, de esquerda-nacionalismo rumo ao “neoliberalismo”. A mudança de “esquerda” para “neoliberalismo” na história das novas democracias na América Latina depende de alguns fatores: cenário externo, volatilidade eleitoral e institucionalização do partido do presidente. O cenário externo e o fato do PSL ser um partido de aluguel parecem realçar a possibilidade de shift se Bolsonaro quiser. Entretanto, estamos num momento de forte volatilidade eleitoral: a institucionalização até então encontrada e orbitando entre PSDB e PT parece ter se encerrado. Isso sugere que pode haver maiores custos de capital político para trazer estabilidade ao governo. Apesar das promessas liberais, Bolsonaro também acena aos grevistas e uma série de outros elementos populistas. Seus aliados políticos, por agora, são poucos e são em sua maioria populistas, o que parece reforçar ainda mais essa questão. A força do presidente importa para conseguir mudar essa mensagem ambígua e, também, evitar pautas-bomba pelo congresso para ter um liberalismo efetivo.

Por fim, dada essa mensagem ambígua, há expectativas negativas por muitos investidores institucionais a respeito do candidato Bolsonaro. Se há medo dele afetar a economia, possivelmente o ajuste político para resolver a crise será mais custoso que o de um “candidato do mercado”. Isso aumenta a sua necessidade de capital político. A coalizão de Bolsonaro, por enquanto, parece composta pelo seu partido, alguns outros pequenos e pelo PR, sendo não suficientemente grande para aprovações de PECs e similares. A menos que Bolsonaro forme uma coalizão coerente, mudando seu perfil de negociação, e que os políticos brasileiros estejam desesperados o bastante para não entrarem num “quanto pior, melhor”, há incerteza de políticas liberais, apesar do aparentemente bom trabalho do Paulo Guedes. Escrevo essa análise sem juízos de valor: cabe ao povo brasileiro escolher quem prefere como presidente; contudo, cabe a mim como profissional de risco e pesquisador em economia política me precaver para cenários pessimistas, porém não impossíveis.

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