No início deste mês de agosto, tivemos uma excelente notícia: foi concluída a primeira emissão de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) verdes em dólar no âmbito do RCF (Responsible Commodity Facility).
De modo geral, o RCF é um programa de financiamento de commodities responsável, que busca oferecer benefícios adicionais a quem faz mais do que cumprir a lei. E, como profissional de finanças, sei da importância de alinhar incentivos para impulsionar programas sustentáveis.
No Brasil, o capital levantado pela iniciativa será utilizado para oferecer linhas de crédito com juros mais baixos aos agricultores que cumpram os critérios de elegibilidade do RCF e se comprometam com o desmatamento zero, conservando suas áreas de Reserva Legal, prevenindo impactos climáticos negativos e a perda da biodiversidade. Isso demonstra, na prática, a possibilidade de cada instituição criar e customizar os seus programas. Ou seja, não é necessário replicar a mesma fórmula para que haja impactos positivos.
Em suma, para participar do Programa, denominado de “RCF Cerrado 1”, os agricultores devem estar em conformidade com o Código Florestal Brasileiro, ter direito ao uso da terra e demonstrar que não infringem outras exigências ambientais ou legais. Além disso, as áreas a serem financiadas devem possuir cobertura de vegetação nativa superior à exigida por lei (Reservas Legais e Áreas de Preservação Permanente - APPs), que deverão ser conservadas pela duração do contrato com o fundo.
A implementação do programa reduzirá a conversão dos habitats naturais do Cerrado e conservará seus estoques de carbono e biodiversidade, ao mesmo tempo em que apoia a produção de soja livre de desmatamento.
Mais projetos
Como há infinitas maneiras de customizar programas que aliem impacto sócio ambiental a incentivos financeiros, outra grande instituição que anunciou avanços em práticas sustentáveis em sua cadeia produtiva é a &Green, que junto com a FS trabalhará para avançar ainda mais em uma cadeia de fornecimento de milho sem desmatamento no estado do Mato Grosso.
Por meio dessa parceria, a FS se compromete a adquirir milho livre de desmatamento com um contrato de não desmatamento, sem turfa, sem exploração (NDPE) com o &Green. E cumprir os compromissos sem desmatamento, sem expansão em turfa e sem exploração (NDPE) é um processo contínuo para entender o que é necessário para alcançá-lo, bem como um compromisso de acompanhar o progresso, identificar onde é necessária ação e trabalhar para implementar as mudanças necessárias e outras melhorias.
Com isso, a FS terá acesso a um crédito de U$ 30 milhões, com 8 anos de prazo e, em contrapartida, irá melhorar a rastreabilidade de sua cadeia de fornecimento de milho, mitigar o risco de desmatamento e promover a intensificação de terras e restauração de florestas.
A FS também se compromete a conservar 224.000 hectares de floresta, a intensificar a produção de forma sustentável em 40.000 hectares de terras degradadas e a restaurar 5.000 hectares de áreas nativas degradadas por meio da implementação de uma estratégia de engajamento com fornecedores e atores.
Projeto Reverte
Outro projeto bastante promissor é o Reverte, uma parceria entre Syngenta e a TNC. Lançada em 2019, o objetivo da iniciativa, que está baseada nos princípios da Pecuária e Agricultura Regenerativa, é demonstrar a viabilidade econômica da recuperação de pastagens degradadas, em detrimento da abertura de novas áreas para cultivo de soja, evitando o desmatamento.
O projeto fomenta a recuperação de pastagens do Cerrado considerando os benefícios de conservação do solo e da água, de forma a melhorar a produtividade, além de aumentar o sequestro e reduzir as emissões de carbono, o que contribui para aumentar a resiliência dos sistemas produtivos a eventos climáticos extremos. Com isso, o Reverte busca influenciar a transformação do agronegócio no Cerrado, gerando benefícios sociais, econômicos e ambientais hoje e no futuro.
Inspirado por uma construção coletiva com a participação de 48 representantes de instituições como bancos, traders, produtores rurais, a Embrapa e a academia, o Reverte teve sua primeira fase concluída em 2021.
Nesse período, o projeto já conquistou resultados importantes, como o desenvolvimento de um mecanismo financeiro específico para o financiamento da produção agrícola sobre áreas degradadas; além do compromisso financeiros para o cultivo de soja sem desmatamento.
Inovação financeira e agricultura sustentável
Em novembro de 2021, na COP26, oito instituições anunciaram um compromisso importante para incentivar a produção de soja e gado livres de desmatamento e conversão de habitats naturais no Brasil, na Argentina e no Paraguai. Essas instituições passarão a destinar US$ 3 bilhões - com mais de US$ 200 milhões em desembolsos até 2022 - para ações que impulsionam esse objetivo.
A meta da iniciativa Inovação Financeira para a Amazônia, Cerrado e Chaco (IFACC), promovida pela The Nature Conservancy, Tropical Forest Alliance e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, é atingir US$ 10 bilhões em compromissos e US$ 1 bilhão em desembolsos até 2025.
As empresas &Green Fund, AGRI3, DuAgro, Grupo Gaia, JGP Asset Management, Syngenta, Sustainable Investment Management e VERT foram as primeiras signatárias da iniciativa, que visa incentivar um modelo mais sustentável de produção de commodities. Os projetos citados acima são parte do guarda-chuva IFACC. Desde então, outros agentes assinaram o compromisso: 3J, AgDev, Opea, Mauá e Agrogalaxy.
Todas essas iniciativas mostram que estamos no caminho certo em direção a um futuro mais sustentável, que respeite o meio ambiente, as pessoas e o desenvolvimento econômico. No entanto, o que eu quero ressaltar aqui é a importância da persistência e da resiliência.
Para que todas essas iniciativas finalmente saíssem do papel e ganhassem adesão de empresas e instituições importantes, que colocarão em prática compromissos ambientais fundamentais para uma economia verde, nós precisamos ter muita persistência ao longo do caminho, para fazer as mudanças necessárias e ajustar os ponteiros de ações que não estavam inicialmente previstas.
É o que eu sempre digo: ninguém faz nada sozinho. Por isso, é gratificante perceber que cada vez mais empresas e instituições de peso estão se comprometendo a colocar o desenvolvimento sustentável como prioridade. Mas sei que, para alcançar esse objetivo, é preciso muita resiliência para entender que mudanças de rota são necessárias e que nem sempre tudo sai conforme o planejado.
E vou além. Não é preciso apenas paciência, mas também convicção na sua visão e no seu propósito, porque projetos importantes e de impacto demoram e é necessário adaptar-se sempre que preciso.
Fico feliz de ver os importantes avanços desses projetos e espero que, cada vez mais, outras iniciativas sejam desenvolvidas e incorporadas, afinal, como todos nós sabemos, não temos tempo a perder.