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Construindo um Sistema de Análise Técnica, parte 7: Estudos em Fundamentos

Publicado 27.11.2020, 19:55
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Gostaria de iniciar este texto me desculpando pela demora em produzi-lo. Tive uma feliz surpresa ao descobrir que um número significativo de pessoas estava aguardando sua liberação, mas estive preso com outros compromissos e projetos, que no momento tinham maior urgência. Agradeço a todos/as que se vêm me apoiando ao longo desta caminhada, contêm com meu apoio e tutela sempre que necessitarem.

Fazendo um breve retrospecto, partimos de alguns princípios básicos em análise técnica e de suas características de risco-retorno, passando em seguida por estudos em preço, volume, volatilidade. Nos resta, agora, integrar a esse quadro os aspectos macroeconômicos ou, em outros termos, os fundamentos econômicos do mercado financeiro e como eles se imbricam com o desenvolvimento de sistemas de análise técnica. Buscarei me aprofundar nos seguintes temas: indicadores macroeconômicos (calendário econômico), política econômica, fluxos globais de risco, correlações entre ativos, volatilidade implícita, seleção de ativos.

Entretanto, antes de tratarmos desses temas, precisamos delimitar aquilo que se compreende por “fundamentos econômicos” e por que eles são cruciais para o bom funcionamento de um sistema de análise. Conforme o termo sugere, tratam-se aqui de aspectos que estão na base de uma economia, setor econômico ou mesmo de um ativo específico e que, grosso modo, estão na base do processo de precificação, embora não necessariamente (ou diretamente) afetados pelo preço. Vamos tomar, como exemplo, os preços de uma ação qualquer negociada em bolsa.

Os resultados de lucro, seu caixa disponível, o patrimônio por ação, entre dezenas de outros fatores, compõe aquilo que chamaríamos de fundamentos da empresa e, não por menos, formam a base da análise fundamentalista. Esses fundamentos não se refletem diretamente no preço da ação, visto que o propósito dessa análise é investir em empresas que, nos termos da metodologia, estão sendo negociadas num preço abaixo do valor justo para a ação. Portanto, em linhas gerais, tais fundamentos estão relacionados a atividade exercida pela empresa e não diretamente a relação de oferta-demanda pelo ativo.

Em particular, esse é o caso dos ativos cambiais, que refletem, no limite, os fundamentos econômicos dos seus países ou zonas emissoras em relação a outro, sob a forma da moeda. Importante ressaltar que sempre se trata, em termos de câmbio, da força de uma moeda contra outra (condição para que exista “câmbio”, ou seja, troca). Assim, quando o PIB do Brasil vem abaixo do esperado, a moeda nacional (Real) tende a enfraquecer frente a outras, como o Dólar. Entretanto, o resultado do PIB não resulta diretamente, nem exclusivamente, da oferta e demanda por contratos futuros da moeda americana – daí que o PIB, dentre muitos outros, seja tratado como fundamento econômico.

Pode parecer desnecessário entrar em miúdos a esse respeito, mas é crucial compreender que fundamentos econômicos não estão diretamente relacionados a um ativo específico, porque isso é o que faz com que não estejam sujeitos a oferta/demanda ao mesmo tempo que afetam, de forma mais ou menos direta, essa relação. Como vimos, um PIB abaixo do previsto enfraquece a moeda nacional porque menos pessoas tem interesse em investir no país, fazendo com que a negociação penda para uma maior oferta de reais e, consequentemente, demanda por dólares.

Me limitando a um último exemplo, tratemos do caso dos fundamentos econômicos de um setor. A produção industrial do país, assim como aquela dos principais parceiros comerciais do Brasil, não está atrelada aos processos de negociação/precificação em bolsa. Entretanto, se notamos um avanço significativo nesse dado, digamos de um semestre para outro, isso pode afetar de forma significativa a oferta-demanda por ações de companhias que exportam minério ou combustíveis, uma vez que se projeta uma maior demanda por matéria prima e energia.

Isso explica o porque da macroeconomia receber esse nome, se importa principalmente com os aspectos mais gerais (macro) da economia, sem se deter em fenômenos mais pontuais e específicos (microeconomia). Dentro desse escopo, temos basicamente duas grandes áreas a serem consideradas em nossas análises: política econômica e indicadores econômicos. Juntos, esses fatores geram mudanças no fluxo global de capital na medida em que afetam a percepção geral do risco, tanto em termos mundiais quanto relativos a uma economia ou setor.

Quanto a relação entre política econômica e indicadores econômicos, considero essencial notar que elas se afetam mutualmente, com as diretrizes políticas sendo em grande medida resultantes dos resultados de indicadores. Começarei pelos últimos, que considero um pouco mais simples de serem compreendidos: nada mais são do que dados que medem o estado de determinada economia ou setor.

Indicadores econômicos

Quase sempre e para quase todos os indicadores econômicos relevantes, haverá uma projeção consensual, que nada mais é do que a “média” das projeções de agentes relevantes do mercado financeiro: bancos, corretoras, casas de análise, pesquisadores/as, etc. Na medida em que existem centenas de indicadores, focarei apenas nas suas principais categorias e como elas impactam os rumos da política econômica, a saber: indicadores de produção, inflação e percepção econômica. Para esclarecer, tomemo-nos um a um.

Indicadores de produção são, em larga medida, autoexplicativos: medem o quanto um país ou setor produziu num período determinado, em comparação a outros períodos. O mais comum, pelo menos para as economias de porte global, são indicadores que medem a produção industrial ou manufatura (manufacturing, em Inglês), tendo portanto impacto direto no modo como investidores avaliam a saúde das principais empresas negociadas em bolsa e, por outro lado, o quão forte está a economia do país.

Paralelamente, um outro tipo de indicador da produção inclui aqueles que fazem uma medição indireta de uma economia: tratam-se daqueles medem o desemprego e estoques de combustível. Ora, na medida em que a atividade industrial aumenta, o desemprego tende a cair, assim como os estoques de combustível usados para manter as fábricas funcionando. Nesse segundo caso, os principais dados envolvem a quantidade de barris de petróleo que sobraram ou faltaram num determinado período, para um número pré-determinado de setores-chave.

Além do próprio crescimento ou queda do PIB (produto interno bruto, soma da riqueza produzida num país), talvez o principal indicador produtivo a levarmos em consideração é o PMI ou purchasing manager index. Trata-se de um levantamento feito com diretorias responsáveis pelas compras de uma empresa e que visa avaliar se houve melhora, piora ou nenhuma mudança significativa na administração dos estoques: a lógica é que se houve, digamos, um aumento nas compras de matéria prima, isso reflete uma demanda maior pelos produtos ou serviços da empresa.

Ao realizar essa pesquisa com várias indústrias e setores, é possível produzir um índice que representa uma contração ou expansão. Com isso em mente, valores acima de 50 são considerados positivos (economia crescendo), com aqueles abaixo de 50 apontando para uma contração (economia encolhendo). No geral, o PMI mais relevante é dos EUA – maior economia do mundo -, seguidos pelo da Zona do Euro (e da Alemanha, em particular), China, Grã-Bretanha e Japão. Essa mesma escala vale para todos os demais dados macroeconômicos, no qual mudanças nos fundamentos da cada uma das maiores economias do mundo afetam todas as demais.  

Quanto ao emprego/desemprego, temos alguns indicadores bastante relevantes. O principal deles é o famigerado payroll, formalmente chamado de United States Nonfarm Payrolls, que calcula a mudança no número de pessoas empregadas, excluindo-se empregos agrícolas (focando, portanto, na indústria e serviços). Divulgado sempre na primeira ou segunda sexta-feira de cada mês, às 8h30 no horário de Washington (10h30 no de Brasília), costuma gerar picos de volatilidade nos mercados globais, especialmente de contratos futuros, commodities e moedas estrangeiras. Entretanto, ele não é o único.

Especialmente durante a pandemia de Covid-19, um indicador chamado Initial Jobless Claims, divulgado semanalmente pelo governo dos EUA, tem tido bastante impacto na medida em que mostra o ritmo de recuperação ou piora da maior economia do mundo. Ele representa o número de pessoas que pediram, pela primeira vez, auxílio desemprego no país: quanto maior o número, pior o estado da economia (mais pessoas entrando se tornando desempregadas) e vice-versa.

Outros indicadores incluem o ADP Nonfarm Payroll, uma prévia realizada pela empresa ADP, que presta serviços de RH para milhares de empresas inclusas no levantamento oficial. Com exceção dos EUA, os indicadores de emprego/desemprego dos demais países não chega a exercer um impacto tão grande, mas é bom tê-los sempre em mente, a não ser que esteja lidando com um ativo diretamente ligado a performance desses países, como índices ou moedas estrangeiras.

O principal indicador econômico a influenciar os preços do petróleo é o U.S. Crude Oil Inventories, que mede a mudança semanal no número de barris de petróleo estocados por empresas americanas. Quando o número vem acima do esperado, isso indica um excesso de estoque e, portanto, baixa atividade industrial; ao contrário, um número abaixo do esperado indica que o estoque não foi o suficiente e que existe maior demanda pela commodity, o que sugere alta na atividade industrial durante o período.

Outro dado fundamental sobre a economia é a taxa de inflação, que inclusive é utilizada para definir períodos de recessão, superatividade ou estagnação, embora a rigor essa lógica só seja aplicável a economias desenvolvidas – como, aliás, muito do que se prega como aspectos “universais” da economia, mas isso é assunto para outro texto.

Lembrando que a inflação nada mais é do que a taxa de expansão dos preços numa economia, indicando que a demanda supera a oferta e que o consumo interno está num índice saudável. Uma desaceleração ou deflação (queda nos preços), por outro lado, mostra indisposição ou capacidade de consumo – quem vende, então, precisa aceitar ganhar menos sobre produto ou serviço oferecido, eventualmente tendo que incorrer em prejuízos.

A forma mais tradicional de se obter dados sobre a inflação é determinando uma cesta de produtos e serviços considerados essenciais, incluindo alimentação, moradia, transporte, entretenimento, etc., para em seguida acompanhar as flutuações de preço em períodos determinados – semanas, meses, trimestres. De longe, o indicador mais popular de inflação utilizado nos mercados financeiros é o CPI, ou consumer price index (índice de preços ao consumidor), que no Brasil é representado pelo IPCA (índice nacional de preços ao consumidor amplo).

Um último tipo de indicador importante mede a percepção de agentes produtivos, empresariais e consumidores/as a respeito do futuro, tanto de forma direta quanto indireta. No primeiro caso, as pesquisas levantam dados diretamente com esses grupos, perguntando por exemplo sobre suas expectativas para o próximo trimestre ou ano – caso do Ifo Business Climate, publicado mensalmente pelo governo da Alemanha, maior economia da Zona do Euro e do CB Consumer Confidence, dos EUA.

Uma forma indireta de avaliar a percepção geral do mercado sobre a economia é através de dados do setor imobiliário, principalmente aqueles que envolvem novas licenças para construção de casas e, claro, as vendas registradas num período. No primeiro caso, os empreendimentos imobiliários, que em geral tem duração mais longa, mostram uma disposição maior em assumir riscos de longo prazo e, no segundo caso, assumir o compromisso de financiar uma casa reflete (em tese) uma crença maior na estabilidade econômica, visto que ela tende a ser paga ao longo de vários anos.

Com tudo isso em mente, gostaria de lembrar que você não precisa se lembrar do que cada um desses indicadores significa: no próprio Investing.com, assim como em vários outros portais, estão disponíveis Calendários Econômicos com as datas de divulgação desses dados. Inclusive, mostram sua importância relativa (uma estrela significa que o indicador tem baixo potencial de impacto nos mercados, três estrelas indicam um alto impacto e duas estrelas, algo entre as duas coisas). Além disso, basta clicar nele para ver um resumo e dados históricos do indicador.

Política Econômica

Como disse, a outra parte crucial dos fundamentos econômicos diz respeito a política econômica, isto é, como as diversas instituições de país ou conjunto de países lidam com os dados representados pelos indicadores. De antemão, é bom lembrar que não existe receita pronta para uma política econômica, visto que a Economia é uma ciência sujeita a história e não a leis universais. Em outros termos, quero dizer que a mesma política econômica tende a ter efeitos drasticamente diferentes quando aplicada a diferentes situações, condições de produção, enfim.

Como sabemos, o objetivo de uma política econômica, e inclui-se aqui a “ausência ativa” (isto é, se esforçar para não realizar nenhuma intervenção), é manter um equilíbrio “saudável” na economia. Em geral, isso se traduz em uma inflação controlada, baixo índice de desemprego e crescimento real do PIB, isto é, preferencialmente sem aumentar excessivamente a dívida pública. Outros fatores relevantes incluem a redução de índices de desigualdade, ampliação do poder de compra, aumento da competitividade nacional, dentre outros, que afetam direta ou indiretamente os objetivos primários.

Nos termos do mercado financeiro atual, os dados que mais afetam a precificação de ativos são as políticas monetárias, como mudanças na taxa básica de juros (que define o quão caros ou baratos são os empréstimos, ou custo de crédito) e políticas fiscais (que incidem sobre gastos e receitas governamentais). Nas economias desenvolvidas, políticas voltadas para geração de empregos formam um terceiro pilar, visto que afeta diretamente na saúde econômica do país. Infelizmente, no Brasil, o desemprego dificilmente é levado a sério, assim como a desigualdade, ambos fatores que cortam pela raiz a possibilidade de desenvolvimento econômico, industrial e humano.

O mecanismo básico por detrás de uma política monetária é que ao diminuir o retorno oferecido pelo investimento mais seguro da economia (emprestar dinheiro ao tesouro nacional), cria-se um incentivo para investimentos mais arriscados – empréstimos, debêntures, ações, etc.) para manter a mesma taxa de retorno. Por outro lado, conforme os juros se tornam mais baratos, há um incentivo para que se tomem empréstimos, que podem ser usados tanto para consumo quanto para investimentos privados (abertura ou expansão de negócio), que em ambos casos promovem uma aceleração da atividade econômica (quando a política funciona).

Num sentido oposto, economias que sofrem com inflação descontrolada (como o Brasil) e cujo risco de investimento é considerado alto, recorrem a aumentos na taxa de juros para desacelerar o avanço dos preços ao mesmo tempo que atrai investimentos estrangeiros que se beneficiam do prêmio de risco (taxa de juro alta). O problema, por outro lado, é que isso tende a fazer com que o grau de endividamento público suba sem que, necessariamente, seja produzido um retorno equivalente em termos, digamos, de desenvolvimento econômico.

Nos dois casos, um fator a ser considerado é o impacto que essas políticas geram para além da inflação, em especial a taxa de câmbio. Nos detendo no caso das principais moedas do mundo (que não incluem o Real), uma diminuição da taxa de juros faz com que o preço de se investir ou negociar com um país diminua na medida em que o investimento-base, no tesouro nacional, oferece um retorno menor (arrefecendo a demanda). Acusações de manipulação cambial, nesse sentido, são comuns entre países que concorrem a nível global. Ativos relacionados ao mercado de ações e empresas tendem a reagir positivamente frente a quedas na taxa de juros.

Paralelamente, quando um governo passa a oferecer um retorno maior sobre investimentos feitos no país, a tendência é que sua moeda se valorize: como o prêmio de risco aumentou e o crédito ficou mais caro, ações tendem a render um pouco menos, ao passo que investimentos em renda fixa se tornam mais atraentes. No que tange as grandes economias, isso nos leva a uma distinção entre moedas de risco, como o Euro ou Dólar australiano, e moedas “refúgio”, caso do dólar e do iene japonês, que pagam muito ou tem rendimento negativo (taxa de juros abaixo de 0%) mas são extremamente seguras e estáveis.

Em termos de política fiscal, há uma certa confusão prevalente no Brasil e em outras economias latino-americanas, que correlaciona de forma direta o endividamento público com a performance econômica – ignorando aspectos fundamentais como a desigualdade e baixíssimo grau de industrialização. Não por menos, insiste-se na tese de que o desenvolvimento econômico do país passa por uma série de medidas de austeridade, que ironicamente são dispensadas de qualquer avaliação de resultado. As reformas da Previdência e Trabalhista pioraram muito as condições de trabalho, mas o desemprego hoje é o dobro do que era e o PIB de 2019 (pré-pandemia) cresceu míseros 1.1%.

Não vou entrar em detalhes nesse texto sobre as críticas que tenho a condução fiscal do Brasil, me limitando a dizer que, com relação às economias desenvolvidas, políticas fiscais devem ser analisadas de forma contextual para ver como se adequam às expectativas globais do mercado. Nessa medida, um aumento da dívida pública pode ter impacto direto e positivo, digamos, no mercado de ações. Para me deter em dois exemplos, tomemos o pacote trilionário dos EUA e da União Europeia para superar a crise de 2008, assim como os enormes pacotes de estímulo injetados diretamente na economia americana para contornar a crise da Covid-19.

Macroeconomia e fluxos de capital

Como era de se esperar de um mercado mundial altamente conectado, as mudanças observadas tanto em indicadores macroeconômicos como em diretrizes político-econômicas geram transformações no fluxo de capital internacional. De forma mais simplificada, esses movimentos se conformam a um apetite maior ou menor em relação ao risco. Logo, quando os fundamentos reforçam a perspectiva de crescimento da economia global, temos um fluxo que vai dos ativos mais conservadores (títulos públicos ou privados, ouro, dólar, etc.) para ativos mais arriscados (ações, petróleo, mercados “emergentes”, etc.). O oposto ocorre em momentos de contração ou crise e consequente deterioração da perspectiva de crescimento.

Vale lembrar que a magnitude dessas mudanças é relativa, tanto ao mercado financeiro como um todo, quanto aos prazos de maturação dos investimentos individuais. O payroll, por exemplo, tem um impacto gigantesco conforme cai o tempo gráfico envolvido, mas nem tanto quando consideramos uma evolução semanal ou mensal, quando a evolução da série de dados tem mais importância (isto é, vai sendo ajustada a cada nova divulgação do dado e decisão político-econômica). Isto, sem mencionar que o risco-retorno implicado pela oscilação entre dados positivos e negativos, assim como de decisões alinhadas ou desalinhadas com as expectativas do mercado, vai se diluindo no tempo.

Do ponto de vista de uma análise técnica integrada, dois aspectos principais devem ser levados em conta, uma vez definido o impacto mais ou menos relevante desses fenômenos de valorização ou depreciação dos ativos mais ou menos arriscados em função de uma mudança nos fundamentos. Primeiro, a volatilidade e volume implícitos, que tem implicação direta nos fenômenos de preço; segundo, aspectos de risco-retorno correlacional, isto é, quando a mudança em um ativo afeta de forma mais ou menos direta outro ativo ou classe de ativos.

Preço, volume e volatilidade          

Uma mudança relevante nos fundamentos econômicos tem impacto direto no preço, pelo simples fato de que ele resulta da relação dinâmica entre oferta e demanda ou, nesse caso específico, por mudanças no fluxo de capital a nível internacional. É importante ter em mente que grandes agentes – fundos de investimento, bancos e demais instituições financeiras – estão continuamente adequando suas posições em função do novo panorama de negócio, o que fica bastante claro quando observamos oscilações dentro de uma mesma sessão: os preços são rapidamente ajustados para refletirem se, digamos, for publicada uma previsão negativa sobre o PIB.

Embora possa parecer óbvio para quem adota uma postura um pouco mais crítica, é importante manter em mente que não existe “O Mercado”, essa entidade suprema que está acima de qualquer racionalidade humana. Pessoas, organizadas ou individualmente, negociam entre si de acordo com seus interesses, limitações, crenças. Do conjunto dessas interações é que nasce um mercado, que é precisamente o que nos permite trabalhar com os conceitos de volume e volatilidade implícitos: existe uma forma mais ou menos comum de interpretar dados, ainda que não seja possível prever quais serão os resultados individuais desses dados.

Conforme disse mais acima, os eventos agendados mais relevantes, como decisões de comitês ou dados macroeconômicos, são organizados entre aqueles que tem maior ou menor potencial de impacto. Foquemos, nesse momento, no payroll: haverá uma projeção de resultado, compilada a partir das estimativas de várias instituições, e podemos ter um resultado que é maior, menor ou muito próximo dele. Seja qual for o caso, tendo em vista que os EUA é a maior economia do mundo, quase todos/as os/as agentes de peso no mercado financeiro global estarão acompanhando o resultado.

Isso significa que, uma vez que esse evento (publicação dos dados) se concretize, podemos esperar tanto um aumento significativo no volume de negociação quanto na volatilidade de ativos relacionados ao dólar e na percepção geral do risco – razão pela qual falamos em volume/volatilidade implícita. Para ilustrar, digamos que os dados publicados interrompam uma sequência negativa (resultados abaixo das projeções), mostrando um incremento considerável no número de vagas de trabalho geradas: isso tende a fortalecer a convicção na retomada do crescimento e afetar a cotação de ações na medida em que mais agentes se dispõe a correr riscos.

O efeito concreto, de curto prazo, tende a ser uma mudança brusca nos mercados, com muita negociação acontecendo em pouco tempo e oscilações bem mais violentas do que o normal, tendo em mente que o mundo inteiro quer se adequar o mais rápido possível às novas condições de negociação. Entretanto, quem opera a curto ou médio prazo notará que o efeito exercido pelos fundamentos e pela divulgação de novos dados sobre seu estado começa bem antes: não é estranho ver movimentos fora do normal nos dias que antecedem um anúncio como o do payroll ou dias no qual temos um calendário recheado de eventos.

Na medida em que todos/as sabem que haverá uma mudança ou, melhor dizendo, uma atualização sobre os fundamentos econômicos, tanto a volatilidade quanto o volume tendem a se reduzirem antes do anúncio porque cai a disposição em negociar. O preço não apenas deixa de oscilar, como a quantidade de ativos disponíveis se torna mais escassa, o que faz com que os movimentos seguintes sejam ainda mais violentos, por causa da fragilidade de equilíbrio entre oferta e demanda. Caberá a quem executa ou administra um sistema de análise se preparar para acatar ou lidar com esses riscos ou, no caso de abordagens mais conservadoras, se abster de participar do mercado durante esses momentos de turbulência programada.

Sobre esse ponto, existe uma alternativa intermediária, que é precisamente o risco-retorno correlacional: isto é, fugir dos ativos diretamente impactados pelo dado ou anúncio, mas manter ou abrir posições em ativos que tem algum grau de correlação. Compreender essa dinâmica entre ativos é algo complexo, razão pela qual me limitarei a apenas alguns exemplos. Digamos que os EUA vão divulgar seus estoques semanais de petróleo, que vem sugerindo uma demanda crescente pelo combustível ao longo dos últimos dois meses.

Você pode, por exemplo, vender dólares e comprar Dólares Canadenses, visto que o Canadá é o principal fornecedor dos EUA, além de um dos maiores produtores de petróleo do mundo: dessa forma, estará exposto ao ativo de modo indireto. Outra possibilidade é explorar uma possível alta no preço do ouro ao investir no Dólar Australiano – afinal, o país tem as maiores reservas do mundo – e abrir uma posição favorável a desvalorização do Franco Suíço, que é parcialmente lastreado em ouro. Isto é, quando o metal encarece, o país precisa comprar mais dele para poder emitir dinheiro em momentos críticos, encarecendo a divisa e afastando investimentos potenciais.

Fundamentos e seleção de ativos

Embora tenha falado apenas de como os aspectos fundamentais afetam o próprio ativo, um dos aspectos mais cruciais desse tipo de estudo envolve o desenvolvimento de critérios para selecionar quais ativos serão negociados dentro de um sistema de análise técnica, sempre considerando aquilo que esse mesmo sistema procura produzir em termos de risco-retorno, seja esse retorno financeiro ou em termos de liquidez, maturação, volatilidade, etc. Obviamente, isso envolve tanto as classes de ativo (ações, FIIs, pares de moedas, etc.) quanto os ativos em si (isto é, quais ações, FIIs, etc.).

Um critério simples e prático, do qual iniciantes podem tirar bastante proveito, avaliar ativos com performance mais alta ou mais baixa, num período de tempo que seja minimamente representativo das condições gerais do mercado. A forma tradicional é pegar as ações que mais ganharam ou perderam na semana, no mês, no ano, etc. – o mesmo vale para pares de moedas, no caso de quem trabalha com Forex.

Uma outra forma é fazer o mesmo com índices setoriais – para quem não sabe, a B3 (SA:B3SA3) tem um índice para pagadoras de dividendos (IDIV), do setor financeiro (IFNC), small caps (SMLL), materiais básicos (IMAT), entre outros. Partindo daí, podemos nos limitar a ativos por setor ou mesmo nos determos em papéis listados em índices, que por uma ou outra razão tendem a ganhar mais destaque e se beneficiam da correlação com as demais – sobem e caem de forma mais ou menos conjunta. Isso auxilia também a nos mantermos fora de ativos no qual o mercado, como um todo, não manifestou interesse: sobem muito ou caem muito aquelas ações no qual vários/as agentes, pelas razões que forem, tiverem manifestado interesse na compra ou venda.

Considerações finais

Apesar da demora e de deixar muitos pontos em aberto, creio que posso considerar esta série de textos (mais ou menos) fechada. Partindo dos princípios básicos da análise técnica e das razões para considerar sua aplicação, avançamos a estudos de preço, volume, volatilidade e finalmente, fundamentos econômicos. Me esforcei para deixar sempre claro o caráter complexo dessa atividade, em contraponto às promessas fáceis que circulam pelas redes sociais – mais do que estudar, é precisar estudar corretamente.

Embora essa série tenha se encerrado, na prática continuarei me esforçando para trazer conteúdo gratuito de qualidade sobre análise técnica que irão agregar a este conjunto. Peço perdão, no entanto, caso não consiga manter uma periodicidade muito estável no futuro próximo, pois estou preparando alguns novos projetos – incluindo um canal no YouTube, onde se torna mais fácil mostrar na prática como se dá o desenvolvimento e administração de sistemas, assim como discutir temas densos de uma forma mais leve. Espero que quem gosta do meu trabalho aqui no Investing possa se beneficiar do conteúdo!

Deixo a todos/as aqui um grande abraço. Quem tiver dúvidas, sugestões ou críticas construtivas pode entrar em contato comigo por e-mail ou redes sociais. Um grande abraço,

André.

Contato: afsalmeron@gmail.com  

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