Conforme nos aproximamos do fim desta série um pouco longa de artigos, temos que nos voltar agora para uma questão que foi tratada rapidamente no primeiro texto. Notadamente, a volatilidade, tratada aqui grau de imprevisibilidade dos resultados – sejam eles de uma operação, de uma série de operações ou, no presente caso, do próprio preço do ativo.
No que tange a construção de um sistema de análise, o estudo da volatilidade histórica serve o propósito de fornecer uma margem de erro para nossos pontos de referência e, principalmente, para definirmos nossa perda máxima (stop loss) com base num dado objetivamente definido. A premissa é de que se o preço excede a margem de erro de forma significativa – por exemplo, duas vezes esse valor – é porque o mercado tende a não ir a nosso favor, independente do que nossa análise inicialmente sugeria.
A forma como medimos a volatilidade de um ativo em relação a um ponto de referência qualquer é crucial, ainda, para que possamos avaliar se podemos ou não tolerar o risco envolvido. Isto porque, na prática, essa volatilidade determina o risco mínimo que precisamos tolerar em termos de movimento de preço ou, de forma mais simples, qual o tamanho mínimo da nossa margem de erro, para que possamos posicionar nossa saída ao menos ligeiramente abaixo/acima dela.
Vale lembrar que esse é o risco mínimo a ser tolerado em termos de movimento de preço, mas devemos considerar ainda que o risco financeiro, em termos reais, é definido ainda pelo tamanho da posição adotada. Por exemplo, caso nossa margem de erro implique numa oscilação de 20 centavos numa ação, podemos aumentar ou diminuir o número de papéis comprados/vendidos para que a perda/ganho em dinheiro seja maior ou menor, sem que seja necessário modificar o tamanho da margem de erro ou de seus múltiplos, quando utilizados para definir o stop loss.
Basicamente, podemos dividir a abordagem que usaremos para calcular e definir nossas margens de erro de uma forma estática ou dinâmica. Na primeira, um ponto é definido e continua válido até o fim da operação ou até a eventual formação de um novo ponto de referência, do qual derivamos uma nova margem. Na segunda, esses pontos variam de forma dinâmica e independente da geração de um novo ponto de referência, sendo atualizados a cada novo período individual.
É preciso bastante cuidado com a volatilidade pois vejo muitas pessoas, inclusive profissionais, que ainda usam técnicas rudimentares e subjetivas para definição do risco da operação, como colocar um stop logo abaixo da mínima recente. Ora, por mais que, em tese, isso faça sentido, aquele ponto pode ser excedido pelo preço simplesmente por causa da volatilidade, ocasionando a proverbial “violinada” (quando o preço faz um repique, aciona a ordem de fechamento, para depois seguir no sentido favorável a posição que tinha sido aberta).
Situações como essa reforçam a necessidade de traçar uma margem de erro para o ponto de referência. No caso acima, poderia se medir o corpo do candle que gerou a mínima, com a margem de erro sendo estabelecida como a mínima mais esse valor, ou a mínima mais o tamanho total do maior dos últimos cinco, dez, vinte candles; ou a distância entre a mínima e a última máxima firmada abaixo dela. Todos esses critérios se voltam, de alguma forma, para o grau de oscilação que foi observado, anteriormente, naquela região.
Trata-se muito mais uma forma de pensar sobre o lugar da volatilidade dentro do sistema de análise do que um conjunto de técnicas específicas ou de indicadores – embora, em todo caso, eu ainda os considere mais úteis para desempenhar esse papel. O estudo da volatilidade, mais ou menos recente, é o que nos fornece proteção do fato de que, mesmo que determinemos pontos relevantes para referência, estes não operam de forma exata e que, por isso mesmo, precisamos contar com uma margem de erro que, caso acionada, não invalide, necessariamente, nossa análise.
Costuma-se pensar que quanto maior o tempo gráfico, menor a volatilidade e, logo, o tamanho da margem de erro. Embora exista certa lógica nesse argumento, é bom tomar uma dose extra de cuidado. Isto, porque embora o tamanho dos candles seja efetivamente mais homogêneo, o deslocamento de preço por período individual é bem maior: por exemplo, 10 centavos por papel, ao passo que, num gráfico intradiário, teríamos uma homogeneidade menor, mas também um deslocamento menor por período – de apenas três centavos, digamos.
Tudo isso está em conformidade com o princípio de que os riscos do mercado se contrabalanceiam, de modo que operações em longo prazo sejam mais seguras, porém mais caras; operações a curto prazo, por outro lado, são mais baratas, mas igualmente mais imprevisíveis. Em ambos casos, vale lembrar, pensando para um mesmo número de repetições do mesmo sistema técnico e ignorando o tempo de maturação como fator relevante. É por esse motivo que, mais uma vez, destaco que o sistema, mais do que gerar lucro, deve servir a demanda específica de quem o desenvolve, seja em termos de liquidez, de retorno, etc.
Um último ponto a se levar em conta sobre a volatilidade, no contexto do interior de um sistema de análise técnica, é que ela não deve ser confundida com aquela que se mostra nos resultados produzidos. Isto é, da volatilidade enquanto previsibilidade de resultados ou, num termo mais concreto, a consistência dos resultados obtidos nas operações. Sobre isso, lembro que quanto maior o retorno buscado, maior será a volatilidade, caso mantidos fixos os fatores maturação e liquidez. Lembrando que essa consistência é relativa aos próprios resultados e o quanto eles são diferentes entre si, sem mencionar com que frequência desviam radicalmente do esperado.
Ferramentas de análise: ATR e derivados
Sem grandes rodeios, o principal indicador técnico utilizado para medir a volatilidade mais ou menos recente de um ativo é o average true range (ATR), desenvolvido por J. Welles Wilder Jr., uma das figuras mais importantes na história da análise técnica. Em síntese, trata-se da média do true range ou área de negociação real/verdadeira, numa tradução livre. O valor do true range é igual ao resultado valor mais alto a resultar da distância entre: máxima e mínima; máxima e fechamento anterior (absoluto); mínima e fechamento anterior (absoluto).
O resultado é sempre um número positivo (razão pela qual usam-se valore absolutos), que representa o quanto o ativo tem oscilado na média, expressa na mesma grandeza do gráfico: preço, porcentagem, pontos, etc. Tradicionalmente, utiliza-se uma média aritmética de 14 períodos, que fornece um retrato relativamente confiável do grau de volatilidade recente. Entretanto, nada impede de adequar esse valor aos propósitos de cada sistema, com médias mais longas sofrendo oscilações menores no valor e médias mais curtas fazendo o oposto.
Embora o mais comum seja tomar-se o valor mais recente do ATR como referência, essa não é a única forma de utilizar o indicador, visto que podemos comparar o ponto atual a momentos anteriores, no qual houve um grau de volatilidade significativamente mais alto ou baixo. Partindo desse princípio, a volatilidade média (ATR) de um período particularmente conturbado pode ser usada para projetar uma margem de erro mais confiável, embora igualmente mais cara. Paralelamente, pode-se tentar corrigir uma leitura particularmente baixa, que tende a não se manter a longo prazo.
A esse respeito, é interessante notar que quando a volatilidade fica muito alta ou muito baixa, ela tende a eventualmente voltar ao “normal”. Quando o mercado está muito imprevisível, isso afasta participantes, fazendo com que as coisas se acalmem. Por outro lado, quando fica muito baixa, a negociação passa a se concentrar numa região de preço muito estreita (range), o que tende a refletir um processo de acumulação ou distribuição, com grande concentração de volume relativo, que geralmente culmina num forte rompimento para cima ou para baixo.
Em linhas gerais, minha sugestão é nunca operar quando o valor nominal do ATR for acima daquilo que seu gerenciamento de risco permite tolerar. Um exemplo clássico é minicontrato de dólar, que em certos momentos chega a ter uma volatilidade muito acima de 10 pontos, o que para um único lote seria equivalente a uma perda potencial de pelo menos 100 reais. Considerando que não é incomum ver analistas sugerindo operar day trade com mil reais por contrato, isso equivaleria a uma perda da ordem de 10% por operação – e a quebra da conta é questão de tempo.
Stops dinâmicos com ATR
Aquilo que chamamos de trailing stop ou stop dinâmico nada mais é do que uma forma de estender o tempo de permanência numa operação com base na evolução do preço, em geral garantindo lucros conforme o mercado avança a favor, sem que se use um alvo pré-determinado. Particularmente, eu prefiro trabalhar com alvos ou faixas de preço pré-definidas para garantir uma maior estabilidade nos resultados conforme a operação se repete no tempo, mas isso é algo que deve ser considerado por cada um/a.
Para esse efeito, temos alguns indicadores baseados no próprio ATR, que fazem isso de forma automática e, portanto, objetiva – contanto que respeitemos aquilo que o indicador define como ponto de stop. Os dois mais famosos são o stop ATR, conhecido como chandelier (lustre) pois fica “pendurado” nas máximas e projeta-se para baixo delas (fazendo o contrário quando operamos no sentido da venda) e o indicador Trading the trend ou “Abraham stop”, baseado num artigo publicado pelo trader Andrew Abraham.
Os dois produzem resultados relativamente satisfatórios e seguem o preço de modo contínuo, mas vão se adaptando a volatilidade recente conforme o valor do ATR vai subindo ou caindo em relação aos períodos anteriores. Uma sugestão que faço, para quem optar por esse tipo de estratégia, é realmente se preparar para encontrar várias ocasiões em que a operação será cortada prematuramente (com lucro ou prejuízo), justamente porque serão os poucos no qual o preço realmente evolui a seu favor que irão compensar a maioria dos resultados piores – lembrando sempre que não há como saber quais serão esses casos.
Bandas de Bollinger
As Bandas de Bollinger, sobre o qual discuti no texto sobre estudos em preço, é uma ferramenta que se baseia no grau de volatilidade recente e, portanto, pode ser utilizada para esse tipo de estudo. Como tratam-se simplesmente de uma média móvel com dois desvios padrões acima e abaixo dela (na configuração padrão), elas podem ser usadas no lugar das médias e, alterando o número de desvios, tem-se uma margem de erro dinâmica para as mesmas.
Podemos tomar como exemplo uma média de 50 períodos com 0.5 desvios padrões da média, que nos fornece uma margem objetiva e confortável para posicionar saídas ou mesmo para entradas mais arriscadas, que seriam acionadas quando o preço interage com a banda mais próxima de cima para baixo ou de baixo para cima. Conforme discutimos no terceiro texto desta série, o espaço entre uma banda e outra se altera conforme a média se torna mais errática, refletindo um comportamento de preço mais volátil.
Por outro lado, sistemas que buscam explorar rompimentos de uma banda mais distante podem utilizar uma banda adicional, mais distante, para determinar automaticamente o ponto de stop caso o mercado avance numa posição contrária. Na imagem abaixo, foram utilizadas duas bandas de 20 períodos, uma com dois e outra com três desvios padrão da média. Vale lembrar que, além das médias aritméticas, bandas de Bollinger podem ser calculadas com base em qualquer outro tipo de média (exponencial, TRIX, etc.).
Stop SAR Parabólico
O SAR, sigla para stop and reverse (“parar e reverter”, em tradução livre) é mais uma invenção de J. Welles Wilder Jr. Embora não se trate de um indicador baseado na volatilidade, optei por incluí-lo aqui uma vez que ele é comumente utilizado para demarcar stops dinâmicos num gráfico. É conhecido como “parabólico” por causa do modo como acompanha o preço, fazendo movimentos curvos que lembram o de uma antena de satélite. Como o cálculo realizado por esse indicador é bastante complexo, não entrarei em detalhes sobre sua configuração, deixando a cargo do/a leitor/a avaliar seu uso por conta própria.
Considerações finais
Peço mais uma vez desculpa pela delonga na produção desse texto, tenho outros projetos em andamento e não me permito publicar algo sem dar ao tema o devido tratamento. Muitas outras coisas precisam ser ditas sobre o estudo da volatilidade, mas creio que as considerações feitas neste texto sejam valiosas para quem deseja desenvolver um sistema de análise. A volatilidade é um dado fundamental a ser medido e considerado, na medida que ela dita o risco mínimo que devemos aceitar para que nossa posição esteja protegida do “ruído” do mercado.
Como nos demais textos, mais do que uma receita pronta, espero ter contribuído com uma forma de pensar sobre a volatilidade como parte dos nossos sistemas de análise. Nos aproximamos agora do fim desta série de artigos. Na próxima semana, buscarei apresentar aqui uma discussão sobre fundamentos macroeconômicos, o que inclui não apenas a divulgação de dados públicos, como também procedimentos de escolha e filtragem dos ativos que buscaremos analisar – ações, moedas, índices, etc. Espero vocês lá!
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