Toda unanimidade é burra. Essa frase atribuída a Nelson Rodrigues é, apesar de excessivamente radical, uma lembrança de que normalmente não devemos fiar nossas opiniões em consensos que não compreendemos. Isso vale particularmente em situações nas quais a chance de erro é alta e há muitos elementos compartilhados entre os participantes do mercado. Naturalmente, essa frase se aplica ao mercado de criptomoedas e, de maneira mais intensa, ao recente consenso se formando a respeito de um bull market.
De uma perspectiva estatística, não acredito que esse consenso seja infundado. Para voltar ao ponto baixo do bear market (cerca de US$ 3200), seria necessária uma queda de 38%. Não é algo infrequente no mercado criptomoedas quedas significativas assim, porém ainda há muito chão para romper essa barreira. Uma tendência de queda nessa direção com o atual padrão de volatilidade não seria tão rápida a ponto de não ser detectada por traders mais atentos ou cujos robôs são bem calibrados para mudança de tendência. Além do mais, indicadores como o Google Trends indicam que há uma sustentação na alta dada por melhor sentimento. Em todo caso, esses fenômenos de reversão rápida não são impossíveis, então vale discorrer sobre alguns riscos no atual cenário.
Não há nenhuma tragédia anunciada (e com data marcada) como o fork do Bitcoin Cash em novembro. Isso é um bom sinal, porém não quer dizer que não há elementos antigos gritando anormalidade. A Bitfinex, uma das mais importantes exchanges, foi acusada de roubo de US$ 850 milhões pela Procuradora do Estado de Nova Iorque. O dinheiro teria vindo de clientes do Tether e pagariam despesas da empresa. Isso se acumula a outras notícias suspeitas a respeito da exchange, como forte emissão de Tether sob incerteza de insolvência e movimentação em moedas anteriormente roubadas. Sinceramente, é impossível não achar isso suspeito, apesar do mercado ter passado por esses ruídos com relativa tranquilidade: uma pequena queda com rápida recuperação e estabilização em US$5.300.
Felizmente a Bitfinex não é mais tão proeminente no mercado de criptos, assim como o Tether ganhou concorrentes no mercado de stablecoins. Dessa maneira, o maior risco a ser listado parece razoavelmente controlado. No entanto, aí reside o maior risco: o consenso em si. Consensos existem até deixarem de existir. O consenso atual é algo temporalmente delimitado e marcado por um espaço de preços, ou seja, o Bitcoin deveria valer mais que US$ 5.000 dadas as atuais circunstâncias. Entretanto é fácil confundir isso com uma tendência progressiva a somente aumentar de preços e aí reside um gigantesco risco.
Processos de bolha começam quando um ativo depende mais do retorno passado que de eventuais fundamentos. Conforme os preços sobem, está tudo bom, porém investidores tem prazos e expectativas diferentes e essa tendência vai diminuindo: uma bolha formou e desinflou. Esse processo começa mais facilmente em processos sem grande noção de fundamentos e por isso que devemos estar atentos aos criptoativos. A questão é entender a origem dessa confiança e se ela não é contágio em relação a outros players. O nosso mercado, infelizmente, nunca vem sem risco, mas o consenso às vezes é esquecer disso. Em resumo, cuidado com unanimidades ao tradar criptomoedas.